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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
A RTP exibiu esta manhã uma reportagem sobre os emigrantes. Vem a jeito do 10 de junho. Vem a propósito do Dia de Portugal. A reportagem está bem feita. Na preguiça da manhã que corre devagar deixei-me ficar com o comando na mão mas sem trocar de canal. Os emigrantes estão na Suíça. A vida ali é diferente, garantem. "Não podíamos levar aqui a vida que levávamos em Portugal". Qual vida? A vida de casa-trabalho e um bónus ao fim de semana com um passeio em família. "Ao centro comercial?", pergunta a jornalista. Sim, confirmam, ao centro comercial. Fico sem saber se essa era a 'boa vida' versus a vida dura no estrangeiro. Fico sem saber se é uma vida melhor ou pior, a que agora têm. Mas sei que não tencionam voltar - "Portugal só é bom para férias e mesmo assim não pode ser muito tempo". Ganham sete vezes mais na Suíça. Os filhos gostam da Suíça.
Outros emigrantes estão em Angola. Já pensaram voltar a Portugal, mas a troika fê-los desistir da ideia. Para os próximos quatro ou cinco anos também não querem ter ideias dessas. Angola dá-lhes 'a estabilidade que Portugal lhes tirou'. Angola dá-lhes estabilidade. Vivem bem. Têm emprego. A mulher da família descobriu uma oportunidade de negócio em Angola. O homem da família até gostava de abrir um negócio dele em Portugal - mas Portugal não está para isso.
Outros emigrantes voltaram. Um dos que vejo na reportagem foi para Inglaterra e voltou. É professor primário. Portugal continua na mesma, diz. Mas ele não estava disposto ao esforço que Inglaterra lhe exigia numa escola em que se falavam 32 línguas.
A reportagem fala ainda dos portugueses felizes. Um dos investigadores chefes da Fundação Champalimaud. Ou outro chef, o Kiko Martins, que já correu mundo - porque quis, não porque precisou. São portugueses felizes porque podem escolher. Poder escolher é uma grande felicidade. Há portugueses que podem escolher, que Portugal não está a tratar bem, e que ainda assim aqui ficam. Conheço vários. Sou um desses em alguns dias mais cinzentos de humor. Mas ainda assim, sabem que podem escolher. Poder escolher é uma enorme felicidade.
Mas aquilo que me faz falta é sentir essa saudade. A saudade do cheiro, da comida de tacho, das sardinhas assadas, do clima, das varandas, até das marquises. A saudade da língua, dos palavrões, dos trocadilhos nacionais que são um segredo só nosso. A saudade de vir ao Porto e dizer que não há gente como a nossa. A saudade dos lisboetas, mesmo dos queques e cocós, e do seu orgulho na capital mais luminosa do mundo. A saudade dos espirros que anunciam a Primavera, das cerejas vendidas na rua, do dia da espiga que anuncia o bom tempo. A saudade do cheiro a praia quando o verão se aproxima, a saudade da terra molhada quando o outono entra. A saudade dos dias de chuva quando chega o Natal, de descer o Chiado sem chapéu-de-chuva em dia de chuva. Saudades do meu bairro, da praça, do senhor Sadik dos legumes e do senhor Alcides do talho. Saudade da minha praia, do nosso Alentejo, das Beiras da minha avó.
Gostava de sentir esta saudade. De a experimentar, pelo menos. De me sentir mais portuguesa porque sinto falta de tudo isto que é Portugal. De ter a certeza que sou parte disto e não apenas que nasci, cresci e vivo aqui. Nos dias que não são de Portugal tenho dúvidas frequentes, não estou segura que este país seja para todos que cá estão e menos ainda que a maioria dos que cá estão seja o meu país. Gosto de tanto e desgosto de outro tanto. Se calhar é assim em todo o lado. Os países são mais que a soma dos sabores, cheiros e manias comuns. Os países são memórias e por isso são também são sabores, cheiros e manias. Mas não só. Gostava de saber o que são saudades de Portugal, mas detestava ter saudades dos portugueses de quem gosto.Todo este Portugal está nas pessoas de quem gostamos. As pessoas de quem gosto são o meu país. Com elas até acho que fazia um país novo. Sem elas qualquer sítio é inóspito. E essa saudade ninguém merece. E não, não é a mesma coisa de quem vai ali e já volta.
A notícia sobre mais um recrutamento 'criativo' no mercado voltou a ser tema de conversa. Trata-se de um recrutamento para uma agência com o objectivo de trabalhar uma marca de um cliente real e, supõe-se, com uma factura real a ser cobrada. Não são estágios curriculares, mas sim, segundo os promotores, uma oportunidade para "trabalhar no novo laboratório criativo da agência".
A coisa pode ser apresentada de várias formas.
1. trabalhar à borla
2. ganhar experiência
3. trabalhar à borla e ganhar experiência
4. ganhar formação à borla
5. ter 'visibilidade' no mercado de trabalho
6. facturar ao cliente com trabalho à borla
Como é fácil de ver, a palavra mais recorrente é mesmo borla. Nós aqui em Portugal somos o país das borlas. Basta olhar para as médias de subscrição de serviços pagos naqueles sites que oferecem uma parte 'à borla' versus outra parte 'paga'. Nós batemos qualquer estatística europeia: à borla tudo, pago, quase nada.
Para alguns tem tudo a ver com a pobreza endógena do país.
Temo, em muitos casos, que tenha muito mais a ver com duas coisas que decorrem de outro tipo de pobreza. Uma é a chica-espertice. Outra é a subserviência.
Do ponto estritamente económico e empresarial, este ciclo é do pior que há.
As empresas que podem pagar mais, tudo fazem para pagar nada. As empresas que estão no meio - a esmagadora maioria das empresas em Portugal - tudo fazem para simplesmente sobreviver. No manual de sobrevivência, a regra do quase à borla é de ouro. Para poderem fazer preços quase à borla têm de ter trabalho à borla. O efeito disto escada abaixo é mais ou menos de aritmética pura: vamos tirando dinheiro de cima para baixo e quando chegamos à base de suporte de qualquer economia - o consumo privado - encontramos malta que não tem dinheiro para gastar. Logo não compra, logo as empresas maiores para manterem o seu status quo têm de espremer as outras - as que estão stuck in the middle. E assim sucessivamente. Com uma particularidade adicional: quando a malta do trabalho à borla consegue ganhar algum dinheiro, já tem doutoramente em todas as formas de viver à borla (estou a falar da malta 'normal'. não de quem passa a vida a pedir o iphone seguinte ao pai e à mãe). E assim sucessivamente.
Já mudávamos de vida, já.
A distância entre o que 'as pessoas normais' pensam e vivem e aquilo que é apresentado como a decisão de 'todos nós', aka decisão de quem nos representa, surpreende-me cada vez mais. Não estou inserida em nenhum gueto ou facção, não faço parte de nenhum partido político e, entre família, amigos, conhecidos e redes profissionais, conheço pessoas da dita direita e esquerda, mais pobres e menos pobres, com religião e sem religião, empregados e desempregados e por aí fora. Pessoas diferentes em circunstâncias diferentes. E nunca como agora tenho, repetidamente, sentido o mesmo sentimento de descrença no país - não em Portugal, mas neste país, nesta élite e nesta moldura cristalizada de poder.
Ontem estive em mais um desses momentos. Fui assistir de manhã a uma aula com o professor Sverker Alänge que esteve em Portugal a convite da Universidade Europeia e do professor José Manuel Fonseca (que, por sua vez, teve a gentileza de me deixar fazer parte da sessão).
Tive o privilégio de ainda ser aluna deste senhor. Por causa dele não me desiludi tanto quanto podia com o 1º ano de universidade que me pareceu na maior parte do tempo um retrocesso face ao exigente 12º ano com excelentes professores que tinha tido.
Mas as aulas com Adriano Moreira eram diferentes. Porque ele é, de facto, um professor em todo o sentido do termo. Um contador da História e um humanista.
Hoje deixo aqui este excerto da entrevista à Renascença que vale pelo todo mas sobretudo por esta frase: O imprevisto está à espera de uma oportunidade.
"A legitimidade de exercício do Governo tem sido bastante afectada"
Que propostas alternativas à austeridade é que devem ser colocadas em cima da mesa?
Só conheço uma sede onde podem ser modificadas estas orientações: chama-se Conselho Europeu. Conheço outra sede, que nunca foi experimentada, que é o Conselho Económico e Social das Nações Unidas. E é aí que as coisas têm que ser discutidas. A situação, apesar de algumas certezas que os economistas têm e depois os resultados não correspondem, é a seguinte: juízos de certeza ninguém pode fazer; juízos de probabilidade são uma audácia; e juízos de possibilidade devem ser feitos sempre com a prevenção de que pode acontecer outra coisa. O que me leva a concluir que o imprevisto está à espera de uma oportunidade.
O que é que quer dizer com isso?
Você não pode adivinhar os resultados. O imprevisto está à espera de uma oportunidade.
Pequeno resumo para quem não leu a entrevista de Clara Ferreira Alves ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. O homem estudou e precisa dessa legitamação 'intelectual'. Acho bem, mesmo pecando pelo excesso de efeitos especiais. (se tivesse sido enxovalhada publicamente por ter obtido méritos académicos por favor, faria o mesmo, seria mesmo a minha prioridade número 1). O homem não tem pejo no uso da palavra. Uma merda é uma merda, um estupor é um estupor ('a merda' da política e o 'estupor' do Schauble, ministro alemãos das Finanças). Acho bem, mesmo com o desconforto de ser dito na 'estilo' Sócrates. Estou absolutamente farta da tribo que para dizer 'vou-te lixar' diz que 'vamos proceder a um ajustamento tendo em vista a correcção de problemas estruturais'. O homem não se verga (mesmo quando, às vezes, devia aceitar a vénia). Acho bem, mesmo que haja aquela grande dose de teatro própria do protagonista. Num país que vive a pedir desculpa, a curvar-se perante a força e não perante a razão, num país que perdeu respeito por si próprio, sabe bem algum desplante, mesmo alguma desta teatralidade.
É voz comum dizer-se que é tudo uma questão de atitude.
Não sei se será verdade com tudo, tudo. Mas, em algumas situações, é de certeza.
Por exemplo, face ao dinheiro ou à falta dele. Podemos pensar em tudo o que vamos deixar de fazer porque não temos dinheiro. Ou então pensamos em tudo o que temos de fazer para não deixar de fazer as coisas que gostamos ou precisamos. Ou ambos, devidamente compensados.
Vem isto a propósito da ignomínia que reina quando o tema é a dívida, as dívidas, a falta de dinheiro, a falta de emprego, a falta de investimento em Portugal.
Não ouvimos mais nada há três anos que não a palavra corte. Nunca ouvimos nada sobre como vamos ganhar mais dinheiro (a sério). Ou como vamos criar mais emprego (a sério). Ou como vamos bater-nos por uma política diferente e não apenas seguidista (a sério). Ouvimos sempre 'menos' e nunca 'mais'. E não tenho qualquer dúvida que há muitas contas de menos essenciais, as crises mostram sempre a ineficiência e o desperdício. Mas não há memória de nenhum país que tenha vencido uma crise sem olhar para o 'mais', sem perceber que a esperança é tão essencial como a moeda.
No início eram os cortes da magnífica austeridade, o extraordinário plano da troika que nos iria purificar dos erros cometidos.
Depois, passámos ao Estado de guerra civil. Os 'privilegiados' da Função Pública versus os 'sacrificados' da iniciativa privada (ui, e o que se podia escrever sobre isto, de um lado e de outro).
No último ano, sobretudo depois do fracasso da TSU/15 de Setembro 2012, a discussão passou de ideológica (liberais da treta versus sociais democratas também da treta) a pornográfica. Não encontro outro termo. Colocar nos mais velhos a 'culpa' das reformas para as quais contribuíram uma vida é pornográfico. Incutir nos mais novos uma sanha assassina em relação aos velhos que lhes roubam os empregos (esses velhos de 45 anos ...) ou lhes sugam os descontos (para os que trabalham) é um corte nas entranhas. No país, na sociedade, na razão porque permanecemos juntos.
Depois de estarmos todos devidamente entrincheirados, sobra o quê? Um darwnismo do chica-espertismo? O chico mais esperto de todos? E fazemos o quê?
Nada me irrita mais do que as soluções únicas. A derradeira opção. E tudo isto é sempre apresentado assim - não há opção. Cobardemente, face a cada contestação, lá se descobrem outras opções. Porque, naturalmente, há sempre outras opções.
Na semana passada, depois da fuga de informação organizada (e que bem!), depois da demagogia empoleirada em dois plafonds de vida, o do 600 euros e o dos 4000 euros, voltou a ser injectado o Estado de guerra civil. Os 'pobres' dos 600 euros contra os 'ricos' dos 4000 euros. Mesmo que os 'ricos' tenham contribuído uma vida inteira para essa 'riqueza'.
E foi então que soubemos que afinal não se é rico aos 4000 euros, mas sim a partir dos 2000 euros. Porque - mais uma volta no Estado de guerra civil - há velhinhos e velhinhas que vivem com 170 euros. Depois do que ouvi e do que li, só me sobrava uma pergunta: ainda não é pobre? É isso que o Estado, este Estado, nos está a perguntar a todos. Ainda não é pobre? É que se não é, temos de tratar de si. Temos de fazer de si pobre. Para nos purificar. Para nos tornar a todos iguais no estado de 'miseráveis'. E, no fim, sobrarão só miseráveis e gente importante que decide sobre os miseráveis.
Eis o Estado forte com os fracos. Eis o Estado fraco com os do costume, sempre os do costume. Eis o Estado que não quer ter outras opções - isto não é um erro, uma incapacidade, uma perturbação - é um acto de vontade.
E eis um país em que os cidadãos são sitting ducks. Na mira. Por isso, é cada vez mais difícil falar do que corre bem, das empresas que estão a vender mais, das instituições que conseguem fazer coisas acontecerem. Se for público, o mais provável é, no dia seguinte, terem o fisco à porta a perguntar-lhes: ainda não é pobre? Temos de tratar de si.
Em tempos de crise acontecem coisas estranhas. Algumas boas, algumas más. Em tempos de crise e de grandes dificuldades, por exemplo, há ditadores que se afirmam. Em tempos de crise e de grandes dificuldades, por exemplo, há pessoas extraordinárias que mudam o rumo dos acontecimentos. Portugal está em crise há mais tempo do que todos temos memória. Mesmo quando não estávamos em crise, na realidade, não tínhamos deixado de estar.
Vem isto a propósito de este fim-de-semana ter, supostamente, batido num carro num parque de estacionamento.
Confusos? Eu explico.
Fui almoçar com a minha amiga Helena a um centro comercial. Almoço tardio, já passava das 3 da tarde. Chegámos ao parque, ensaiei estacionar num primeiro lugar, e com o sábio conselho de quem me acompanhava, percebi que era talvez carro a mais para aquele espaço ou para a minha destreza / minúcia no estacionamento.
Estacionei duas filas adiante e ficámos mais de 3 horas - 3 horas, sublinho - no dito parque.
Almoço, café, conversa, shop-seeing.
Quando regressamos ao parque, temos um carro a trancar a nossa saída com um papel no tablier que dizia apenas, em jeito de loja em horário de almoço, 'volto já' seguido de dois números de telemóvel. Enquanto, com razão, a minha amiga praguejava, eu reviro a mala à procura do telefone. Ligo, ao mesmo tempo que ambas reparamos num papel colocado na porta do carro. Ainda tentamos ler a missiva, mas entretanto somos cercados por mãe e filho, respectivamente o dono do carro que nos trancou e a dona de um outro carro estacionado no mesmo parque. Ainda não tinha tido tempo de dizer nada e já estava a ser literalmente bombardeada com o facto que bati num carro (o da senhora), fugi (para longe, está bom de ver, duas filas à frente), mas fui 'apanhada' porque houve um cidadão honesto (o autor da missiva na porta do carro) que viu e que tratou de me por na linha, ao mesmo tempo que deixava uma missiva ainda mais detalhada no carro da lesada, à qual, que nem Batman salvou de um perverso (a) vilão (ã).
Bom. As mulheres são distraídas, é bom de ver, e duas mulheres, amigas, em tarde de sábado, são duplamente distraídas. E perigosas, como vamos ver. Estas duas mulheres, distraídas e perigosas, não tinham dado pelo facto de terem abalroado um carro (ainda por cima novinho, com 7 dias, ainda por cima com matrícula espanhola, que a senhora mora em Madrid).
Ainda não recompostas do efeito 'bloqueadas-apanhadas-acusadas', vamos de passo miudinho até ao carro da senhora. Pelo caminho, curto, menos de 20 segundo, tive antevisões de portas abalroadas, para-choques descaídos, faróis partidos. A tragédia, o horror, a calamidade. A somar à estupefacção e algum terror secreto pelo meu alheamento (como é possível, como é possível???).
Chegamos ao carro da senhora e passo a acreditar que tenho um problema maior de visão do que aquele que os meus óculos exigem. Onde está a batida? A porta abalroada? O para-choques destruído? 'Desculpe, mas bati onde?'. Aqui. Aqui??? Onde? 'Aqui, não vê?'. Não, não vejo, não, não víamos. Tive de me agachar e colocar quase o nariz no para-choque para lá conseguir descortinar um arranhão, provavelmente resultado (tenho de acreditar que foi) da minha tímida tentativa de estacionar no primeiro lugar.
A dona do carro arranhado não parava de dizer que estava muito nervosa (!), eu que estou irritada mas não nervosa lá lhe vou dizendo que não tem de porque estar assim, fizeram-se seguros ou passam-se cheques para isto mesmo. E só depois de o dizer três ou quatro vezes, a senhora e o filho lá percebem que não sou uma perigosa criminosa e começam a falar como pessoas ... normais. E lá vão dizendo que foram informados também por uma missiva, deixada no carro deles. Ao ler a missiva, passo de irritada a estarrecida.
Houve alguém, naquele centro comercial, que reparou que eu tinha dado um toque noutro carro, que me seguiu até ao segundo lugar escolhido para estacionar, que esperou que eu saísse do carro e então sim foi deixar recadinhos em ambos os carros, da vítima e da criminosa, naturalmente em tons adequados a cada interlocutor. A missiva para a vítima dava conta da campanha vitoriosa em perseguição da bandida (citando: bateram no seu carro e fugiram, mas eu segui-os e tirei-lhes a matrícula). A missiva para mim, a criminosa, denunciava-me: 'eu vi e vou informar a viatura onde a senhora bateu' (entre outras pérolas de português).
Factos.
1 - Não dei conta do arranhão.
2 - 'Fugi' para duas filas à frente.
3 - Entrei num centro comercial e fiquei mais de 3 horas 'foragida' entre lojas e cafés.
4 - Regressei ao local do crime.
5 - Não hesitei em ligar à vítima (bem apanhada, hem!)
6 - O justiceiro naturalmente não nos confrontou porque somos duas perigosas mulheres de 1,60 com ar ameaçador e armadas até aos dentes.
Tratámos das formalidades e, findo esse tempo, o rapaz já dizia: 'a sua amiga tem razão, a pessoa ainda se foi embora achando que tinha feito a boa acção do dia'.
Em tempos de crise acontecem coisas estranhas. Uma delas é exacerbarmos o que temos de bom, de excelente, de extraordinário. Massagens à auto-estima. Os portugueses, que povo extraordinário.
Em tempos de crise devíamos aproveitar e fazer uma revisão da matéria dada. Nomeadamente aquele capítulo sobre Portugal em que olhamos de frente para o facto de pessoas grandes, excelentes, extraordinárias habitarem o mesmo país que pessoas mesquinhas, cobardes, invejosas e tantas vezes estarem em minoria. E como esses terríveis defeitos já se impuseram tantas vezes na nossa história, nos fizeram atravessar silenciosamente 50 anos de ditadura (entre outras coisas) e persistem como traços de identidade em muitos de nós. Também eles portugueses.
É óbvio que todas estas características fazem parte do vastíssimo leque inerente à natureza humana. Mas os povos são mais assim ou mais assado, chama-se a isso identidade, tem razões culturais, sociais, antropológicas, entre outras e está estudado. Já o escrevi várias vezes e vou repetir: para sermos grandes e inteiros como dizia o poeta temos de vencer a mesquinhez que nos acompanha há gerações. É um trabalho para outras tantas gerações, resolve-se em casa, na escola, nas empresas, na vida em comum. E temos de tratar disso.
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