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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Domingo, 05.01.14

Às vezes dá jeito as pessoas gostarem de ti

Não gosto de filmes sobre carros, gajos que conduzem carros, gajas que andam com os gajos que conduzem carros. Dito isto, dizer que Rush é o melhor filme que vi sobre carros não é grande atestado. Na realidade, gostei do filme por me devolver uma Fórmula 1 com a qual aprendi a gostar de Fórmula 1. 'Rush' conta a história de um duelo entre dois campeões dos anos 70, James Hunt e Niki Lauda. De James Hunt não tenho qualquer memória, de Lauda lembro-me bem, sobretudo nos anos em que mais atenção dediquei a este desporto, algures entre fins de 80 e meados de 90. Mais precisamente até à data da morte de Ayrton Senna em 1994, momento a partir do qual me desinteressei pelo que se passava nas pistas e fora delas (yep, mais uma com essa história banal ...). Mais recentemente, por motivos profissionais e por causa do interesse do meu filho, voltei a seguir as notícias e alguns prémios, mas sem nunca retomar a paixão de outros tempos.

 

Curiosamente, o que mais vou recordar sobre o filme tem menos a ver com as corridas e mais a ver com as pessoas. Porque me lembro de Lauda, lembro bem a sua figura distante, gélida, contida. Lembro as marcas do acidente que sofreu, visíveis 10 anos depois, lembro a perícia. Lembro-me que era bom, mas que não era 'apaixonável'. Aos 14 ou 15 anos, o atributo de 'apaixonável' é importante; na realidade, mantém-se importante vida fora. O Facebook e o incontornável botão de 'Like' simplificaram o atributo em 'likeable'. E, ser 'gostável' nos dias de hoje é, em muitas situações, mais importante do que estar certo, ter razão, ser mais inteligente, relevante ou até ... bom.

 

No episódio-chave do filme, Lauda tenta evitar a realização do Grande Prémio da Europa, no circuito de Nürburgring, na Alemanha, alegando razões de insegurança que, no relato da história, nos surge como mais ou menos óbvia. Circuito perigoso, mau tempo, os habituais nervos à flor da pele. É convocada uma reunião de pilotos para decidir pelo cancelamento ou não da prova. Lauda apresenta as suas razões. No seu timbre. Racional, frio, objectivo. Hunt, o piloto inglês de sangue quente e estilo playboy, contrapõe. Diz que Lauda só quer suspender a prova porque é o único que tem algo a ganhar (Lauda ia na frente da classificação), já que nenhum piloto iria poder pontuar. Debatem argumentos, a maioria alinha com Hunt, a prova mantém-se.

No fim da reunião, Hunt passa por Lauda e sussurra-lhe qualquer coisa como: "às vezes dá jeito as pessoas gostarem de ti".

 

Nessa prova, Lauda sofre um terrível acidente em que durante cerca de um minuto fica dentro de um carro em chamas. 800 graus durante 60 segundos. O austríaco sobrevive. Faz mais do que isso. Investe tudo numa recuperação difícil e volta às pistas ainda no mesmo ano para disputar o mesmo campeonato ao rival de sempre, Hunt, que tinha visto - de televisão ligada no quarto de hospital - ganhar pontos enquanto fazia aspirações aos pulmões e mudava os pensos das queimaduras. É filme, mas algo me diz que não terá sido assim tão diferente na dita 'vida real'.

 

Para não ser uma total spoiler de quem não viu e possa tencionar ver o filme, vou passar em frente da narrativa dos factos. O Lauda, depois do acidente. é, na realidade, o mesmo. Gélido, profissional, de perícia invejável, talvez única no seu estilo. Pouco sociável, pouco ou nada gostável e pouco preocupado com ambas as questões anteriores. E que não o impediram de ser tricampeão em 1975, 1977 e 1984, respectivamente.

 

Mais de 30 anos depois, na era em que as os likes nas redes sociais parecem tão decisivos, sobretudo para quem nunca conheceu outra vida (não há memória de uma vida sem escrutínio social digital para quem tem menos de 18 anos), ficou-me na memória a frase de Hunt: "às vezes dá jeito que as pessoas gostem de ti". É verdade, dá jeito dentro e fora das redes sociais. Chama-se empatia, nos universos empresarias chamam-lhe soft skills.

São importantes. (não é ironia. são mesmo importantes)

 

O ponto é que não mudam o resto. Quem é melhor continuará a ser melhor, quem trabalha mais continuará ser quem trabalha mais, quem está certo continuará a estar certo. Quem faz coisas continua a ter uma vida mais interessante do que quem diz que faz coisas. Mesmo que não mova ou comova legiões de likes. Mesmo que não tenha 'soft skills', mesmo que tenha pudor de ser simplesmente tonto na exposição pública da sua vida. Há um certo conforto nessa espécie de justiça divina. Mesmo que não nos poupe, na justiça terrena, a ter de assistir a fenómenos epicêntricos alimentados a gás social. E tudo isto me passa pela cabeça na semana em que alguém que respeito e que sei ser inteiro me confessava ter prescindido de expressar publicamente a sua opinião nas redes sociais (sobre um episódio tonto do princípio ao fim e do qual felizmente só dei conta mesmo no fim) por não lhe apetecer estar na mira do bullying social. Soa a The Hunger Games, como diz o Huffington Post (The Degeneration of Facebook in 10 Statuses).

 

Vai soar infantil, eu sei, mas isto das redes é para ser trabalho ou conhaque. À vez. E é extraodinariamente útil e pode melhorar incrivelmente as nossas vidas tanto no trabalho como no conhaque. Adoro acompanhar a vida de amigos, familiares e alguns meros conhecidos que se vão tornando, por esta via, amigos através de desabafos diários, piadas oportunas, coisas que nos passam pela cabeça. É uma boa coisa.

Depois há o resto e quero acreditar que encontraremos um caminho para que não se trate de uma batalha à insanidade por quem tem mais likes, amigos, comentários.

Como diz alguém que eu conheço, temos sempre a possibilidade de não ler ou de simplesmente fazer switch of. E não é nada de pessoal contra o Facebook de onde provavelmente alguns lerão estas linhas e que uso pessoal e profissionalmente ou qualquer outra rede social. Dá jeito que gostem de nós mas ... uma coisa, é uma coisa e outra coisa, é outra coisa.

 

 

 

Até breve e Bom Ano!

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por sparks às 13:28


2 comentários

De Patrícia C. a 16.01.2014 às 15:01

Também o vi há poucos dias e Adorei :)

De Calimero a 16.01.2014 às 15:48

Gostei muito deste post..Nao so por me deixar curiosa em relaçao ao filme, mas pela mensagem que aqui passa:! ""às vezes dá jeito as pessoas gostarem de ti".

Isto vai exatamente de encontro ao que ja passei tb de certa forma ,,e quase de certeza todos nos,,!

Parabens pelo texto ,,

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