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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Terça-feira, 14.01.14

Porque os jornalistas não podem estar à margem do 'negócio do jornalismo'

Poucas profissões têm sentido os ventos do 'admirável mundo novo' como os jornalistas. Há 20 anos (em Portugal, note-se) estávamos na vertigem de sermos rockstars. A TSF, o Público e a SIC foram os grandes responsáveis dessa vertigem. Pela primeira vez, em Portugal, note-se, formava-se uma nova fornada de jornalistas nesse mix perfeito entre a 'tarimba' e a universidade. Fazendo parte dessa geração, sei, passados estes anos, que é um tempo irrepetível. Todos os tempos são irrepetíveis, mas este é mesmo-mesmo irrepetível. Havia um pouco de tudo. O jornalista que tinha fontes porque era amigo de jornalistas que tinham fontes (era uma questão de estar no sítio certo e ouvir as conversas certas), o jornalista que tinha atravessado os loucos anos 70 e 80 e que conhecia toda a gente que estava - finalmente - instalada nos anos 90, o jornalista que que tinha feito as reportagens mais underground possível quando realmente havia underground. O jornalista que gozava connosco, os miúdos, o jornalista que nós idolatrávamos, o jornalista que se idolatrava (bom, esses não são irrepetíveis). Fumava-se nas redacções, começava-se a beber o copo de fim da tarde cedo nas redacções, havia vida nas redacções. As pessoas discutiam, zangavam-se, voltavam a ficar amigas, ficavam inimigas para a vida, algumas casavam-se, outras mantinham paixões platónicas. Havia vida nas redacções.

No Público, onde tive o enorme e irrepetível privilégio de me tornar jornalista (ou de fazerem de mim jornalista), fiz os melhores amigos do mundo, vivi alguns dos melhores dias da minha vida e a saudade que tenho desse espaço e desse tempo dificilmente será algum dia superada por outra coisa qualquer.

 

Havia vida nas redacções. Os anunciantes anunciavam e os investidores tinham algum pudor em bradar aos céus 'onde está o meu dinheiro' (ficava mal, o produto 'jornalismo' não era um produto qualquer). Os ordenados eram pagos, os bons jornalistas mudavam de jornal ou rádio ou tv por convite e a expectativa era de fazer melhores trabalhos, encontrar notícias que eram mesmo notícia e viver a ansiedade que mediava entre um dia e o dia seguinte sem saber se a nossa notícia era mesmo única. Políticos, homens de negócios, lobistas ou outras 'forças vivas' da sociedade faziam pressão, como sempre fizeram, e os jornalistas, os bons jornalistas, aguentavam-se com essa pressão e respondiam fazendo o que os bons jornalistas fazem e que é jornalismo.

 

Os tempos eram assim e durante algum tempo acreditámos que seriam sempre assim. Pouco tempo.

Os media tornaram-se sexy e atraíram marketeers, CFOs e consultores. Tudo espécies até aí desconhecidas.

Porque se tornaram sexy, os media tornaram-se símbolo de poder e de sucesso. Atraíram também por isso pessoas que na realidade não faziam qualquer questão em ser jornalistas. Algumas só queriam 'ser conhecidas' no supermercado ou na rua lá do bairro. As agências de meios entraram em força em Portugal e traziam cheques chorudos com adiantamentos aparentemente generosos para uma indústria que se tornou cara (melhores escritórios, mais tecnologia, pessoas que a própria indústria tornou 'famosas' e que por causa disso se tornaram mais caras).

O ecossistema, como hoje se diz, ficou confuso.

 

Durante meia dúzia de anos, continuaram a existir anunciantes a anunciar, (mais) investidores a investir, e muitos, mesmo muitos mais, a quererem ser jornalistas logo que saiam da quarta classe. A TV estava cheia de jornalistas, os jornalistas casavam e eram capa de revistas cor-de-rosa e já se sabe que os miúdos just wanna have fun. As universidades responderam e de dois ou três cursos com 100 ou 200 jornalistas por ano, o número multiplicou-se rapidamente por 10.

Distraída por todo este glamour, a maioria não prestou grande atenção a mudanças de fundo que iam acontecendo. As contas aumentavam, mas Portugal continuava a ter só 10 milhões de habitantes e num negócio gerido - como deve ser - por gestores profissionais alguns ratios deixavam de fazer sentido. Não se gasta ilimitadamente budget de publicidade, se o mercado não cresce proporcionalmente a esse investimento. Isto do lado do anunciante. Do lado dos media, a solução foi baixar os preços. Os primeiros porque eram grandes e achavam que podiam fazê-lo e sair ilesos, os outros todos porque já tinham uma pistola apontada a cabeça e não tinham opção. Os cheques das agências de meios tornaram-se mais curtos e os media começaram a sentir aquele fenómeno do gajo normal quando diz que há mês a mais para o seu ordenado. No caso dos media, passou a existir ano a mais para o cheque da compra por atacado. O negócio tornara-se financeiro e como em todo o negócio financeiro uma vez a crédito, sempre a crédito.

 

Ainda assim, o dinheiro não chegava. Gestores, jornalistas, técnicos, administrativos tornaram-se uma multidão para a receita cada vez mais curta (recordando: preços mais baixos na publicidade, preços ainda mais baixos na publicidade, vendas em bloco com descontos desproporcionados, preços de tabela fictícios que todos passaram a assumir significar - na vida real - 80 a 90% do valor fixado). Say what? Isso. E assim se foi seguindo mais uns anos com os mesmos vícios instalados, na dependência dos mesmos de sempre, pouca ou nenhuma aposta em novos modelos de negócio.

Quando já não se conseguia disfarçar mais a conta, começaram as ditas medidas de ajustamento.

As medidas não foram muito diferentes de outros sectores da economia. Se isto é um 'negócio de jornalismo' e se o 'jornalismo' não está a dar dinheiro, despedem-se jornalistas. Parece óbvio. Se continua a não dar certo, despedem-se mais jornalistas. Também se despedem designers, prescinde-se de centros de documentação (está tudo na internet, não está?), manda-se embora a telefonista (toda a gente tem mesmo telemóvel) e acaba-se com o paquete que já ninguém precisa de recados.

Faz-se isto tudo mas o raio do 'negócio do jornalismo' continua a não dar dinheiro. Nisto tudo, há uma coisa boa (não podia ser tudo mau, certo?): as universidades continuam a vomitar jornalistas encartados, e, maravilha suprema, há cada vez mais novos jornalistas encartados que dão tudo, mesmo tudo, por ter um microfone nas mãos e aparecer na TV. Até a custo zero.

 

Fez-se de tudo isto nos últimos 10 anos e a maré não virou. Nos últimos três anos, piorou significativamente.

Ao ponto de terem de se incluir gestores entre os 'dispensáveis' desse negócio que não dá dinheiro. Quando se começaram a despedir gestores, as notícias sobre a crise dos media saltaram das páginas de sociedade ou das colunas esotéricas assinadas por tipos que se interrogam sobre o papel do jornalismo nas sociedades democráticas para os jornais de economia. E, nestes últimos três anos, os anos mais duros de todos os outros anos que já tinham sido duros, os gestores ficaram finalmente disponíveis para discutir novos modelos de negócio e para perceber realmente o que é afinal essa coisa do 'negócio do jornalismo'.

 

Ao dia de hoje, não se pode dizer que tenha sido ou que esteja a ser uma caminhada feliz. Mais uma vez, o alinhamento dos astros está longe de ser perfeito e esta disponibilidade dos gestores para a reflexão surge na era das métricas do online que aparentam transformar o jornalismo numa ciência exacta, medida em pageviews, CTR, shares e followers. E porque o diálogo entre gestores, jornalistas, designers e agora também tecnólogos continua tenso, difícil, àspero, os resultados são, na maior parte dos casos, pobres e exasperantes.

 

Um investidor quer ganhar dinheiro. Contrata gestores para lhe garantirem que entra mais dinheiro do que sai. O dinheiro vem das receitas. As receitas vêm - ainda demasiado - daquele negócio que falámos lá atrás e que foi destruído ao longo de uma década chamado publicidade. A publicidade hoje é medida ao clique. Se uma notícia tem muitos cliques, é uma boa notícia, certo? Se uma notícia tem poucos cliques, deve ser descontinuada. Se já percebemos que 'às bolinhas' funciona como notícia-com-muitos-cliques, devemos ter 'às bolinhas' todos os dias. Melhor, fazer 'às bolinhas' não é nada difícil, é só copiar o que o primeiro 'às bolinhas ' fez. 

Desculpem a caricatura. É injusta para alguns bons gestores que conheço. E acredito que cada vez mais o jornalismo terá de ser gerido por estes, os bons, o que compreendem a sua essência, os seus valores e a sua imprevisibilidade. Os que percebem que não há jornalismo sem jornalistas e que as marcas brancas no jornalismo não são jornalismo. Os congelados não são frescos.

 

Quem chegou até aqui, pode até ficar com a impressão que os jornalistas fizeram e fazem tudo bem. É uma impressão errada. Os jornalistas deviam ter-se preocupado mais cedo com perguntas tão básicas como 'quem nos paga o ordenado', 'de onde é que vem o dinheiro', 'como é que é feita a venda de publicidade'. O jornalismo de 'não-quero-nem-saber-de-onde-vem-o-dinheiro-porque-eu-sou-é-jornalista' não é ético, é irresponsável e potencialmente perigoso.

 

O New York Times, esse 'negócio de jornalismo' perigoso e cheio de jornalistas lá dentro, tem mostrado em vários momentos que ter receitas superiores aos custos não envergonha nenhum jornalista. Pelo contrário. É precisamente por ter receitas superiores aos custos que o NYT pode ser, nos tempos da mais amarga crise, um símbolo de esperança que bradimos quando queremos dizer que o jornalismo continua vivo. É por isso que discute sem complexos novas formas de ter receitas, como o formato de 'narrative advertising' que irá oferecer aos anunciantes. Num mundo em permanente versão beta sempre atrás da next big thing (youtube-facebook-twitter-instagram-tumblr-vine-snapchat...), há uma coisa que se mantém permanente. As empresas que produzem coisas continuam a precisar que as pessoas conheçam as coisas que produzem. Continuam a precisar comunicar e os media continuam a ser um meio privilegiado para falar com muitos, mesmo que hoje disputem esse território com estranhos e rivais. Também por isso nunca precisaram  tanto como hoje de ser criativos, corajosos e de ambicionar a independência que ter contas pagas nos traz (e que nunca mais virá só e tão somente da publicidade como a conhecemos durante décadas).

 

Ser independente não é um destino, é um caminho. E decide-se a cada passo, a cada decisão. Os jornalistas não podem mais estar à margem do 'negócio do jornalismo'. (ler sff Look, you're right, okay?= But you're also wrong

Sob pena de outros decidirem por eles e de passarem os próximos anos a queixarem-se que só os mandam fazer coisas 'às bolinhas'. 

Fight the good fight. 

 

Até breve,

 

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por sparks às 19:12

Terça-feira, 14.01.14

Modernos

 

 

http://www.nytimes.com/interactive/2013/12/30/opinion/30opart-handy-interactive.html

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por sparks às 19:01

Domingo, 12.01.14

Ainda a Golman Sachs. 'Eles' não são todos iguais e 'nós' não somos todos iguais

O livro "Goldman Sachs - O banco que governa o mundo" de Marc Roche explica várias coisas.

As óbvias são aquelas de que nos ocorre falar quando na mesma frase aparece o nome de um político e legislador e da Goldman Sachs.

 

Mas há outras. Como aquelas, também relatadas no livro, que nos falam da responsabilidade de todos nós e da possibilidade que nos assiste de interromper ciclos não-virtuosos.

 

Como aconteceu em Berlim. Passo a citar o livro de Marc Roche: "É necessário evitar a todo o custo fazer negócios com esse tipo de banqueiros, insurge-se assim o ministro berlinense Ulrich Nussbaum depois de má experiência da municipalidade ligada à venda, em 2004, de um parque de apartamentos de renda limitada moderada pelo banco, associado na ocasião a um hedge fund americano. O negócio deu que falar, as condições de protecções dos locatários impostas pelos autarcas desagradavam ao escritório da Goldman em Frankfurt. Uma vez concluído o acordo, a firma pediu a supressão dessas obrigações … senão arrastava Ulrich Nussbaum para os tribunais por corrupção. A tentativa de chantagem da Goldman Sachs não vai longe. Apoiado pelos políticos locais de todas as orientações, Nussbaum quis ir a tribunal acusando, por sua vez, o estabelecimento de tentativa flagrante de extorsão de fundos. Receando um processo mediatizado, o banco recuou, realizando todas as exigências.".

 

Releio esta passagem e lembro-me de um outro texto. Ainda de 2012, o texto de Milas no El Pais, "Um cano de pistola enfiado no cu" (em português aqui.) Releio a última frase deste texto que fala sobre "a cumplicidade dos nossos". Nós somos os nossos. Aqueles que aceitam trabalhar por menos 50 euros que o colega do lado ("são só 50 euros e o dinheiro faz falta"), que aceitam escrever a notícia que o outro rejeitou como propaganda ("só desta vez"), que executam sem pensar porque se pensarem não poderiam executar ("porque o mercado está mau e não podemos ser parvos").

 

'Eles' não são todos iguais e 'nós' não somos todos iguais. Ulrich Nussbaum, que só conheço do livro sobre a Goldman Sachs e de quem não encontro muito mais referências online, não fez igual. Álvaro Santos Pereira não fez igual. Há muito boa gente por aí que não faz igual, é desses que precisamos. Com essas pessoas, connosco a fazer parte das decisões e não a sermos vítimas de decisões, podemos pensar em construir e deixarmos de nos sentir com um cano de pistola enfiado no cu. Já chega.

 

E porque hoje me sinto estranhamente esperançada, deixo-vos com uma frase do José Luís Peixoto de quem tanto gosto:
"O futuro começa todos os dias. O futuro começa hoje e dura o tempo que acreditemos nele".

 

Até breve,

 

 

 

 

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por sparks às 23:03

Segunda-feira, 06.01.14

'Thank you, Linus'

Já perdi a conta aos episódios que vi da série 'how i met your mother'. A única coisa que tenho por garantido é que há um 'tempo' associado a cada série e que é de tal forma genuíno que posso falar do Ted ou do Barney ou da Robin ou da Lilly ou do Marshall como falaria de vizinhos que moram na casa ao lado. Aturo-os, aturam-me e vamos dia atrás de dia esquecendo-nos como era vivermos uns sem os outros. São uma espécie de girl & boy next door em versão super-herói lá do bairro, bipolares, stressados e obsessivo-compulsivos como todos nós sem terem que disfarçar.

 

No primeiro dia de 2014 fiz uma maratona de sofá, devidamente acompanhada pelos dois teenagers lá de casa, com os episódios  da temporada 9. A ideia era ver um episódio, talvez dois. Depois vamos fazer outra coisa, fui dizendo. Vimos um, dois, três, quatro, cinco, seis ... e parámos quando de repente era noite e só porque de repente já era de noite. Foram três horas que em nada ficaram a dever àqueles momentos em que nos juntamos com amigos de sempre e fazemos o que se faz com os amigos de sempre. Concorremos nas histórias, nas piadas, estamos todos a falar ao mesmo tempo, estamos todos a ouvir ao mesmo tempo e  há sempre alguém que diz com tom assim-para-o-chateado 'posso falar eu agora?' no que é torpedeado por o outro alguém, geralmente sempre o mesmo, que implora como se não tivesse ainda falado 'deixa-me só dizer mais isto'.

 

E é por isso que me tornei lá-de-casa com o Ted & all. Porque me fazem sentir em casa até nos dias em que  sinto falta da minha 'casa' a sério.
Nesses dias, eles são o Linus deste clip ímpar e eu sou a Lily de copo na mão. E depois há os outros dias todos. Thank you, Linus.

 

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por sparks às 19:41

Domingo, 05.01.14

Às vezes dá jeito as pessoas gostarem de ti

Não gosto de filmes sobre carros, gajos que conduzem carros, gajas que andam com os gajos que conduzem carros. Dito isto, dizer que Rush é o melhor filme que vi sobre carros não é grande atestado. Na realidade, gostei do filme por me devolver uma Fórmula 1 com a qual aprendi a gostar de Fórmula 1. 'Rush' conta a história de um duelo entre dois campeões dos anos 70, James Hunt e Niki Lauda. De James Hunt não tenho qualquer memória, de Lauda lembro-me bem, sobretudo nos anos em que mais atenção dediquei a este desporto, algures entre fins de 80 e meados de 90. Mais precisamente até à data da morte de Ayrton Senna em 1994, momento a partir do qual me desinteressei pelo que se passava nas pistas e fora delas (yep, mais uma com essa história banal ...). Mais recentemente, por motivos profissionais e por causa do interesse do meu filho, voltei a seguir as notícias e alguns prémios, mas sem nunca retomar a paixão de outros tempos.

 

Curiosamente, o que mais vou recordar sobre o filme tem menos a ver com as corridas e mais a ver com as pessoas. Porque me lembro de Lauda, lembro bem a sua figura distante, gélida, contida. Lembro as marcas do acidente que sofreu, visíveis 10 anos depois, lembro a perícia. Lembro-me que era bom, mas que não era 'apaixonável'. Aos 14 ou 15 anos, o atributo de 'apaixonável' é importante; na realidade, mantém-se importante vida fora. O Facebook e o incontornável botão de 'Like' simplificaram o atributo em 'likeable'. E, ser 'gostável' nos dias de hoje é, em muitas situações, mais importante do que estar certo, ter razão, ser mais inteligente, relevante ou até ... bom.

 

No episódio-chave do filme, Lauda tenta evitar a realização do Grande Prémio da Europa, no circuito de Nürburgring, na Alemanha, alegando razões de insegurança que, no relato da história, nos surge como mais ou menos óbvia. Circuito perigoso, mau tempo, os habituais nervos à flor da pele. É convocada uma reunião de pilotos para decidir pelo cancelamento ou não da prova. Lauda apresenta as suas razões. No seu timbre. Racional, frio, objectivo. Hunt, o piloto inglês de sangue quente e estilo playboy, contrapõe. Diz que Lauda só quer suspender a prova porque é o único que tem algo a ganhar (Lauda ia na frente da classificação), já que nenhum piloto iria poder pontuar. Debatem argumentos, a maioria alinha com Hunt, a prova mantém-se.

No fim da reunião, Hunt passa por Lauda e sussurra-lhe qualquer coisa como: "às vezes dá jeito as pessoas gostarem de ti".

 

Nessa prova, Lauda sofre um terrível acidente em que durante cerca de um minuto fica dentro de um carro em chamas. 800 graus durante 60 segundos. O austríaco sobrevive. Faz mais do que isso. Investe tudo numa recuperação difícil e volta às pistas ainda no mesmo ano para disputar o mesmo campeonato ao rival de sempre, Hunt, que tinha visto - de televisão ligada no quarto de hospital - ganhar pontos enquanto fazia aspirações aos pulmões e mudava os pensos das queimaduras. É filme, mas algo me diz que não terá sido assim tão diferente na dita 'vida real'.

 

Para não ser uma total spoiler de quem não viu e possa tencionar ver o filme, vou passar em frente da narrativa dos factos. O Lauda, depois do acidente. é, na realidade, o mesmo. Gélido, profissional, de perícia invejável, talvez única no seu estilo. Pouco sociável, pouco ou nada gostável e pouco preocupado com ambas as questões anteriores. E que não o impediram de ser tricampeão em 1975, 1977 e 1984, respectivamente.

 

Mais de 30 anos depois, na era em que as os likes nas redes sociais parecem tão decisivos, sobretudo para quem nunca conheceu outra vida (não há memória de uma vida sem escrutínio social digital para quem tem menos de 18 anos), ficou-me na memória a frase de Hunt: "às vezes dá jeito que as pessoas gostem de ti". É verdade, dá jeito dentro e fora das redes sociais. Chama-se empatia, nos universos empresarias chamam-lhe soft skills.

São importantes. (não é ironia. são mesmo importantes)

 

O ponto é que não mudam o resto. Quem é melhor continuará a ser melhor, quem trabalha mais continuará ser quem trabalha mais, quem está certo continuará a estar certo. Quem faz coisas continua a ter uma vida mais interessante do que quem diz que faz coisas. Mesmo que não mova ou comova legiões de likes. Mesmo que não tenha 'soft skills', mesmo que tenha pudor de ser simplesmente tonto na exposição pública da sua vida. Há um certo conforto nessa espécie de justiça divina. Mesmo que não nos poupe, na justiça terrena, a ter de assistir a fenómenos epicêntricos alimentados a gás social. E tudo isto me passa pela cabeça na semana em que alguém que respeito e que sei ser inteiro me confessava ter prescindido de expressar publicamente a sua opinião nas redes sociais (sobre um episódio tonto do princípio ao fim e do qual felizmente só dei conta mesmo no fim) por não lhe apetecer estar na mira do bullying social. Soa a The Hunger Games, como diz o Huffington Post (The Degeneration of Facebook in 10 Statuses).

 

Vai soar infantil, eu sei, mas isto das redes é para ser trabalho ou conhaque. À vez. E é extraodinariamente útil e pode melhorar incrivelmente as nossas vidas tanto no trabalho como no conhaque. Adoro acompanhar a vida de amigos, familiares e alguns meros conhecidos que se vão tornando, por esta via, amigos através de desabafos diários, piadas oportunas, coisas que nos passam pela cabeça. É uma boa coisa.

Depois há o resto e quero acreditar que encontraremos um caminho para que não se trate de uma batalha à insanidade por quem tem mais likes, amigos, comentários.

Como diz alguém que eu conheço, temos sempre a possibilidade de não ler ou de simplesmente fazer switch of. E não é nada de pessoal contra o Facebook de onde provavelmente alguns lerão estas linhas e que uso pessoal e profissionalmente ou qualquer outra rede social. Dá jeito que gostem de nós mas ... uma coisa, é uma coisa e outra coisa, é outra coisa.

 

 

 

Até breve e Bom Ano!

 

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por sparks às 13:28


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