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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Sexta-feira, 30.08.13

"Parem os hambúrgueres, parem as batatas fritas, façam os salários aumentar"

 

 

"Parem os hambúrgueres, parem as batatas fritas, façam os salários aumentar" foi o mote de uma manifestação que só é original porque vivemos em tempos estranhos. Em 60 cidades, trabalhadores de cadeias de fast food pararam em protesto com os baixos salários e as condições de trabalho. Ganham em média 7,5 dólares à hora (cerca de 5,6 euros), não trabalham a tempo inteiro, estão inibidos de receber gorjetas e muitos não têm qualquer complemento, como seguro de saúde.

Num indústria que, segundo estimativas da Sageworks citada na edição online da Time, factura hoje mais 12,1% que há um ano e que baixou a percentagem da facturação usada a pagar salários de 23,5% para 22,9%. Provavelmente, alguns ciosos dos maravilhosos números que o excel nos pode devolver mediante certas fórmulas (magia, pura magia) dirão que menos 0,6% não é nada. O que é bom, porque esses não invocarão então que uma margem de lucro de 4,6% (mais do dobro de 2009, em que era de 2.15) é pouco dinheiro liberto para melhorar a vida de quem trabalha no negócio.

 

O meu ponto é apenas este: não acredito em bons negócios com pessoas a viver mal. Não significa que não existam, que não sejam em muitos mercados a norma e que neste tempo de total submissão às regras financeiras não seja tentador para alguns defenderem projectos com base na premissa dos salários baixos. Ou até do salário nulo, um conceito extravagante * mas muito em voga. Parece que algumas empresas pagam em 'visibilidade', 'oportunidade', 'experiência' as contas de casa, do colégio, do supermercado dos seus trabalhadores.

Ao dizer que não acredito neste modelo, na realidade o que estou a querer dizer é que algures, no tempo, isto vai correr multo mal para todos.

Se uma empresa não factura o suficiente para pagar salários decentes, então não tem negócio. É melhor arranjar outro. Porque um negócio para ser sustentável tem de contemplar que as pessoas que o constroem todos os dias tenham uma vida decente.

Não é nada fácil e muitos trabalhadores estão também longe de perceber o quão difícil é montar uma empresa e deitar todas as noites a cabeça na almofada a pensar como se vai vender mais, trabalhar melhor e pagar salários no fim do mês.

Mas só nas empresas em que os dois lados são na realidade um mesmo lado as coisas correm bem. Vale para as empresas, vale para os países.

Ah, 5,6 euros por mês, a uma média de 8 horas/dia, dá um salário médio por 20 dias de trabalho de 896 euros. Afinal estes americanos são pobres e mal agradecidos. Há certos e determinados países onde se trabalha por metade disso.

 

(*) Uma amiga candidatou-se recentemente a uma oferta de trabalho e recebeu de volta um telefonema para ir a uma entrevista. No telefonema, o diálogo foi este:

- Bem, antes tenho de a informar que o trabalho não é remunerado.
- Não é remunerado?
- Pois, é um problema que temos actualmente...

Extravagante. É só isso.

 

 

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por sparks às 12:54

Quarta-feira, 28.08.13

A Europa vista daqui - 1428 km para nos tornarmos profissionais disto

 

 

Então estávamos em Copenhaga, capazes de ficar por lá e a lamentar não termos antecipado gostar tanto, mas tanto, daquela cidade, quando chegou a hora do comboio que nos levaria até Estocolmo. Duas pequenas notas prévias: a estação central de Copenhaga não é a maior, não é a mais moderna, mas é de certeza a mais bonita, a mais calorosa e a mais romântica. Quase temos vontade de romper um romance ali (para voltar) ou regressar a alguém que amamos naquele ambiente agitado q.b., com o seu telhado de madeira e ferro e uma atmosfera única de que as coisas só podem correr bem.

 

A viagem para Estocolmo foi a mais agitada de todas as deslocações de comboio que fizemos nestas férias. Para dar contexto: viajar na Europa com um voucher, vulgo bilhete Eurorail, vulgo Interail, está longe de ser uma experiência própria da 'casa comum europeia'. O mesmo é dizer que cada terra sua lei fundamental no que respeita aos estrangeiros e à linha férrea.

Recapitulando: de Praga para Berlim. Fomos previdentes e dirigimo-nos de véspera à estação. Mostrámos os nossos bilhetes, a senhora num checo gestual lá acenou afirmativamente que estava tudo em ordem e perante a nossa insistência - e em conferência com um colega - diz que é melhor 'to do a reservation'. Significa que se pagam 15 euros para garantir que temos lugares marcados no comboio. Não parece disparatado, pagamos e ficamos aliviados por saber que tudo está tratado. No dia seguinte, embarcamos para Berlim. A entrada na carruagem é digna de registo. Depois de alguma discussão sobre qual a carruagem, sem nunca olhar para o bilhete, é bom notar, lá escolhemos uma por comum acordo e, sendo dos primeiros a entrar, escolhemos uns belos lugares em que estamos todos praticamente juntos num compartimentop 4-1 lugar de coxia. Já estamos todos sentados, malas empoleiradas no suporte para as ditas, livros para fora da mochila, telemóveis, garrafas de águas, etc quando nos lembramos 'ah, e tal e será que estamos no lugar certo?'. O nosso chefe de banda saca dos envelopes dos bilhetes e qual mestre de cerimónia em atribuição de óscares informa que 'somos o 34, 35, 36, 37 e 38'. Um breve suspense enquanto reviramos os olhos em busca da numeração e … não é que estamos exactamente nos lugares que era suposto estarmos? Qual a probabilidade de isto acontecer*? Curtíssima. Mas aconteceu. Estávamos felizes, bem instalados e preparados para as quase 5 horas de viagem até Berlim. O comboio avançava devagar, a República Checa vista neste compasso nada fica a dever à beleza de Praga e a menos de uma hora de viagem entra a revisora de bilhetes. A 'pica'. Completamente descontraídos e com total segurança sobre bilhetes, rotas e lugares, estendemos os comprovativos (incluindo o da reserva de 15 euros). Leitura prolongada. Silêncio. Ligeiríssima inquietação do nosso lado. E eis que a senhora aponta para as datas do passe Interail e assinala, com evidente razão, que o nosso passe só é válido a partir de dia 20 e ainda é só dia 18. Nos minutos que se seguem, o que se ouve é uma verdadeira algarviada tuga entre aqueles de nós de praguejam com quem emitiu os bilhetes e se enganou nas datas, aqueles de nós que praguejam com a nossa própria indolência ao não ter verificado a data do bilhete (assumindo que tendo sido a mesma entidade a marcar tudo sabia bem as datas de check-in e check out em cada cidade e hotel) e aqueles que praguejam com a funcionária da CP de Praga que fez uma reserva para uma data não válida. 

A piada é fácil, eu sei, mas todos praguejam. Soluções? Pagar mais 27,5 euros até à fronteira com a Alemanha e depois logo se vê. Literalmente, é isso que nos é dito. Lá, logo vêem.

Chegamos a fronteira e nada acontece.

 

Passamos mais duas estações e nada acontece. Até que, a seguir a Dresden (**), cidade a que é impossível ficar imune sabendo da sua história ao longo da 2ª Guerra Mundial, nos anos que a precederam e que lhe sucederam, entra outro revisor. Alemão. Por uns segundos voei para outra era. Aqueles segundos que mediaram entre o revisor atravessar o corredor da carruagem e chegar ao meu lugar levaram-me a outra época, a outras vidas. A minha ansiedade de trazer por casa por estar 'ilegal' em solo alemão foi exponenciada ao que terão sentido milhões - e que ainda sentem hoje, noutras geografias - quando viajavam em roteiros de fuga, sabendo-se frágeis e passíveis de serem 'apanhados'. Aquela ínfima semelhança é terrivelmente aflitiva. E, bom, claro que fomos apanhados. Por um alemão austero, de inglês germânico e vocabulário reduzido que lá nos disse o que já sabíamos: estão a viajar sem bilhete. Alguma vantagem tivemos no facto de já não ser surpresa e explicamos toda a saga, da emissão errada, o hotel marcado em Berlim, a reserva feita em Praga. Ele acena, parece-me genuinamente mais preocupado em encontrar as palavras em inglês para se expressar do que outra coisa, e responde que sim senhor, mas que precisamos de ter um bilhete válido a partir de 'Zeborder'. Faço um esforço hérculeo para me recordar de todas as localidades que fomos olhando no mapa e pergundo de novo. Onde? E ele responde de novo, tenso (uma vez mais, acho que com a forma de se expressar): From Zeborder. Okay, okay … e quanto é 'from Zeborder'? 100 euros. Ou seja, 4 vezes mais do que de Praga a Schona. Tem a certeza do local, insisto. Sim, tem, e entre uns vocábulos aqui e ali finalmente percebo. Zeborder é simplesmente 'border'. O resto é sotaque. Portanto, as duas horas desta 'zeborder' a Berlim custam quatro vezes mais que de Praga à 'zeborder'. O custo da centralidade começa a fazer-se sentir.

Fora os 127,5 euros gastos no total numa viagem que já estava paga, a viagem foi boa. Chegar a Haupt Bahnhof foi um momento único. Ainda não será hoje que escrevo aqui sobre Berlim, porque o tema são comboios, mas vou voltar exactamente aqui, gare de Haupt Bahnhof.

 

Continuando na linha férrea, a viagem de Berlim para Hamburgo e de Hamburgo para Copenhaga foi perfeita. Copenhaga deve ser uma espécie de palavra-senha para que tudo seja perfeito. Na realidade, aqui o mérito é alemão, já que é uma linha operada pela CP germânica, mas para o que importa foi uma viagem perfeita. Vejamos: depois de tudo devidamente resolvido com a entidade emissora, os nossos bilhetes estavam em ordem, não foi preciso reserva prévia porque há lugares sempre disponíveis (os não assinalados com numeração a vermelho em pequenos placares digitais por cima de cada compartimento), o comboio tem o ritmo ideal para ler, conversar, dormitar e ouvir as conversas dos outros e a viagem é linda. Inclui uma travessia de ferry onde há um verdadeiro centro comercial a bordo mas sobretudo uma paisagem e um ar fresco que valem muito a pena. Sem enjoos e com uma vénia de reverência por aquele ferry que leva um comboio enorme lá dentro.

 

Já aqui escrevi que a gare de Copenhaga é a mais bonita. Por isso, ainda custa mais ir embora, mesmo que mimados não por um, nem por dois, mas por três empregados/as da estação que nos informam sobre os horários, tempo de viagem, paragens, etc até Estocolmo. Estamos tão absolutamente rendidos a esta simpatia e calor humano que nem nos lembrámos de uma pergunta que já devia ser obrigatória: é preciso reservar lugar?

E, ao invés da viagem anterior, tudo começou mal desde o início. Entramos felizes, completamente em 'danish mode' e ainda não nos tínhamos sequer instalado em pleno e já temos duas jovens carrancudas (e feias, é terrível dizer isto, mas depois de tanta mulher bonita em Copenhaga, a fasquia vinha alta) a esbracejarem em sueco para os nossos três adolescentes que aqueles eram os seus lugares (dois deles). Levantam-se dois dos nossos, damos instruções ao terceiro que se mantenha para não perdermos totalmente a face mas algo nos diz que 'isto' é só o princípio. E é. Mais uma vez, qual a probabilidade de numa só carruagem, cada vez que entra alguém novo, um dos nossos adolescentes ser desalojado? E qual a probabilidade de os dois adultos da família nunca serem desalojados? Ambas curtas, sobretudo em simultâneo, mas aconteceu assim. A viagem, essa, foi uma desassossego constante. Um revisor sueco quis-nos cobrar 40 euros por uma reserva que devia ter sido feita, mas quando lhe perguntámos se, pagando, aqueles lugares ficavam nossos para sempre, respondeu que não. Desta vez já estamos profissionais. Quase em coro: 'não faz sentido'. E desatamos a enumerar as várias práticas que já fomos observando ao longo da linha de 1428 km que liga Praga a Estocolmo. 'Praga?', interroga-nos, franzindo o sobrolho, ?isso não sei, é lá no país deles'. Hmmm. Ok, mas 40 euros por uma reserva sem fechar o lugar não faz sentido. O sueco bloqueia, empata tempo e, de repente, sem que nada o fizesse esperar, diz que tem de sair já na próxima estação mas que passa a indicação à colega para vir falar connosco. Sai em Malmo, a colega entra em Malmo e a única pergunta que nos faz é se entrámos em Malmo. Não, vimos de Copenhaga. Tudo certo, siga a viagem.

 

(*) "Qual a probabilidade de ...?" é a frase mote do tempo em que a Kim Basinger ainda fazia filmes. Este é em parceria com o Alec Baldwin e chama-se 'Esta loura mata-me' ou The Marrying Man no original.

 

(**) Dresden é uma cidade com uma história impressionante. Poucas cidades terão adoecido e sarado como esta.

 

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por sparks às 00:53

Domingo, 25.08.13

A Europa vista daqui - Copenhaga, a feel good city. Só faz falta um pouco de imperfeição

 

É humanamente impossível não gostar de Copenhaga. Para quem conseguir imaginar uma cidade a sorrir, Copenhaga é o retrato perfeito. A cidade sorri desde que primeiro minuto. Há um ambiente de pessoas felizes com a sua vida. O senhor da estação que nos indica que autocarro apanhar está feliz na sua vida, a empregada asiática do teatro que limpa casas de banho está feliz na sua vida e canta enquanto limpa sanitas e lavatórios, na rua existem magotes de pessoas felizes no nosso caminho - estudantes em viagem de finalistas, avós atléticos, mães de família com carrinhos de gémeos a triplicar. As mulheres são muito bonitas, as mais novas e as mais velhas. Não me lembro de uma cidade com mulheres over 70 tão bonitas. Bonitas e felizes, não sei se a ordem dos factores altera ou não o resultado, ainda que suspeite que sim.

Neste ambiente, tudo convida a ser feliz e a usarmos de nós o melhor que temos para ser feliz. Ou o que nos faz mais falta para ser feliz noutros espaços. Em Copenhaga o que me fez mais feliz foi a liberdade. Foi a primeira cidade que conheci de bicicleta e foi uau. Uau mesmo. Estou longe de ser uma habilidosa em cima de duas rodas, mas o contágio aqui é inevitável. Os dinamarqueses de Copenhaga - e por inerência todos os que por cá ficam - fazem tudo em cima de uma bicicleta. Falam ao telemóvel, passeiam de mão dada, conduzem filhos (plural, não singular) em atrelados, fazem as compras do dia ou da semana, levam equipamento de golfe a caminho do green e até lêem uma página ou duas enquanto o sinal não fica verde.

Andam rápido para caramba. Novos, velhos, magros, gordos, aperaltados ou freaks. Todos conduzem a sua vida numa bicicleta.

A confiança foi tanto que conseguimos inclusive 'largar' os adolescentes pela cidade nas suas bicicletas, escolhendo o seu roteiro, usando a sua liberdade. Tudo com menos de 24 horas de conhecimento da geometria e deu espantosamente certo. Nós também pedalámos Copenhaga fora. Do bairro latino latino, ao Nyhavn, casa da ópera, conseguindo-nos perder até Christiana, o bairro de leis próprias de que tanto fala quem vem à cidade. Aqui não se tiram fotos, não se fala ao telemóvel e passeia-se calmamente a bicicleta pela mão. No ar cheira ao que esperávamos que cheirasse sabendo que se trata de uma zona de venda livre de drogas leves. Na realidade, é só um bairro hippie que fez um freeze a esse tempo no meio de uma cidade que continuou com as suas modas, umas atrás das outras. Não é um bairro mais feliz que o resto de Copenhaga, mas é sem dúvida um bairro diferente. Ainda bem que não se podem tirar fotos nem falar ao telemóvel; se assim fosse seria um bairro deprimente numa cidade feliz que ali levaria turistas a ver os 'alternativos'. Assim pelo menos conseguimos simplesmente acreditar no que faz aquelas pessoas escolherem aquele sítio e aquelas regras (também as há, são é diferentes das outras).

Copenhaga tem os Tivoli Gardens onde segundo reza a história Walt Disney se inspirou para fazer a Disneyland. Para quem nunca esteve na Disneyland, esta visita é uma viagem ao princípio da história. Da história feliz da Disney e dos contos Disney. Quem, ao invés, já visitou o sucedâneo, tem uma impressão redutora, mas não deixa de ser uma impressão feliz.

Conseguia viver aqui? Conseguia. Há um espírito aberto, menos ganância que nas grandes capitais, cosmopolitismo q.b. e essa sensação de feel-good. Apenas senti falta de alguma imperfeição, de alguma coisa a melhorar, a fazer de novo. Copenhaga é como as mulheres da cidade - tão perfeitas que, a certo momento, banalizam a perfeição. 

Mas esta seria uma uma cidade onde viveria. Bem.

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por sparks às 22:06

Sábado, 24.08.13

A Europa vista daqui - Como um sueco engata uma alemã a caminho da Dinamarca

 

A resposta é simples: não engata. O que poderia retirar todo o interesse à pergunta, mas na realidade não. Porque a parte mais interessante deste episódio reside precisamente nessa forma asséptica, educada, correcta de estabelecer contacto, vulgo meter conversa.

Então começa assim. Estamos na gare de Hamburgo a caminho de Copenhaga e as gentes atropelam-se em todas as direcções. Há famílias atrapalhando-se com bagagens, mochilas e casacos, como nós, há executivos-tipo-moderno de ipad em riste, há executivos-tipo-tradicional de pasta preta de computador pela mão, há louras, morenas e às cores em traje de Verão, há hippies, hipsters, pós-hippies, até acho que pós-hipsters, casais, gente sozinha, muitos twenty something.

E há este twenty something em concreto que esbarrou com aquela twenty something em concreto ainda antes do embarque e- voilá - estão na mesma carruagem. Que é a nossa carruagem onde estamos dispostos cada um em seu lugar porque os vouchers internacionais entram (nesta linha pelo menos) na rubrica de lugares não marcados. Uma pequena nota para dizer que tenho viajado de combóio em quatro países, esta viagem foi a que fez mais sentido no que respeita a reservas de lugares.

 

O twenty something sueco louro de barba meio rala, cabelo cuidadosamente desgrenhado e óculos próprios do look de um qualquer 'lab' é simpático, afável, sabe coisas sobre a Dinamarca - destino da alemã. E nem começa mal a conversa, fazendo uma referência suficientemente breve mas suficientemente explícita ao facto de ter namorada e já ter feito aquela viagem com a namorada. Diz quem gosta de escrever sobre 'relações' que as mulheres se interessam por homens 'ocupados' - eu cá tenho dúvidas de natureza diversa e de experiência igualmente diversa sobre estas regras universais, mas seja. E, se assim for, o nosso sueco estava a fazer o processo by the book.

Tão by the book que eu, sentada no banco atrás do deles (um compartimento de quatro lugares em que o sueco ficava de frente para a alemã, por sua vez sentada ao lado da minha filha, estando eu exactamente atrás da minha filha) me desinteressei da conversa. Depois de uns minutos do igualmente vulgar passar-pelas-brasas, acordo com vontade de regressar ao livro de férias. E seria essa a história da viagem não tivesse sido interrompida, breves minutos depois, por uma conversa em tom monocórdico mas aplicado. Levanto os olhos e é ele, o sueco que mete conversa com a alemã. Agora fala de glutén e do problema que isso trouxe à namorada do irmão. Com detalhe, note-se. Como o tema tem elastecidade q.b. distraio-me a pensar onde é que aquela conversa o vai levar. Leva-o muitos minutos à frente e aí a situação ganha outros contornos. Quem é que consegue manter mais de 30 minutos de conversa com uma desconhecida explicando detalhadamente as limitações impostas pela intolerância ao glúten - à namorada do irmão! - e, perante a sua total indiferença (hum-hum, ham-ham eram as únicas sonorizações que se ouviam na fronteira alemã) decide avançar destemidamente para a enumeração das diferenças técnicas na forma de extrair glúten na Alemanha e na Suécia???

Rapaz, não vás por aí! Há uma vontade incontrolável de ligar um semáforo vermelho ou apitar com uma buzina. E ele continua aplicado, e ela continua desinteressada, e o combóio embala-nos a todos nas imediações naquele constrangimento tornado colectivo e a coisa ganha tais proporções que até a minha filha é, ela sim, sim extraída ao seu universo 'ipod+auscultadores-romance' para se virar para trás e dizer: 'este deve ser o pior engate ever'. Tem 15 anos. Pouca experiência, mas muita intuição nestas coisas.

O que se segue são mais duas horas à Benfica 2012-2013, naqueles minutos que separavam os 90 minutos do fim do jogo. Puro desespero. Ao glúten seguiu-se … o Google. Boa! O sueco tem um projecto com o Google. Vislumbra-se algum interesse da alemã, até faz perguntas (coisa que até aí não tinha sucedido). Go boy, Google, Facebook, Youtube, mesmo uma qualquer startup sem qualquer futuro mas com lot's of style é canja! Vantagem imediata - you're on top of the world, man! O que é que o sueco faz? Começa a detalhar o projecto que tem o Google, produz divagações chatas, aborrecidas e absolutamente inconsequentes sobre o teor do que se propõe fazer e tal como um balão perde o ar, assim vai a conversa. Há um breve pique de atenção quando se refere ao colega de projecto com ar pesaroso - por momentos, chegamos todos (sim, já há várias pessoas a acompanhar o enredo por esta altura) a pensar que há uma qualquer história trágica-heróica-romântica com que vai finalmente chamar o alvo à sua beira. Mas não. O colega é só um tipo pouco interessado e isso deixa-o a ele desmotivado.

O italiano do banco ao lado volta ao jornal, o chinês volta a ressonar, a minha filha volta a colocar música nas orelhas. E eu fico a pensar nisto tudo. A alemã decide mostrar que dormita - e sim, a esta altura nada sabemos dela - e o sueco rende-se. Dormita também.

Poucos minutos antes de chegarmos a Copenhaga tem lugar a investida final. Agora ou nunca. O rapaz sueco com mestrado e a caminho do PhD aponta baterias à beleza das viagens, ao facto de ele e a namorada viajarem bastante, nem sempre juntos porque ambos concordam na importância de ter 'experiências diferentes e conhecer outras pessoas'. Ui. Até queima. Há forma mais correcta e sensaborona de dizer o que supostamente quis dizer? A alemã aí mostra de que matéria é feita. Fala dos pais, da casa de Verão da  avó que até poderia ser a sua casa permanente, mas do facto de não pretender criar raízes antes dos 30 porque 'devemos aproveitar para viajar e andar pelo mundo enquanto somos novos e ainda podemos'. Para tese sensaborona, tese sensaborona e meio. 

Há qualquer coisa no rosto do sueco que nos diz que já percebeu a derrota. Assume um ar profissional, abre o computador, pede-lhe o endereço e diz que lhe vai enviar enviar um email para ela depois poder responder. Estamos quase em Copenhaga. Com um ar nervoso, ainda titubeia que se o combóio atrasar um pouco, talvez perca a ligação a Estocolmo, seu destino final. Ela sorri plasticamente e sossega-o que não irá acontecer. Game over.

 

Quando paramos, é finalmente possível ver os dois lado a lado. Ela não é assim tão bonita, nem tão especial, mas tem ali uma qualquer força, uma qualquer certeza. Ele, se não o tivéssemos visto a despenhar-se no abismo, era até bem mais interessante. Mas depois disto já não conseguimos fazer justiça à (boa) máxima do Woody Allen de que só as pessoas muito superficiais não julgam os outros, em primeiro lugar, pelas aparências.

 

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por sparks às 21:44

Quarta-feira, 21.08.13

A Europa vista daqui - look Jorge Jesus em Praga

Fazer um programa de férias à medida de dois adultos com as respectivas idiossincrasias e de três adolescentes com as respectivas manias (a mania do desporto, a mania da música, a mania dos carros e por aí fora) implica uma boa dose de conciliação, criatividade e muita paciência. Até aqui, os resultados têm sido bons e a chamada agenda-imprevisto tem nos brindado com alguns momentos impossíveis de planear e por isso mesmo preciosos.

Um deles aconteceu em Praga depois de uma discussão acesa (e cuja frequência tem sido assinalável) subjacente ao tema: 'a pé ou de transportes?'. Neste caso concreto, invocando o meu direito à 5ª emenda, não vou adiantar detalhes sobre quem defende o quê, ganhou a ala 'transportes' e acabámos no eléctrico 91 em direcção ao Castelo de Praga. Ou ao que julgávamos ser o Castelo de Praga. Na realidade, estávamos exactamente na direcção oposta à do castelo e ouvimos o sinete de fim de percurso num descampado em frente a uma espécie de recinto de feira deserto onde se anunciava um evento sob o signo do Tutankamon. 

A coisa começou mal desde o início. Ao almoço as coroas checas tinham sido gastas, sobravam apenas trocos e o dinheiro em euros que ia nos bolsos desde Portugal. Sem problema, pensámos sem verbalizar, já que em todo o lado - mesmo todo o lado - até então tinham aceite sem pestanejar coroas e euros, euros com troco em coroas, coroas com troco em euros, numa agilidade digna de registo.

Mas não no 91.

O 'pica' do 91 era um personagem do Tintin. Tintin e o Ceptro de Otokar. Não falava uma vírgula de inglês. A forma como nos olhava oscilava entre o intimidatório suave e o gentil anfitrião em excesso. Sem meio termo. Acabámos por fazer um acerto de contas estranho - ainda agora não percebo bem se perdemos dinheiro ou não - entre as 135 coroas checas e a moeda de 1 euro. Quando tudo parecia finalmente resolvido, o eléctrico pára no descampado e ele lá vai gesticulando a indicar que devemos sair. Sair? Aqui? Não tem reprodução o diálogo português-checo-sons vários que teve lugar até percebermos que ficaríamos ali 25 minutos até que o mesmo eléctrico regressasse para nos levar ao castelo.

Assim foi.

No ermo, descortinámos uma caixa multibanco ao lado da bilheteira do Tutankamon. Uma caixa onde não é possível levantar menos de 1000 coroas (parece um exagero mas são 40 euros). Tentamos trocar a nota única na bilheteira (a pensar nas pouquíssimas coroas necessárias para o bilhete de volta no eléctrico) e a empregada não fala nem inglês, nem sequer a tão útil língua primitiva do gesto. Aconselha-se com uma colega e ficamos com a impressão que acha que a nota é falsa. Atira-nos com umas sílabas que nos parecem incentivar a ir uns metros à frente e lá encontramos um bar-casino perdido no meio de nada. São quatro da tarde, a música toca alto e há slot machines num corredor apertado do bar. Não há clientes além de nós, bebemos Coca-Cola em garrafas antigas, Ice tea turvo e uma água tónica local. A senhora que nos atende é simpática e também não fala um pingo de inglês. Tem um marido a rondar, de cerveja na mão, mas sem qualquer préstimo que não esse.

Lá acabamos sentados em bancos de balcão corrido, bebidas à frente, nota de 1000 coroas trocada e Samantha Fox vinda dos anos 80 a trautear 'touch me, i want to feel your body'. Por breves momentos estivemos de facto no intervalo de um tempo que já acabou mas que ainda tem as suas memórias vivas em certos sítios, com certas pessoas e em certas circunstâncias. 

À saída ensaiamos um dekiuii e a dona do casino devolve-nos aquele sorriso de gratidão que em Portugal conhecemos bem, o mesmo que tantas vezes ainda fazemos quando um turista nos diz 'obrigado'. O eléctrico entretanto regressou e o 'pica' da Moldávia cumprimenta-nos como velhos conhecidos. Não cobra bilhete com aquele ar que também fazemos em Portugal quando não achamos admissível que um parente pague a bica no café lá do nosso bairro.

Resta dizer que esta outra Praga, a Praga anos 80, tem o seu expoente máximo nas músicas que se ouvem nos cafés, em alguns programas de televisão e na extraordinária multiplicação do look Jorge Jesus, desde o taxista da avenida central ao apresentador do Totoloto local.

Não somos assim tão diferentes, portugueses e checos, está visto. E sobre futebol, Jorge Jesus e afins, como será compreensível, não me apraz dizer mais nada.

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por sparks às 00:21

Domingo, 18.08.13

A Europa vista daqui - Destruímos isto juntos. Construímos isto juntos.

 

(escrito a 17 de agosto e publicado a 19 de agosto)

Chegámos ontem à República Checa, um dos quatro países que vamos visitar numa espécie de mini-interrail. Na preparação da viagem, percebemos que em três dos quatro países não usaríamos o euro como moeda oficial. Algo que na Europa não tenho memória há certamente mais de 10 anos, também porque os países que mais tenho visitado - à excepção da Grã-Bretanha - são indefectíveis da zona euro. E, como dizia um amigo, isto seria uma espécie de viagem não ao passado mas ao futuro da Europa, nesse tempo que alguns adivinham pós-euro. Chegámos ontem à República Checa onde se fala uma língua que não entendo e se paga cerveja a 30 coroas e senti-me completamente em casa. Na Europa. A Europa que hoje tanto discutimos está longe de ser um produto do euro ou sequer da uniformização linguística com o inglês que se fala no mundo inteiro. Não se trata de uma moeda nem de uma língua. A Europa que faz de nós europeus vive de locais que nos são familiares, de traços arquitectónicos que reconhecemos, de histórias da grande História que sabemos ser também nossas. Destruímos isto juntos. Construímos isto juntos. As tantas vezes que sobrevivermos à destruição-construção diz mais da nossa condição de europeus que todos os tratados que reis ou burocratas possam celebrar. Há uma condição europeia que nos faz ter orgulho da Praça de Cidade Velha em Praga ou da música que se ouve na em Klementin. A música, essa música que se ouve em toda a Praga, o jazz, o neo-punk-neo-metálico-neo-gótico, a performance moderna da Gay Prague ou o belíssimo recital de Bach, a música é Europa. Reconhecemo-nos uns aos outros, mesmo sem falarmos a mesma língua, ou transaccionarmos na mesma moeda. Reconhecemo-nos uns aos outros mesmo sendo espantosamente diferentes ou, por vezes, demasiadamente iguais.

À noite, já sem sentir os pés, procurámos sem êxito a Praça Venceslau, a da Revolução de Veludo, também a de Jan Palach. Uma praça que é tão nossa como o Largo do Carmo. A caminho do hotel, fazemos uma derradeira paragem em frente a um hotel que tem na montra a loba de Roma que amamenta os seus filhos, Rómulo e Remo. E lá fomos dormir sabendo que esta terra mágica, assustadora e ainda assim cheia de promessas é a nossa terra de passado e de futuro.

 

P.S. - Este post foi escrito na manhã de sábado, dia 17, mas devido a dificuldades com as comunicações não foi possível publicar de imediato. A Praça Venceslau foi uma das paragens obrigatórias em Praga e provavelmente um dos locais onde terá sido feita uma das fotos mais espantosas da viagem (pelo meu enteado, a quem terei de tratar por outra palavra já que esta é demasiado postiça quando se refere a alguém que faz genuinamente parte de nós e da nossa vida). Postiça é, ao invés, uma palavra que me ocorre para descrever o que senti hoje ao ver um dos palcos da Primavera de Praga e da Revolução de Veludo. Sim, o tempo passa. Sim, o mundo muda. Mas aquela não devia de ser apenas mais uma avenida europeia. E hoje foi apenas isso, mais uma avenida europeia. Sermos europeus (ou globais?) também é isto, mas, contrariamente ao que muitos defendem, é e tem sido a diferença que faz da Europa uma história única.

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por sparks às 10:36

Quarta-feira, 14.08.13

Frases épicas -1

 

"Vou dar-te uma estimativa que não pode ser interpretada como um prazo"

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por sparks às 09:01

Segunda-feira, 12.08.13

Uma história exemplar ou porque as más pessoas não são bons clientes

 

 

Não é tudo sacanice e hipocrisia. Aliás, a maioria de nós não vive assim. Imergir num mundo de pessoas que confundem o lugar que ocupam, e o poder que lhes confere, com o que são e o que os outros devem ser em sua reverência é uma terrível infelicidade. Para o próprio e para aqueles que o rodeiam.

Lembro a história de um amigo com uma empresa que começa finalmente a ser bem sucedida ao fim de quase 6 anos de sangue, suor e lágrimas. Após uma reunião numa das nossas grandes empresas, o novo responsável pelo departamento com que trabalha diz-lhe que resolveram internalizar a solução que a empresa desse meu amigo desenvolveu para um problema que a "grande empresa", sua cliente, tinha. O meu amigo acha que não percebeu. "Internalizar como?". A resposta: "tem de explicar às 'minhas pessoas' como vão fazer o que a sua empresa faz". O meu amigo é um tipo bem educado. Não lhe chamou palhaço à frente da equipa toda, não lhe deu um soco e até continuou a conversar com ele. Disse-lhe que depois falariam. Como é óbvio não vai "dar" a solução que ele próprio criou à empresa porque "vão internalizar". Se vão internalizar, pagam a solução. Pagam bem, para deixar de pagar o serviço. Na vida real, esta lógica da batata não é sempre assim. Geralmente não é assim com os mesmos ou os seus delegados. Informa-se o mais pequeno-fraco-indefeso de uma decisão que simplesmente o lixa-expolia-prejudica. No fim de tudo, se alguém levantar alguma questão diz-se "não tem tema".

O meu amigo saiu da reunião a cerrar os dentes. Ou como dizia o Nicolau Santos "a sentir uma raiva a crescer nos dedos". Não vai dar a solução, mas sabe que vai ter de negociar com um tipo sem princípios, sem ética, sem vergonha. Há vários destes. Alguns são premiados, levam palmadas nas costas e são apontados como exemplo pelos respectivos chefes. Chama-se, portuguesmente, chica-espertice (ora aí está, a palavrinha mágica). E o pior é que até as vítimas dos chicos espertos, lhes reconhecem o valor da chica espertice. Se conseguiu lixar o do lado, ganhou. Se ganhou, é melhor que o tipo que se porta bem. E infelizmente habituámo-nos a pensar que este país, este mundo não é para os tipos que se portam bem.

Esta história tem uma moral com a qual me identifico a 300%. Dizia-me o meu amigo em jeito de conclusão: vou ter uma empresa realmente de sucesso quando não precisar de maus clientes, de más pessoas. Quando puder escolher os meus clientes. Acho que não há objectivo mais nobre para quem tem uma empresa do que poder escolher os seus clientes.

Vivas tu, amigo que aqui fica incógnito, e todos os que conseguirem lá chegar.

 

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por sparks às 22:49

Domingo, 11.08.13

Alegrias e tristezas do trabalho (2) - Incompetentes

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por sparks às 22:22

Domingo, 11.08.13

Livros e vaginas. Isso. Livros e vaginas.

 

Mamas, rabos e sexo em geral. São sucesso garantido 'na internet'. Quem trabalha profissionalmente nesse hemisfério - o do 'online' - sabe bem o que isso significa (por profissionalmente, quero também dizer que me refiro a pessoas que seguem regras, valores, padrões e que não estão na terra do vale tudo). Ora, na 'internet', sites, blogs, páginas de facebook, contas de flickr, instagram, tweets, you name it, todos sabem ou aprendem rápido que algumas partes das morfologia humana são particularmente eficazes na caça ao clique (1). E na tera do 'vale tudo', desesperados (por atenção) e oportunistas lá fazem este caminho.

 

E vem toda esta conversa porque hoje o melhor título para o texto que estou a escrever tem a palavra 'vagina'. Vagina é uma palavra muito curiosa, sobretudo pelo seu carácter intimidatório para homens e mulheres. Muito mais que mamas (nada intimidatório) e pénis (idem). E vem isto a propósito de duas conversas que tive esta semana com duas mulheres, cada uma extradordinária ao seu jeito, e que me levam a escrever sobre um tema tão de salão como os livros e e tão intímo como vaginas. Encontrar duas interlocutoras capazes de falar, uma delas, de um tema de salão com a intimidade de quem tem verdadeira paixão pelo que faz (livros), e outra delas, de um tema íntimo com a naturalidade e simplicidade de uma conversa de salão (as mulheres e as suas vaginas) é obra. Melhor ainda quando, sendo conversas distintas, percebo mais tarde que ao falar de livros falámos de motivos íntimos e ao falar das 'coisas 'intimas' percebemos que merecia um livro. Uma coincidência que só deu mais sal a essa tarde.

 

1ª conversa: Com uma editora que não precisa de salão para ser seguramente um dos nomes por onde vai passar o futuro da edição de livros em Portugal. Uma conversa sobre poder, influência, ética. Sobre o poder e o risco como território moderno do homem das cavernas (que sai para ir à caça e assim domina e sustenta a tribo e a família). Sobre o poder e o dinheiro, o dinheiro e o sucesso, o sucesso e a necessidade de reconhecimento. O medo, a (má) relação com a autoridade e com o sucesso dos outros. A incapacidade de distinguir entre pessoas bem sucedidas, pessoas 'bem nascidas' e pessoas simplesmente conhecidas. A vertigem dos likes, dos shares, as redes sociais como novo palco de julgamento do êxito/fracasso de uma vida, uma ideia, uma iniciativa, uma mera frase.

Os livros que foram escritos sobre tudo isto e os livros que fazem falta escrever.

'O' livro.

 

2ª conversa: Com uma fisioterapeuta, 'a fisioterapeuta' que já tomou (boa) conta de várias gerações de mães em Portugal (incluindo a minha), dotada de uma capacidade extraordinária para tornar simples o que parece difícil e falar do vulgar sem qualquer sombra de vulgaridade. Uma conversa sobre coisas de que não se fala, perguntas que não se fazem, mistérios da vida íntima. Sobre pudor, sobre vergonha e as paredes da normalidade. 'Como é que faz xixi? Como é que faz cocó? Quando tem sexo doi-lhe a vagina? Onde? Ai doutora, não pergunte essas coisas, eu sei lá'. E eu a imaginar no relato de quem me conta, a sala da Maternidade Alfredo da Costa repleta de mães, avós, grávidas de primeira viagem, mulheres de idades, estilos de vida, origens tão diferentes, todas elas ali sentadas numa sessão para que perdessem o medo de falar ... da vagina. Ou, como alguém lhe tinha chamado 'a testa da boca do mundo', uma das muitas designações que esta fisioterapeuta ouviu em quase 20 anos de trabalho diário com mulheres e para melhorar a vida das mulheres.

 

O melhor de tudo isto? Saber que vou ter o privilégio de trabalhar com estas duas mulheres. Estou feliz por isso.

 

(1) Uma boa nota é o trabalho desenvolvido diariamente por alguns jornalistas, técnicos, designers e equipas que trabalham o meio 'web'. A pressão de resultados rápidos que toda a indústria de media sente poderia fazer supor que a discussão ética, humana ou simplesmente de bom senso estaria em extinção. Não está e tenho o privilégio de trabalhar num desses sítios com algumas dessas pessoas.

 

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por sparks às 14:10


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