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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
É voz comum dizer-se que é tudo uma questão de atitude.
Não sei se será verdade com tudo, tudo. Mas, em algumas situações, é de certeza.
Por exemplo, face ao dinheiro ou à falta dele. Podemos pensar em tudo o que vamos deixar de fazer porque não temos dinheiro. Ou então pensamos em tudo o que temos de fazer para não deixar de fazer as coisas que gostamos ou precisamos. Ou ambos, devidamente compensados.
Vem isto a propósito da ignomínia que reina quando o tema é a dívida, as dívidas, a falta de dinheiro, a falta de emprego, a falta de investimento em Portugal.
Não ouvimos mais nada há três anos que não a palavra corte. Nunca ouvimos nada sobre como vamos ganhar mais dinheiro (a sério). Ou como vamos criar mais emprego (a sério). Ou como vamos bater-nos por uma política diferente e não apenas seguidista (a sério). Ouvimos sempre 'menos' e nunca 'mais'. E não tenho qualquer dúvida que há muitas contas de menos essenciais, as crises mostram sempre a ineficiência e o desperdício. Mas não há memória de nenhum país que tenha vencido uma crise sem olhar para o 'mais', sem perceber que a esperança é tão essencial como a moeda.
No início eram os cortes da magnífica austeridade, o extraordinário plano da troika que nos iria purificar dos erros cometidos.
Depois, passámos ao Estado de guerra civil. Os 'privilegiados' da Função Pública versus os 'sacrificados' da iniciativa privada (ui, e o que se podia escrever sobre isto, de um lado e de outro).
No último ano, sobretudo depois do fracasso da TSU/15 de Setembro 2012, a discussão passou de ideológica (liberais da treta versus sociais democratas também da treta) a pornográfica. Não encontro outro termo. Colocar nos mais velhos a 'culpa' das reformas para as quais contribuíram uma vida é pornográfico. Incutir nos mais novos uma sanha assassina em relação aos velhos que lhes roubam os empregos (esses velhos de 45 anos ...) ou lhes sugam os descontos (para os que trabalham) é um corte nas entranhas. No país, na sociedade, na razão porque permanecemos juntos.
Depois de estarmos todos devidamente entrincheirados, sobra o quê? Um darwnismo do chica-espertismo? O chico mais esperto de todos? E fazemos o quê?
Nada me irrita mais do que as soluções únicas. A derradeira opção. E tudo isto é sempre apresentado assim - não há opção. Cobardemente, face a cada contestação, lá se descobrem outras opções. Porque, naturalmente, há sempre outras opções.
Na semana passada, depois da fuga de informação organizada (e que bem!), depois da demagogia empoleirada em dois plafonds de vida, o do 600 euros e o dos 4000 euros, voltou a ser injectado o Estado de guerra civil. Os 'pobres' dos 600 euros contra os 'ricos' dos 4000 euros. Mesmo que os 'ricos' tenham contribuído uma vida inteira para essa 'riqueza'.
E foi então que soubemos que afinal não se é rico aos 4000 euros, mas sim a partir dos 2000 euros. Porque - mais uma volta no Estado de guerra civil - há velhinhos e velhinhas que vivem com 170 euros. Depois do que ouvi e do que li, só me sobrava uma pergunta: ainda não é pobre? É isso que o Estado, este Estado, nos está a perguntar a todos. Ainda não é pobre? É que se não é, temos de tratar de si. Temos de fazer de si pobre. Para nos purificar. Para nos tornar a todos iguais no estado de 'miseráveis'. E, no fim, sobrarão só miseráveis e gente importante que decide sobre os miseráveis.
Eis o Estado forte com os fracos. Eis o Estado fraco com os do costume, sempre os do costume. Eis o Estado que não quer ter outras opções - isto não é um erro, uma incapacidade, uma perturbação - é um acto de vontade.
E eis um país em que os cidadãos são sitting ducks. Na mira. Por isso, é cada vez mais difícil falar do que corre bem, das empresas que estão a vender mais, das instituições que conseguem fazer coisas acontecerem. Se for público, o mais provável é, no dia seguinte, terem o fisco à porta a perguntar-lhes: ainda não é pobre? Temos de tratar de si.
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