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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Terça-feira, 24.09.13

Vejam isto cada vez vez que vos apresentarem o próximo 'ing' da gestão

Isto é tão bom, aplica-se a tanta coisa, e eu estava na ignorância.

 

IT Crowds - The Internet

Pensem nisto cada vez vez que vos apresentarem o próximo 'ing' da gestão e verão como fica mais fácil.

 

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por sparks às 19:52

Segunda-feira, 23.09.13

80% dos problemas nas empresas não são de comunicação. São mesmo por causa de pessoas a trabalhar com pessoas

É vulgar ouvir-se que 80% dos problemas nas empresas são devido a má comunicação. Na realidade, quando se diz isso, o que se quer de facto dizer é que 80% dos problemas nas empresas devem-se às relações entre pessoas. E é por isso que gerir pessoas é, em simultâneo, das tarefas mais nobres e mais inglórias. É uma tarefa nunca acabada e por muito que se faça bem, um dia algo vai sair ao lado. E, na equação 'relações entre pessoas', quem gere é um X que com a maior das facilidades leva com o sinal negativo.

 

Por razões diversas, nos últimos dias tenho pensado neste tema quase todos os dias. Tenho perguntas dançantes a desinquietar-me. Como 'porque razão é mais fácil contagiar uma equipa pela negativa do que pela positiva'. Ou 'porque é que o tipo que procura ser parte da solução em vez do problema é facilmente apelidado de lambe-botas ou de tótó'. Ou ainda, e se calhar na génese, 'porque precisamos tanto do negativo do 'outro' - o adversário, o inimigo - para darmos sentido e coesão a um grupo'.

A antropologia e a psicologia já estudaram isto tudo, mas no nosso dia a dia de trabalho, seja numa empresa, numa escola ou num hospital, o ciclo repete-se e repete-se. Nomes míticos como Ford ou Jobs têm tiradas igualmente míticas sobre esta coisa difícil que é termos de trabalhar com outros seres humanos (... que viver com outros seres humanos). Ford, dizia por exemplo, que lhe parecia incompreensível porque razão tinha de aturar uma pessoa inteira quando só precisava das suas mãos.

 

Das várias questões e já com alguns anos de observação de campo, há três ou quatro coisas particularmente perturbadoras:

1 - Portugal oscila de forma doentia entre ' o respeitinho é muito bonito' e o 'não mandas em mim'; ambos traumas profundos e a exigir tratamento urgente

2 - É mais fácil um mau carácter impor-se numa equipa do que um bom tipo; dizer mal do que se faz, como se faz, porque se faz e para quem se faz é tido como sinónimo de 'atitude'

3 - As mesmas pessoas que não se conseguem mobilizar para mostrar que uma coisa funciona podem mobilizar-se incansavelmente para mostrar que outra coisa não funciona

4 - (esta com imensa pena) A inveja, infelizmente, continua ser ser um traço de personalidade muito português. Vem dos mesmos que não querem ter de fazer mais, responsabilizar-se por mais, sofrer por mais. (e é mesmo pena. como se resolve?????)

 

Casos práticos à laia de recortes da vida real:

 

No meu bairro tenho o talhante mais talentoso de Lisboa - Talho do Alcides. O Sr. Alcides há mais de 30 anos que se levanta todos os dias às quatro da manhã e lá vai garantir que tem a melhor carne, preparada da forma mais saborosa e surpreendente, e com um serviço a todos os títulos notável. O que vende é bom e era razão mais do que suficiente para ter a numerosa clientela que tem. Mas a verdade é que todos os que lá vão são tratados pelo nome, reconhecidas as preferências, anotadas as excentricidades. Filhas e genros compõem o resto da equipa (2ª geração que já passou pelos bancos das faculdades) e a atitude é a mesma, profisssional e pessoalmente. 

O Sr. Alcides tem um vizinho que, de 5 em 5 anos, quando ele troca de carro, lhe esboça um esgar e diz: com que então carro novo, rica vida! Quando recebe na volta um 'quer trocar?', o dito vizinho apressa-se a responder 'Deus me livre, queria lá essa vida'. Essa rica vida que se apressa a comentar.

 

Há cerca de duas semanas fiquei sem empregada doméstica depois de várias conversas de surdos. Custou-me muito prescindir da pessoa em causa, porque estas coisas custam. Mas chegámos àquele patamar em que a minha preocupação era ajustar-me à agenda dela e já não fazia qualquer sentido. Neste fim de semana contratei os serviços de uma engomadoria. Tratei de tudo pelo telefone e ficou combinado que no mesmo dia me telefonariam para vir buscar a roupa. Quando me ligaram estava nas compras de supermercado e disponibilizei-me a ajustar-me à hora a que pudessem passar. Do outro lado ouvi: nem pensar, nós é que nos ajustamos à hora que puder. Belisquei-me e percebi que o síndrome de Estocolmo tem variadíssimas aplicações.

 

Tenho vários amigos que fazem parte de um grupo em que também me incluo: profissionais de diferentes áreas que trabalham para uma instituição com alguma dimensão  (como uma universidade ou grande empresa) ao mesmo tempo que são sócios de uma empresa ou de um projecto. Uma dia escreverei em detalhe sobre esta geração de fazedores de coisas, mas hoje o ponto tem a ver com gestão das pessoas. Nas grandes empresas, e em lugar de chefia, muitas coisas acontecem apenas porque o chefe disse (o inverso também é válido). Não é a melhor razão para acontecer e, para quem gosta de trabalho criativo, é estimulante incentivar os outros a questionar, ter dúvidas, propor alternativas. Nas novas pequenas empresas (as sexy startups), o chefe é muitas vezes o dono ou um dos donos. Sofre para pagar os ordenados, os impostos e garantir trabalho. Ainda assim gasta uma parte significativa do tempo a negociar com a sua própria equipa. Que questiona, tem dúvidas e bate-se pela alternativa. A medição de forças é da natureza humana mas o ponto de equilibrio está longe de ser alcançado. Portugal forte com os fracos e fraco com os fortes. Não é um problema das élites - é de todos.

 

Sei que há muita gente maltratada por chefes e patrões. Há chefes incompetentes e patrões sem carácter. Mas enquanto acharmos que o nosso problema, enquanto país, é só deles, isto não vai correr bem. A ideologia do chefe/patrão mau, empregado bom é um porto seguro que ainda acalma - e manipula - muitas consciências. Mas como qualquer um de nós percebe a partir de tenra idade o Pai Natal não existe, o coelho da Páscoa não põe ovos e não, não é o rótulo com a nossa função que nos define. Trata-se de quem somos, como nos portamos, o que fazemos. Sorry, folks!

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por sparks às 23:51

Quarta-feira, 18.09.13

Nada ou afoga-te. Tão simples quanto isso

Há cerca de 12 anos fiz a minha primeira empresa numa época em que ser empregado por conta de outrem, sobretudo ser bem empregado por conta de outrem, ainda era o melhor que se podia desejar. Viviam-se os primeiros anos do século XXI e, antes disso, os anos 90 tinham sido inebriantes de crédito, casa própria, carro próprio, quase pleno emprego, multinacionais que investiam, marketing em explosão. Eu fiz parte da geração que entrou no mercado de trabalho nessa euforia. As coisas corriam bem, a mim e à maior parte dos que me rodeavam.

A crise das dotcom não trouxe, ao invés do que aconteceu nos Estados Unidos, uma efectiva mudança de paradigma para quem tinha empresas em Portugal. Por ‘quem tinha empresas’, entenda-se, falo de novos empresários (hoje empreendedores), novas PME (hoje startups), já que à excepção das heranças ou de negócios de Estado, nenhuma empresa nasce grande. E a mudança não foi grande, porque, apesar de uma primaveril excitação com a internet, a tecnologia e as novas possibilidades que traziam, a verdade é que em Portugal só meia dúzia de ‘piratas’ tinha, realmente, ideias e capacidade para surfar nessa onda. Os restantes eram figurantes, muitos apenas entusiasmados com o que parecia ser uma ‘onda’ cool da economia.

Assim, a nova economia começou e acabou num piscar de olhos, as empresas portuguesas voltaram a preocupar-se com a crise habitual da economia portuguesa, os discursos alinharam-se de novo pelo diapasão de sempre (não há orçamento, estamos em contenção de custos, este ano temos de controlar os investimentos) e os mesmos de sempre continuaram nos seus negócios das grandes obras, das grandes infra-estruturas, dos negócios em que o Estado é padrinho e às vezes padrasto.

O que ficou para alguns de nós, desses curtos anos entre finais de década de 90 e arranque de século XXI, foi a possibilidade. E a possibilidade é uma faísca poderosa, capaz de atear um fogo maior. As histórias que nos chegavam ‘lá de fora’, os choques eléctricos das capas da Wired, nomes novos – sim, eram novos – como Bezzos, Jobs, Branson, nomes ainda mais novos, alguns extemporâneos, chicoteavam-nos para que não nos esquecêssemos que havia a possibilidade.

Entre 2002 e 2008, muitas PMEs portuguesas, em áreas como media digital, biomedicina, ambiente, tecnologia aeroespacial, apenas para citar algumas, cresceram a pulso com os olhos postos na possibilidade. Que possibilidade? Aquela que move quem verdadeiramente é empreendedor. A de criar algo novo, de encontrar uma nova solução, de traçar um caminho próprio. E, milagrosamente, com muito trabalho, muita persistência e muita competência, algumas destas PMEs tornaram-se elas próprias a possibilidade. Ganharam o seu espaço, conquistaram direito a existir e a ser donas do seu futuro. Nada mais inusual ao Portugal monolítico, dos grandes e dos pequenos, pouco ou mesmo nada habituado a ceder espaço a esse meio que é por onde se passa obrigatoriamente no caminho de pequeno a maior.

Nestes anos, recordo, eu fui sócia da minha primeira empresa. Um tempo de aprendizagem, daquela que não se esquece, talvez idêntica à que pais e avós contavam ter feito entre reguadas para aprender a tabuada. Não sabes gerir IVA? Reguada. Estás a contar com pagamentos a horas? Reguada. Dedicas horas a fim a produzir propostas que já são verdadeiros projectos chave-na-mão (não pagos)? Reguada.

Nesse tempo, os ditos grandes clientes tinham entre as suas principais preocupações duas perguntas: onde era a sede da empresa e quantas pessoas empregávamos. Uma empresa de garagem não era ‘giro’ nem sinónimo de ‘espírito empreendedor’. Era simplesmente uma empresa pouco sexy ou que ao assumir-se assim falhava o ‘círculo da confiança’.  Um amigo e companheiro destas cruzadas contava que nas reuniões de apresentação multiplicava-se sempre (a ele e aos dois sócios) por três. Valemos por três, garantia. (e valiam mesmo, hoje é uma das empresas tecnológicas mais interessantes em Portugal).

Até que chegou 2008. Faliram bancos na América. O Portugal forte com os fracos e fraco com os fortes protegeu os seus bancos. Mas, ao lado, uma economia de PMEs dominada por empresas que nunca conseguiram fazer a travessia da ponte que liga o infinitamente pequeno ao consideravelmente maior, soçobrou. O diapasão de 2001 - (não há orçamento, estamos em contenção de custos, este ano temos de controlar os investimentos) - tornou-se substancialmente mais simples. Nada ou afoga-te. Tão simples quanto isso.

Os heróis da ‘possibilidade’, os que resistiram e alguns acabados de chegar, perceberam a mensagem. Os monopólios não te vão defender, o Estado não te vai subsidiar, a Europa não te vai salvar.

E foi neste clima agreste que empreendedores realmente empreendedores, viram a sua possibilidade. Quem tem de nascer, prepare-se para esbracejar, li há pouco tempo na escrita do padre José Tolentino Mendonça. “Enquanto se esbraceja, a vida vem em nosso socorro, a vida torna-se cúmplice, e não pára de nos surpreender”. Um ano, dois anos, três anos. O Portugal monolítico não se rendeu fácil a esta gente que resiste e que persiste. Gente que vem de origens tão diferentes quanto as universidades, os negócios tradicionais, os empregos monótonos e sem qualquer chama de desafio e, em tantos casos, o desemprego ingrato e inglório. Quando Portugal bateu no fundo, algures entre o fim de 2010 e meados de 2011, o país descobriu estes novos heróis.

De então para cá, o empreendedorismo é como o sol. Nasce todos os dias. O empresário que fez fortuna no estrangeiro e regressou milionário é empreendedor e o jovem que tirou um curso profissional e foi trabalhar como barbeiro também.

Em Portugal, os novos negócios envolvem uma média de 46 mil pessoas e 2.600 novas empresas por ano. Entre 2006 e 2011, nasceram, em Portugal, cerca de 22 mil startups e estrearam-se cerca de 27 mil novos empreendedores

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Há aceleradores de negócio, incubadoras e cursos de empreendedorismo em qualquer esquina do país. Cinismo? Pelo contrário. O que assistimos hoje em Portugal tem os ingredientes certos para se poder tornar numa verdadeira revolução cultural na economia e na sociedade portuguesa. A combinação de factores como o número de licenciados, mestrandos e doutorados, a diluição de fronteiras próximas e longínquas, a intensificação do uso das tecnologias de comunicação e a proverbial natureza dos portuguesas para mostrar o que são capazes quando têm a corda na garganta pode ser a nossa tempestade perfeita.

Desde que não nos tire o discernimento e desde que o movimento sincero de pessoas e empresas à procura de novas soluções não seja apropriado pelo ‘establishment’ apenas e tão somente como bandeira.

 “Tendemos a olhar para os empreendedores como se fossem super-heróis, vestissem fato e gravata e fossem hiper-ricos. O empreendedorismo tem além da evidente função económica, um objectivo social: resolver problemas quotidianos, dar resposta a necessidades. Qualquer pessoa pode faze-lo desde que detecte uma oportunidade e detenha competências básicas: pensamento crítico e criatividade”.

A afirmação é de Dana Stangler, da Kauffman Foundation, numa entrevista recente ao Expresso. E o que diz tem tudo a ver com não irmos em modas, não nos atermos à forma, mas sim ao conteúdo.

O conteúdo que interessa, neste momento, é criar condições para que as novas empresas, os novos projectos, cresçam. Crescer significa vender mais, fazer boas parcerias, ter boleia para internacionalização, ter reconhecimento de marca. O financiamento é, naturalmente, um tema crítico – há que levar à letra a máxima ‘put your money where you put your mouth’ – mas tudo o resto é tão ou mais importante e não custa dinheiro. Custa compromisso, custa empenho e custa visão de médio e longo prazo. No passado, a ausência destes valores custou-nos caro, como nos custa caro a ausência de uma sociedade civil e de uma comunidade empresarial forte e autónoma do Estado. É a nossa oportunidade de corrigir o rumo. O ambiente que tenho presenciado em várias incubadoras e em vários projectos de parceria faz-me acreditar que o podemos mesmo fazer. Há um país anestesiado e que século após século enraizou fundo a convicção que nada vale a pena no binómio 'nós' versus ' eles', mas há outro país decidido a não se deixar abandonar a essa sorte.

A expressão ‘companhia’ enquanto designação de empresa surgiu no século XII, em Florença: la compagnia. Do latim cum + panis que significa partir o pão em conjunto. Precisamos deste sentimento de colectivo. Ou nadamos juntos ou o mais provável é que nos afoguemos juntos.

Fazer uma empresa é arriscar. Arriscar sabendo que 70% das empresas falham. 
Fazer uma empresa é uma coisa difícil: o produto certo, o mercado certo e, sobretudo, as pessoas certas. Na realidade, é semelhante a todas as coisas importantes na vida. Encontrar a pessoa certa para nós é difícil. Criar um filho, provavelmente o acto de maior posterioridade e mais criador das nossas vidas, é difícil. Mas como todas as coisas mais importantes nas nossas vidas, a nossa melhor probabilidade é tentar, fazer bem, não desistir, e resistir até à vitória final que é sempre a próxima. E, como diz a canção, não perder a fé no bem e no certo.



Sobre as ideias

The Next Big Idea foi apresentado à SIC, ainda em 2010, como um programa de televisão para dar palco às novas ideias e aos novos projectos. Empreendedorismo ainda não era, nessa altura, uma palavra tão mágica quanto se tornou, mas na SIC houve vontade e visão para se apostar num formato inovador em que os protagonistas eram todos eles ilustres desconhecidos. Em comum, tinham o facto de terem uma ideia original e de estarem a construir um projecto com esse ponto de partida. Hoje, o The Next Big Idea já levou ao ecrã da SIC Notícias mais de 150 novas ideias. Nas universidades, já foram realizados mais de 30 eventos, com mais de 500 ideias apresentadas. O programa é parceiro de entidades como o Greenfest, ANJE, Museu Nacional de Arte Antiga, Audax e em breve de duas universidades europeias. A próxima etapa passa por dinamizar uma rede de parcerias que potencie vendas, comunicação de marca e internacionalização. E, claro, todos os dias continua a procurar e a exibir uma boa ideia.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Portal VER

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por sparks às 20:40

Sábado, 14.09.13

A televisao num pais que aprendeu a nao se impressionar demasiado consigo proprio

Update: Texto já corrigido com teclado a ' falar' português (17/09/2013)

 

Nota prévia: este texto está escrito sem acentos, porque o teclado onde estou não fala português. Logo que regresse à pátria, trato de corrigir. (14/09/2013)

 

Morten Hesseldahl tem o melhor título profissional de que tenho memória (no universo da gestão, mesmo que seja gestão de media). É 'executive director for cultural affairs'. Mas, na realidade, isto é só um apontamento engraçado. Porque o que importa mesmo é que Morten Hesseldahl , dinamarquês, escritor, ex-director de um grupo de imprensa e ex-presidente do instituto de cinema da Dinamarca, e o homem que esta a frente dos destinos da DR, um canal publico responsável por séries como The Killing, The Bridge (em co-produção com a Suécia) e, aquele que me impaciento por ver, Borgen. A DR conseguiu colocar 2 milhões de dinamarqueses (num país de 5,5 milhões de habitantes) colados ao ecrã a seguir histórias originais, faladas em dinamarquês, filmadas na Escandinávia. E o seu director de 'cultural affairs' foi assim justamente o convidado da sessão que encerrou, por hoje, as conferências no IBC.

Morten fala um inglês arranhado, parece um tipo tímido e dirigiu-se ao púlpito - depois de uma aparatosa apresentação a cargo de Raymond Snoddy, o host da sessão - com umas folhas na mão. Começou por fazer um alerta - podia parecer que se estava a desviar do mote da sessão "Making a Killing", mas não estava, assegurou. E falou de guerras travadas no século XIX que opuseram dinamarqueses e alemães e como na última dessas guerras, em 1864, a Dinamarca perdeu não só a guerra, mas a confiança em si própria como nação. Ou, segundo ele, como aprendeu " a não se impressionar demasiado consigo própria".  Não tem mesmo nada a ver com The Killing, série mote da sessão. A seguir, pediu a nossa atenção por 5 minutos, e saltou directo para um excerto de Borgen. O excerto em que a líder do Partido dos Moderados, Nyborg, e futura 1ª ministra, descarta o discurso do seu spin doctor, vulgo assessor de imprensa, e faz uma intervencao genuína e inspirada à nação.

É aqui que Morten retoma o contacto connosco, já nos tem totalmente na palma da mão, e diz na sua voz tímida que aquele excerto foi também escolhido para mostrar como se 'recupera a confiança de uma nação'.

Nos minutos seguintes, Morten falou daquilo que a DR faz com 1/8 do orçamento da BBC e infinitamente menos que qualquer produtora de Hollywood. Produzem séries que conquistam audiências, não apenas dinamarquesas, mas começando pelos dinamarqueses. Disse, no tal timbre arranhado, coisas como 'nao deixem que seja o departamento de pesquisa a desenhar programas, nunca sairá uma ideia original, apenas reprodução do que já se faz'. Disse que, para ele, o autor é o epicentro em torno do qual tudo o resto acontece - não é o produtor, nao é o realizador e muito menos o gestor: "keep the executive out the creative room". Disse - e em Portugal bem que o podíamos ouvir - que não devemos ter medo de ser locais. Antes locais do que pindéricos armados aos cucos em cenários de Manhattan (em tradução livre, foi isto). E falou sobretudo do que é a missão de um canal público de televisão, que deve abordar temas que envolvem a vida das pessoas e que as obrigue a pensar e a debater. Quoting: "we insist to deal with certain issues".

Infelizmente, é também por causa de se manter fiel aos valores de um serviço público, na sua própria justificação, que a série Borgen, essa que desespero por ver, vai terminar no fim da 3ª temporada. "Ja inspirámos a população, o nosso papel está cumprido", porque "se não conseguimos impactar as pessoas, perdemos a legitimidade como serviço público". Tão naíve que se não estivesse com aquele homem franzino bem na minha frente podia parecer cinismo encapotado ou daquela turma que faz render o papel de 'somos tão bonzinhos'. Não é o caso. Até porque Morten Hessedahl e a sua equipa têm já nos seus planos duas novas séries que continuarão a trazer matéria-prima de discussão a população que é também a audiência. Uma é sobre os criminosos da alta finança. Outra chama-se 1864, o tal ano em que a Dinamarca perdeu a guerra e a confiança.

Ouvimos este senhor durante 45 minutos e sentimo-nos pequeninos. Ou inspirados. Pequeninos e inspirados.

 

P.S. - Depois de Borgen, a Dinamarca elegeu, pela primeira vez, uma mulher para o cargo de 1º ministro.

 

 

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por sparks às 18:05

Domingo, 08.09.13

"If you think you are too small to make a difference you have never spent the night with a mosquito."

Há quem atribua ao Dalai Lama, há quem diga que é um provérbio africano, mas o que importa mesmo é que é uma frase cheia de prosaica sabedoria. Ainda a pensar no que escrevi ontem sobre O Clube dos Poetas Mortos:


"If you think you are too small to make a difference you have never spent the night with a mosquito."

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por sparks às 20:24

Sábado, 07.09.13

Oh Captain, my Captain, e os espertos?

Hoje revi O Clube dos Poetas Mortos, um filme que me marcou na idade própria para ser marcada por um filme como este. Aquela idade, algures entre o fim do liceu e os primeiros anos da dita maioridade. Vi-o de novo, há poucos anos, com o meu filho. E hoje. Os filmes, como os livros, a música, a pintura ou outra forma de arte 'falam' connosco. E falam de forma diferente, consoante a nossa vida, o nosso estado de espírito, a nossa generosidade. Hoje vi um Clube dos Poetas Mortos diferente dos outros. Hoje em vez de me emocionar com o Nuwanda, com o Neil e com o Todd, fixei-me numa personagem que sempre foi secundária, o Cameron, o puto ruivo de poupa que é o delator da cumplicidade estabelecidade entre o professor John Keating e a sua turma. Num grupo em estado de choque com a morte de um amigo - o personagem interpretado por Robert Sean Leonard, que muitos conhecem como o Wilson de Dr. House - há uma direcção de um colégio apostada em encontrar culpados. Não pode ser uma turma inteira (onde iriam buscar os rendimentos se expulsassem todos?). Tem de ser o professor. A má influência. A maçã podre.

Cameron é o gajo pragmático. O tipo que percebe logo o que está em causa. O que sabe bem o que tem de fazer para salvar a pele. Cameron é o miúdo, ainda é um míúdo, que interpela  Nuwanda, o bom rebelde (por cá seria mais esquerda caviar), e que diz a todos: 'se forem espertos, fazem como eu e salvam-se'. Se forem espertos. Há 20 anos, a mensagem deste filme era clara como água. Não queremos ser espertos. Queremos ser bons. Queremos ser autênticos. Queremos a nossa dignidade intacta. Hoje. Hoje não sei. Cameron será provavelmente alguém bem sucedido. Numa escala de sucesso estabelecida com base em evidências pragmáticas como dinheiro, status, poder. Cameron será provavelmente alguém que outros, melhores que ele, mais autênticos, mais dignos, não questionam. Alguém que outros, piores que ele, menos capazes que ele, ainda menos dignos veneram à espera da recompensa. À espera da sua vez.

E isto não nos incomoda. A nós, a geração que viu o Clube dos Poetas Mortos e que se reviu em valores que um dia nos pareceram universais. Como aquele ancestral, que dá sentido à vida dos homens e que simplesmente nos diz que o bem prevalecerá.

O que é o bem, como se faz o bem, o bem tem ou não um sentido universal, a discussão é imensa. Os melhores pensadores pensam nisso há milhares de anos. Nós vulgares homens (e mulheres) discutimos isto mesmo à mesa do café ou outra qualquer há milhares de anos.

Hoje parece-me urgente que esta discussão seja feita nas empresas, na praça pública, na nossa vida em conjunto. Que em nome do cinismo institucional do 'é assim que as coisas são' não nos esqueçamos que já tivemos 18 ou 20 anos e que quisemos bater-nos do lado dos bons. Que quem tem hoje 18 ou 20 anos não se afunde nem anestesie com ' não vale a pena'.

Um personagem secundário é sempre um personagem secundário, mesmo que lhe batam palmas. Vale nos filmes e na vida. 

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por sparks às 23:44

Segunda-feira, 02.09.13

A Europa vista daqui - Há Estocolmo e há Gamla Stan

Uma nota prévia apenas para dar conta do estranho que é escrever sobre Estocolmo quando já me encontro em pleno areal do sotavento algarvio. Fica mais difícil regressar ao ambiente em que estava há uma semana, mas conto com a ajuda do carderno de notas para que seja o mais verosímil possível.

Estocolmo foi a última paragem de uma viagem que nos levou a quatro cidades: Praga, Berlim, Copenhaga e Estocolmo. A parte boa de preparar viagens é antecipar o prazer da descoberta, a parte menos boa é que esse exercício por vezes suga-nos a surpresa. Copenhaga foi a cidade menos planeada de todas as visitadas. Não estranhamente foi a que mais supreendeu. Berlim é, para mim, um caso à parte ( e sim, será a última cidade sobre a qual escreverei). Sobre Estocolmo sabíamos algumas coisas e uma das coisas que sabíamos chamava-se Gamla Stan. Gamla Stan era o nosso 'must go' na capital sueca, por recomendação entusiástica de amigos e porque o que fomos lendo nos dizia que sim, que tinha de ser. O que não podia contar é que fosse sentir uma diferença tão grande entre esta 'Cidade Velha' de Estocolmo e o resto da cidade. 

Vamos por partes.

Chegámos a Estocolmo depois de uma viagem atribulada de comboio com paragens em várias estações e apeadeiros. Recebeu-nos uma estação central semi-deserta às 8 da noite, com quase todas as lojas fechadas (incluindo restaurantes) e com todos os postos de informação encerrados. Em teoria, tudo contrariava o proverbial serviço público irrepreensível dos nórdicos. A primeira refeição foi fast food. Uma fast food cara e de qualidade inferior às que até aí tínhamos experimentado (em cadeias globais como Burguer King e Pizza Hut). O mesmo Whooper que em Praga tinha custado menos 5 euros aqui custou quase 8 e sabia bem pior. Em contrapartida não há qualquer momento 'lost in translation'. Todos falam inglês fluente, com a naturalidade da língua materna. Não há postos de informação e percorremos a mesma gare duas vezes até entrarmos por mero acaso numa loja Seven Eleven para pedir ajuda. Na loja não só obtemos ajuda como ficamos a saber que ali se vendem os bilhetes de metro que precisamos para chegar ao nosso hotel. O metro de Estocolmo é uma obra de arte da engenharia. Estamos na plataforma 4 que é mesmo no fundo do fundinho. Descemos escadas a pique. Há lances de escadas rolantes parados. Na Suécia, os sistemas também falham e quando mais se precisa que funcionem, nomeadamente quando se carregam malas de viagem. Chega o nosso metro e vai cheio. Um grupo de vozes destaca-se pelos decíbeis primeiro (mesmo) e pela língua em que se expressam depois. Falam português, são de algum país africano, não conseguimos apurar qual e vêm ou vão para uma festa. Falam muito, riem muito, cantarolam, ocupam espaço.

Chegamo a Solna e estamos nuns arredores da capital simpáticos com um belo parque verde a emoldurar o bairro. Não encontramos o hotel, fiamo-nos no Google Maps, enganamo-nos com o Google Maps e num cruzamento fazemos sinal a um carro de polícia. Que pára prontamente, ouve-nos com atenção e a polícia (a senhora polícia, por sinal bem gira), que não sabe onde é o hotel, pergunta-nos se temos iphone. Iphone, isso. Temos e ela pesquisa no nosso mapa no iphone e indica-nos que temos de seguir o caminho inverso. Pede desculpa por ser só essa a ajuda que dá mas 'estão a entrar ao serviço'. Vislumbramos aqui, pela primeira vez, o tal serviço público sueco. Mais 500 metros de caminhada e não vislumbramos hotel. Taxis! Dirigimo-nos ao primeiro taxista e - há valores universais - não só sabe, como sai do carro para andar escassos 30 m e nos mostrar a entrada do hotel que é a mesma de um centro comercial, logo nunca daríamos por ela (e o Google mandava-nos dar uma volta a um quarteirão aparentemente inexistente).

O pequeno-almoço é servido a partir das 6 - começa-se cedo aqui. Nós descemos pelas 8 e meia, não sem antes ter adormecido e acordado com os céus de Estocolmo como tecto. Estamos no 10º piso do hotel, temos uma vista panorâmica extraordinária e nessa manhã o céu está azul como nos livros infantis. No elevador temos por companhia uma sueca de 50 e muitos anos que desce connosco ... descalça. Tudo normal. O pequeno almoço é como se quer. Uma verdadeira 'primeira' refeição no sentido mais puro de 'primeiro'. Aqui não há Nutella, um verdadeiro manjar matinal para os nossos adolescentes, que irão reclamar do facto. Mas o pão é o melhor de todas as cidades visitadas, os ovos mexidos são saborosos, há fruta variada e ... queijo! Muito queijo, bom queijo, o melhor dos queijos. Há também jantares completos como almondegas com batatas e legumes e há quem os coma.

 

Vamos para o centro, rumo a Gamla Stan, o tal bairro que não podemos perder. No metro temos mais um desafio: perceber qual o bilhete que melhor nos convém. Em Praga só andámos de eléctrico, em Berlim as opções eram 5 ou 6 e facilmente se descortinava a nossa (bilhete small group até 5 pessoas, dia inteiro), em Copenhaga a bicicleta e o autocarro 30 resolveram tudo e aqui ... bom aqui as opções não acabavam. Contei pelo menos 30 (há bilhetes por semestre escolar, por férias de semestre escolar, entre determinados horários e por aí fora) e acabou por ser melhor o velho método de perguntar ao senhor da bilheteira. Este senhor da bilheteira tem mais de 50 anos, fala um inglês correcto e investe todo o seu tempo e atenção em encontrar-nos a melhor solução. O mesmo acontecerá no dia em que vamos para o aeroporto. Consulta tabelas, faz contas, revê percursos, até nos dar a 'best offer'. Serviço público, está aqui.

 

O centro de Estocolmo naquele domingo estava particularmente animado. Há uma prova internacional de triatlo e as ruas estão devidamente sinalizadas, há voluntários em cada quarteirão e muita gente na rua para assistir, além de turistas. Gamla Stan é um piscar de olhos bem sucedido à primeira. O bairro parece saído de uma qualquer história clássica, nas paredes, no movimento, no retrato há um  amarelo das estórias antigas que pinta tudo. A única loja não sueca que encontramos é precisamente a primeira onde paramos: The English Bookshop. E é exactamente como imaginamos uma english bookshop em jeito Notting Hill mas com uma rapariga loura e simpática em vez do Hugh Grant a atender. A rua principal - Västerlånggatan - corre sinuosa pelo bairro e cumpre-se com lojas de chocolate, casas vikings, lojas de adereços para a casa, lojas de objectos temáticos sobre animais, roupa, mas são todas - todas mesmo - suecas. Não há H&M, Zara, McDonalds.  Nem Prada, Gucci ou Vuitton. Ah, e neste bairro, sobem-se ruas. Talvez o único espaço - à excepção do Castelo de Praga - onde o piso não é plano neste tour europeu. Numa das ruas de cima, fica a Catedral de Estocolmo onde assistimos durante a visita a um baptizado conduzido por uma mulher a quem as vestes clericais assentavam com elegância. Ao centro, Stortorget, a praça do Museu Nobel e também a praça do Banho de Sangue de Estocolmo, em 1520. Um ajuste de contas, uma traição, um dos muitos episódios de guerra entre suecos e dinamarqueses. Neste caso, os dinamarqueses liderados por Cristiano II cercaram a Gamla Stan, a cidade rendeu-se, o rei invasor mandou fazer um festim de dois dias e depois das pazes e da aministia aos vencidos levou à praça mais de cem apoiantes do rei da Suécia e executou-os. Em Stortorget.

Hoje é uma praça tranquila, naquele domingo apenas banhada por um sol intenso e duradouro. 

Gamla Stan é também a sede do Palácio Real, coisa pequena para 600 quartos, onde todos os dias se assiste ao render da guarda. Eu não vi, mas os nossos adolescentes garantem que os guardas tocam uns acordes de Dancing Queen dos Abba algures durante a cerimónia. Eu não vi e fiquei verdadeiramente triste por não ter assistido. Imaginar os nossos guardas de Belém a tocar o Homem do Leme dos Xutos e Pontapés à porta de Cavaco Silva é qualquer coisa. 

 

Quando saímos de Gamla Stan entramos em Estocolmo. Ou então ao contrário. Gamla Stan é Estocolmo e o resto é outra coisa. Outra coisa bonita, monumental, muito momumental, sóbria, imperial até. Esta cidade é um arquipélago, onde barcos levam turistas de canal em canal, onde aqui e ali há palácios imponentes que se erguem isolados num bocado de terra. Decerto há filmes do 007 gravados aqui. É uma paisagem de riqueza e de força sem nunca ser exibicionista. É só forte, muitas vezes impenetrável e essa percepção, de alguma forma, intimida e impede uma maior proximidade. Estocolmo não dá confiança a estranhos, não é Lisboa menina e moça, nem a Copenhaga que sorri. Nós estamos ali, naquele cenário, naquela ponte, naquele relvado, naquela fachada triunfal do Nordiska Museet, mas podíamos estar a vê-los num livro, num postal ou num filme porque não conseguimos ficar mais próximos por ali estar. E isto depois de termos sido absorvidos por Gamla Stan, tornados personagens daquela história. Ainda assim, foi num banco de jardim em Djurgårdsvägen que vimos o mais bonito por-de-sol das férias. Um por-de-sol perfeito sobre o canal com patos em fila a mudar de margem e barcos que se atravessam no horizonte. Como nos filmes.


 


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por sparks às 10:53


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