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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Quinta-feira, 31.07.14

Um país à borla

 

A notícia sobre mais um recrutamento 'criativo' no mercado voltou a ser tema de conversa. Trata-se de um recrutamento para uma agência com o objectivo de trabalhar uma marca de um cliente real e, supõe-se, com uma factura real a ser cobrada. Não são estágios curriculares, mas sim, segundo os promotores,  uma oportunidade para "trabalhar no novo laboratório criativo da agência".

 

A coisa pode ser apresentada de várias formas.

1. trabalhar à borla

2. ganhar experiência

3. trabalhar à borla e ganhar experiência

4. ganhar formação à borla

5. ter 'visibilidade' no mercado de trabalho

6. facturar ao cliente com trabalho à borla

 

Como é fácil de ver, a palavra mais recorrente é mesmo borla. Nós aqui em Portugal somos o país das borlas. Basta olhar para as médias de subscrição de serviços pagos naqueles sites que oferecem uma parte 'à borla' versus outra parte 'paga'. Nós batemos qualquer estatística europeia: à borla tudo, pago, quase nada.

 

Para alguns tem tudo a ver com a pobreza endógena do país. 

Temo, em muitos casos, que tenha muito mais a ver com duas coisas que decorrem de outro tipo de pobreza. Uma é a chica-espertice. Outra é a subserviência.

 

Do ponto estritamente económico e empresarial, este ciclo é do pior que há. 

As empresas que podem pagar mais, tudo fazem para pagar nada. As empresas que estão no meio - a esmagadora maioria das empresas em Portugal - tudo fazem para simplesmente sobreviver. No manual de sobrevivência, a regra do  quase à borla é de ouro. Para poderem fazer preços quase à borla têm de ter trabalho à borla. O efeito disto escada abaixo é mais ou menos de aritmética pura: vamos tirando dinheiro de cima para baixo e quando chegamos à base de suporte de qualquer economia - o consumo privado - encontramos malta que não tem dinheiro para gastar. Logo não compra, logo as empresas maiores para manterem o seu status quo têm de espremer as outras - as que estão stuck in the middle. E assim sucessivamente. Com uma particularidade adicional: quando a malta do trabalho à borla consegue ganhar algum dinheiro, já tem doutoramente em todas as formas de viver à borla (estou a falar da malta 'normal'. não de quem passa a vida a pedir o iphone seguinte ao pai e à mãe). E assim sucessivamente.

 

Já mudávamos de vida, já.

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por sparks às 13:46

Quinta-feira, 24.07.14

A servidão humana

Hoje li isto (há minutos). De um autor que não conheço, o Gonçalo Nuno, via facebook.

 

Uma (des)ilusão chamada empreendedorismo!

Hoje desapaixonei-me, dei mais um trambulhão, poucos dias após ter celebrado um ano que iniciei esta missão. Tenho tido o privilégio de fazer-me acompanhar por gigantes, como o Tiago Rodrigues, Isabel Esteves e Rui Garcia, mas também para eles é claro que todo este ecossistema não passa de uma ilusão. A paixão está cá, a determinação e o talento também, aquilo que falta são líderes com visão.

Nos últimos tempos temos assistido ao crescimento de uma bolha de enorme dimensão. Onde, no seu interior, políticos e homens de negócios ganham mais um ou outro milhão. Vemos ideias de negócio darem vida a empresas após participarem numa competição. Assistimos passivamente aos negócios que são criados em torno dessas empresas, num ambiente de expropriação, e vamos dizendo, que lá se vai mais um milhão.

Estou cansado destes políticos que habitam parques tecnológicos, farto de ser perseguido pelas finanças e segurança social, como se fosse um criminoso, de ter pesadelos com multas devido a algum esquecimento, ou qualquer outro atraso com uma obrigação fiscal.

Fora desta bolha a vida é muito dura. A paixão e o amor à Nação são diariamente colocados à prova. Á minha volta encontro vários empreendedores, que procuro apoiar dando-lhes motivação, partilho os meus contactos e a nossa ambição. No entanto, questino-me o porquê de ter que ficar calado a assistir à emigração de tantos jovens portugueses, que tanta falta fazem ao País, ao mesmo tempo que aqueles que a paixão por ficar falou mais alto, e que tentam empreender e tomar o controlo das suas vidas, sejam vitimas deste meio envolvente prejudicial, e sistema fiscal punitivo e castrador.

Porque a nossa missão é desenvolver um novo ecossistema empreendedor independente em Portugal, vários milhares de empresários e eu, que não têm na sua maioria mais de 20 e poucos anos, estamos a fazer tudo para mudar esta situação

 

 

Há uns meses, tinha lido isto. De um autor que conheço bem, com quem tive oportunidade de falar sobre o tema, o Daniel Deusdado, via Jornal de Notícias.

 

As Finanças / As SS nazis

 

1 A história da falência da Throttleman e Red Oak, duas marcas de vestuário português que fecharam as lojas na semana passada, é o melhor exemplo de como, por debaixo da demagogia sobre o Portugal de sucesso, a vida prossegue, inexorável, a matar a pequena e média economia portuguesa. Esta história é tão irreal (e não é a única) que até dá vontade de fugir do país.

Antes de mais: a Throttleman foi criada em 1991 por três gestores (Pedro Pinheiro, Eduardo Barros e Nuno Gonçalves) acabados de sair da faculdade. O profeta do cavaquismo industrial, Mira Amaral, pedia, e bem, marcas próprias e redes de lojas nacionais, sobretudo em setores como o do vestuário onde vendíamos esmagadoramente para subcontratação. Quem ousasse devia até internacionalizar.

A Throttleman fez isso mesmo: lojas nos shoppings ao lado das grandes Zaras, Benettons ou Lacoste. Vendia camisas portuguesas e outro vestuário a preço médio-alto. Chegou a dar emprego a quase 750 pessoas. E chegou a abrir lojas nos Emirados Árabes Unidos e em Angola - em resumo, fez o que está escrito nos livros de gestão. Só que a derrocada de 15 de setembro de 2008, nos Estados Unidos, provocou o brutal arrefecimento do consumo mas não o da conta mensal de quem tinha investimentos a pagar. Uma média de 12 milhões de vendas anuais revelavam-se insuficientes.

Os 23 milhões de euros de passivo acumulado pela Throttleman e Red Oak levaram então a que, em novembro de 2012, ambas avançassem para o "Processo Especial de Revitalização", um mecanismo criado pelo Estado para ajudar empresas em dificuldades. Viáveis ou não? Os credores decidiriam. E neste caso as coisas correram de forma extraordinária: em apenas 76 dias conseguiu-se um acordo com cerca de 80% de créditos, incluindo a Segurança Social. Quem faltou? Praticamente apenas o Ministério das Finanças, ainda por cima credor privilegiado.

Aceite pelo tribunal o Plano de Recuperação, vida nova? Errado. As Finanças interpõem um recurso judicial que impediu a recuperação de arrancar. Há um ano. Apesar das Finanças e da Segurança Social terem assegurado o ressarcimento de 100% da dívida em 150 prestações, acrescidas de juros a uma média de 6,25%, as Finanças não aceitaram que os juros antigos e as coimas fossem perdoados em 80%. Uma gota no conjunto de todo o processo. (Note-se que, entretanto, as Finanças perdoaram 100% dos juros e 90% das coimas, em dezembro último, a quem pagou impostos em atraso por razões tão absurdas como fugas para off-shores, etc...).

A Throttleman andou 12 meses a lutar com as Finanças em recursos judiciais e depois o processo encalhou no Tribunal Constitucional. Entretanto, a gestão tornou-se impossível. Há dias anunciou o pedido de insolvência. Tinha 200 trabalhadores. As Finanças (e todos os outros) vão agora receber zero ou pouco mais.

2. Quando leio as notícias sobre o aumento da arrecadação fiscal, mês após mês, penso em casos como este e temo o pior. As Finanças estão a usar expedientes claramente selvagens para conseguir tirar o pouco que resta à economia. Penhoram tudo a toda a gente - até por pequenas multas. Sabem que os tribunais não funcionam e são inúteis como recurso dos contribuintes.

Uma empresa que recorra judicialmente contra o Fisco fica registada como incumpridora se não pagar à cabeça e é inibida de direitos básicos (ex: estágios profissionais apoiados). Passa a ter o seu nome publicado na lista "negra" dos devedores. Todos os meios valem. O novo sistema de fornecimento de informação - SAFT - obriga as empresas a porem nas mãos do Estado 100% da sua vida - clientes, preços, prazos, pagamentos.

As Finanças são um Estado prepotente (sem aspas nem metáforas), amoral, dentro de um país que tenta sobreviver à sistemática e brutal cobrança e aumento de impostos. Ainda vamos brevemente descobrir que boa parte do sucesso das exportações inclui também uma coisa óbvia: as mercadorias vão mas o lucro não volta. O Fisco está enganado se pensa que mete os empresários em campos de concentração fiscais (onde estão os trabalhadores por conta de outrem e pensionistas). O inimigo é comum - o Fisco. A ordem é "fugir". O ódio ao Estado é total. Lutar contra a carga fiscal é como militar na Resistência.

 

Hoje, o Ricardo Salgado, o banqueiro, o DDT, o espírito santo, o pai, sogro, tio, padrinho de um país que se lhe vergou durante décadas, foi detido por alegada fraude fiscal e branqueamento de capitais. Pagou três milhões de fiança. Na televisão vejo rostos bem conhecidos que privaram anos a fio com ele e a sua corte, que reverenciaram o 'sôtor', que se babaram por receberem convites assinados pelo próprio, a proclamarem a moral e os bons costumes e a acenarem com a bandeira do 'eu já sabia'.

 

Tenham dó. Tenham decência. Há um país lá fora a tentar fazer-qualquer-coisa-com-isto.

Não vai ser possível enquanto formos o país dos grandes poderes e das pequenas cobardias.

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por sparks às 22:24

Terça-feira, 22.07.14

"Lembrem-se que há muitas maneiras de ser inteligente"

Este é um daqueles momentos em que dá uma súbita vontade de escrever. Porque o tema é do-mais-importante-que-há, muito mais importante que primárias no PS, crises no BES, desculpem GES, e greves de professores. Sobretudo porque é na atenção que damos a este tema que todos os outros se decidem.

 

Acabo de ler no Observador um artigo sobre o que os psicólogos de Harvard acham sobre a forma como andamos a educar os nossos filhos. O artigo, intitulado 'Está a educar os seus filhos para serem boas pessoas? Os psicólogos de Harvard acham que não', tem alguns maneirismos que pessoalmente me irritam (já lá vamos), mas faça-se a devida vénia pela oportunidade do tema. E o tema é a voracidade com que despejamos competências nas nossas crianças e jovens e descartamos emoções, sentimentos, actos de pura humanidade. Aos 6 anos, qualquer criança de pais competentes já passou no mínimo por 3 actividades, teve experiências 'inesquecíveis' a propósito dos anos, das férias de verão, dos workshops da Páscoa e assim lá está ela devidamente preparada para entrar na escadaria escolar onde degrau a degrau se tornará cada vez mais funcional. E, por mais que todos, os genuínos e os cínicos, juremos a pés juntos que não vamos asfixiar os seres humanos que mais amamos em desafios, experiências e competências, asfixiamos sim. E esta maratona da criação, torna-se uma verdadeira corrida de 100 metros da perfeição. Para serem perfeitos, os nossos filhos desenvolveram desde a mais tenra idade actividades que promovem a inteligência, a capacidade de associação, relação e solução de problemas, a criatividade, a destreza, e continuarão imparáveis nessa escalada da dita educação. É uma escalada que não para nunca, não nos iludamos. Continua pela adolescência, com novos 'desafios e experiências'. Ser voluntário é obrigatório, fica bem no curriculum e no facebook da mãe ou do pai, ir para Erasmus é obrigatório, todos vão, como é que o 'nosso' não iria?

Não me levem a mal. Sou tão culpada destes pecados como aqueles de quem troço. Terei provavelmente caído na maior parte das armadilhas que aqui descrevo, valha-me poder dizer em consciência que não o fiz pelo CV das crianças, mas posso muito bem ter feito pela ansiedade que outros pais sentem, a de proporcionar aos filhos todas as possibilidades para que possam escolher e conquistar alguma, pelo menos alguma, liberdade.

 

Mas o artigo do Observador não é sobre isso. É sobre expectativas em relação à humanidade. E as expectativas que temos sobre a nossa humanidade serão certamente a melhor definição das expectativas que temos para o resto do mundo. O que esperamos / pedimos / cobramos dos nossos filhos passa não só a mensagem do que valorizamos - neles e no mundo - mas passa mais do que isso. Passa-lhes uma visão do mundo, recorta-lhes a janela pela qual devem olhar tanto para dentro de si como para o mundo que os rodeia. E é aí que as coisas ficam verdadeiramente perigosas.

A maior dádiva que tenho por ser mãe é a generosidade. Os meus filhos fizeram de mim uma pessoa muito melhor e neste caminho de mãe tenho procurado devolver-lhes essa bondade. Isso passa por inúmeros actos quotidianos, presentes quando comentamos uma notícia, um episódio que aconteceu no trabalho ou na escola, ou numa ida ao cinema. 'Estás a chorar porquê?', esta pergunta feita pelos meus filhos, sempre que me viram chorar, e sobretudo quando eram pequenos demais para ouvirem a verdade em modo adulto, acabou quase sempre por ser das maiores oportunidades para partilhar essa fragilidade de sermos humanos, de perdermos, de nos entristecermos, de ficarmos sozinhos por vezes. Sorrir no dia a seguir ao choro faz mais pela confiança do que qualquer manual sobre como educar as crianças para serem positivas (arghhhh).  Procurando na minha memória esses preciosos momentos em que somos mais humanos, é inevitável lembrar-me de alguns difíceis. Aqueles que porventura mais nos testam. Porque um filho foi rejeitado por um amigo, porque não é tão cool como os mais cool da escola, porque não sabe dar a volta ao professor. Aí a injustiça do mundo explode na nossa cabeça e em segundos de cegueira apetece mandar valores às urtigas e contar-lhes à descarada o pior da humanidade e descarregar todo o manual de cinismo para 'vencer' na vida. Inspiramos, expiramos, resistimos. E cada vez que isso nos acontece, ganhamos. 

 

Lembro-me de um episódio das Donas de Casa Desesperadas em que as ditas comentavam os métodos de avaliação da escola em que os filhos (com menos de 10 anos) estudavam. Uma escola progressista que não atribuía notas, mas sim agrupava as crianças por espécies animais como forma de estimular o respeito pela diferença e atenuar a competividade 'entre iguais'. Todas as mães achavam o máximo, uma coisa progressista, moderna. E depois chegavam a casa e começavam a extorquir dos filhos em que espécie estava o amiguinho A, B e C para a partir daí extrapolar se o seu filho era mais ou menos esperto.

Está na nossa natureza competir. Mas também está na nossa natureza continuar. Por muito redondinha que possa parecer a lapalissada, a verdade é que a História tem muitos momentos de ânimo, entendido como a vitória sobre o mal. O nosso problema é que derrotamos muito mais facilmente o Grande Mal do que o Pequeno Mal de todos os dias e aí sim precisamos de uma verdadeira revolução emocional e de derrubarmos os nossos clichés de sucesso e de vitória.

E nem de propósito, leio de seguida este post da Ana Neves. Passo a citar o teor da carta enviada pela Escola Primária de Barrowford, em Inglaterra,,no final do ano letivo:

 

“Por favor encontrem em anexo os resultados dos vossos testes[...]. Estamos muito orgulhosos por terem demonstrado um grande empenho e terem dado o vosso melhor durante esta semana complicada.

Porém, estamos preocupados que estes testes nem sempre avaliem aquilo que torna cada um de vós especial e único. As pessoas que criaram estes testes e os avaliam não vos conhecem [...] Não sabem quantos de vós falam duas línguas. Não sabem que conseguem tocar um instrumento musical ou dançar ou pintar. Não sabem que os vossos amigos contam convosco para os ajudar quando precisam ou que o vosso sorriso consegue alegrar o pior dos dias. Não sabem que escrevem poesia e canções, praticam desporto, imaginam o futuro, ou que às vezes tomam conta dos vossos irmãos mais novos depois da escola. [...] Não sabem que vocês são de confiança, gentis e atenciosos, e que tentam, a cada dia, dar o vosso melhor… as vossas notas dirão alguma coisa, mas não dizem tudo.

Por isso, alegrem-se com os resultados e orgulhem-se deles mas lembrem-se que há muitas maneiras de ser inteligente.”

É simples, afinal das contas.

 

P.S. - Gostei que o Observador tivesse trazido o tema a debate, não gostei nada do texto em forma de '6 coisas que deve fazer para criar um filho bondoso'. Ajude a criança a tornar-se numa pensadora e líder ética? Lá estamos nós a complicar.

 

P.S.2 - E depois destas leituras, encontrei no mural da Paula Torres Carvalho um poema do Rubem Alves. Começa assim: "Quero viver ao lado de gente humana, muito humana". É isto, é bom.

 

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por sparks às 18:10

Quinta-feira, 17.07.14

Notícia má 1- Publicidade óptima 0

Eu sei que isto é um fait-divers e que, como dizia uma apresentadora da nossa tv, agora não interessa nada. Mas a publicidade do BES anda a fazer-me uma certa impressão. Entro no carro, ligo o rádio e não há dia que não tenha notícias do BES. Não são boas notícias, quanto muito em alguns dias são menos más do que noutros. Mas, no geral, são péssimas. Há buracos, desvios, credores a arder, pessoas que se demitem, pessoas que eram muito amigas de pessoas que se demitem muito chocadas com aquilo que as pessoas que se demitem faziam. E depois de uns quantos minutos disto, entra o jingle da D. Inércia. Às vezes, entra logo a seguir. Vantagem BES, por um lado rende, por outro lado poupa, o BES junta o útil ao rentável, a Rita Blanco no seu melhor registo de porteira à conversa com o Cristiano, tra-la-ri-tra-la-ro, e no mundo lá fora, as acções do banco a caírem, os accionistas a retirarem-se mas a desejarem as maiores felicidades a quem fica, Passos Coelho a dizer que os depositantes não devem ter medo de perder o dinheiro (aka, levantem lá nem que seja só 20 euros que lá tenham depositado). Tem um certo ar de orquestra do Titanic.

Depois leio os jornais e lá estão as notícias outra vez. Páginas e páginas no Expresso a explicar, tim-tim por tim-tim, as dificuldades da família Espírito Santo, as dívidas da Rio Forte, os aborrecimentos de algumas fortunas com os seus investimentos no Banque Privée. E ao lado ...  Uma campanha do BES - Pagamento na Hora. Ou do Espírito Santo Financial Group a anunciar que ganhou o prémio da melhor empresa de gestão de activos. Parece uma brincadeira. 

Não sei o que pensam os especialistas em marketing, mas cada vez que entro nesta montanha russa de notícia má- publicidade óptima, a notícia até me parece menos má porque a publicidade é péssima. A publicidade, feita supostamente para enaltecer qualidades e promover o banco, destrói muito mais do que a notícia. A notícia é a realidade, a publicidade é um mentiroso a mascarar a realidade.

Já ouvi a tese de que é melhor manter a publicidade, porque senão é que as pessoas pensavam que as coisas estavam mesmo mal. Será um argumento de marketing? Acho que não. As coisas estão realmente mal. Por isso, ou não dizem nada ou dizem alguma coisa que as pessoas realmente possam levar a sério. Ocorrem-me umas quantas coisas que, pelo menos a mim, me fariam ter mais simpatia e solidariedade por um banco que tem história, que emprega milhares de pessoas e que certamente tem gente com vontade de fazer good banking.

 

P.S. - No capítulo marketing BES, a suprema ironia é mesmo a campanha Recuperar a Esperança. Uma campanha de essência postiça que a realidade transformou no claim mais adequado aos tempos que o banco vive.

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por sparks às 23:44

Terça-feira, 08.07.14

Eu e Suzanne Vega

À primeira sílaba que roçou o microfone, sabia que estava em casa.

Ela estava ali, naquele espaço onde pertence, primeiro com o seu chapéu alto e depois com a viola, a viola que a acompanha há 25 anos. Há mais anos, na realidade, mas são 25 anos na minha vida e este é um post pessoal, meio piegas e completamente nostálgico sobre Suzanne Vega na minha vida.

Agora que está dito, vamos lá a isto.

 

Ela é Suzanne Vega. E ela foi a banda sonora de um certo tempo na minha vida. Acabo por escutá-la, pela primeira vez ao vivo, num outro tempo da minha vida, num outro tempo da vida dela. E esse foi um dos desafios da noite de domigo no EDP Cool Jazz, porventura o festival mais gentil do país, onde me pareceu que tudo pairava. Pessoas, sombras, luzes, vozes baixas, telemóveis tímidos e nada exibicionistas, mantas na relva. E ela, a Suzanne.

 

No tempo da minha vida que ela sonorizou, eu lia letras de músicas escritas em forros de capas de vinil. Um dos fascínios das histórias e da poesia musicada é que se ouvem vezes sem conta e, sabendo que são iguais, contagiam-nos como diferentes a cada estado de espírito. Muitas vezes depois de muito ouvidas, transformam-se no estado de espírito. E quando uma música consegue isso, ela entrou definitivamente na nossa vida, onde quer que estejamos.

 

Ontem, durante minutos, eu estive numa sala semi-vazia, como soalho de madeira bonito, luz clara. Uma sala que acolheu as conversas e silêncios sobre o que seríamos aos 25 anos. E estive numa despedida, num dia em que soube sem saber que as coisas iam mudar. É nessa memória e nessa projecção, na solidão, na cumplicidade e numa estranha esperança que tudo se componha, que Marlene on the wall soa mais inteira.

 

Even if I am in love with you
All this to say, what's it to you?
Observe the blood, the rose tattoo
Of the fingerprints on me from you.

 

(...)

And I tried so hard to resist
When you held me in your handsome fist
And reminded me of the night we kissed
And of why I should be leaving

 

 

Marlene watches from the wall
Her mocking smile says it all
As the records the rise and fall
Of every soldier passing.

But the only soldier now is me
I'm fighting things I cannot see
I think it's called my destiny
That I am changing.

 

Na plateia dos jardins do Marquês de Pombal, a voz de Suzanne Vega trouxe um aconchego de lar a uma noite que se seguiu a um dia de inverno. A intimidade revela-se nos detalhes e Vega é um compêndio de detalhes. Gosto especialmente do detalhe que decorre de ninguém elevar a voz, de ninguém se atrever a mais do que murmurar. Isso enquanto ela canta como se respirasse, uma respiração que é ao mesmo tempo múrmúrio, suspiro, cansaço e fôlego.

 

A noite continua. 

Vamos ter tempo de ouvir uma história de amor que acaba mal.

Vamos ter que pensar como a solidão deixa o poder mais e mais sozinho.

Tudo isto numa voz franzina extraordinariamente poderosa.

 

The soldier came knocking upon the queen's door
He said, "I am not fighting for you any more"
The queen knew she'd seen his face someplace before
And slowly she let him inside.

 

(...)

 

"Tell me how hungry are you? How weak you must feel
As you are living here alone, and you are never revealed
But I won't march again on your battlefield"
And he took her to the window to see.

 

A doce Vega, que também ela paira na noite, foi ganhando controlo da situação. Ou na realidade, sempre o teve. É esse afinal o supremo truque da fragilidade e da doçura.

Não foi tudo perfeito. A mim, sabe-se lá porquê, fez-me falta ouvir Straight Lines.

Ficou na exacta medida daquele bocadinho mais de azul antes do perfeito, aquele bocadinho que me fará ouvi-la, noutro sítio qualquer, noutra noite qualquer.

 

Today I am
A small blue thing
Made of china
Made of glass

I am cool and smooth and curious
I never blink
I am turning in your hand

 

P.S. - Vega não é uma história de passado. Aliás, Vega é uma história com graça para ser contada também por causa dos negócios da música (talvez o negócio mais premonitório dos nossos tempos?!). Mas o que importa mesmo é dizer que Tales from the Realm of the Queen of Pentacles, o mais recente trabalho da miúda de negro, vale a pena ser ouvido. Em especial, e porque ela veste negro, a música “I Never Wear White”.

 

 

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por sparks às 00:25

Quinta-feira, 03.07.14

Graffiti no BCE como frescos no Vaticano

As imagens não são novas, mas só hoje me cruzei com elas ao pesquisar sobre bancos.

Encontrei esta selecção absolutamente maravilhosa de graffitis no mural que contorna o local da nova sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt.

Estes trabalhos ilustram um tempo - o nosso, e devem ser preservados como peças da nossa História que são.

Vénia ao BCE e à inteligência dos seus decisores. Tudo começou com o pedido de um artista de intervenção social, Stefan Mohr, para graffitar a vedação em torno da construção da nova sede. O BCE não só disse que sim, como disponibilizou 10 mil euros para a compra de painéis de madeira que foram afixados à vedação e sprays de tinta. Se te dão limões ...

A Stefan Mohr juntaram-se muitos outros, e o resultado é este que podem ver aqui.

Igualmente curioso foi o interesse demonstrado por bancos, banqueiros e gestores financeiros em comprar algumas destas peças. Ironia? Redenção? Suprema arrogância?

 

Um dos graffiti foi mesmo comprado por um multimilionário, mas dos computadores. Michael Dell levou para casa uma obra que evoca  Mario Draghi e Angela Merkel. Como 007 e Bond girl, respectivamente.

Quem disse que não há humor em toda esta espiral recessiva? Claro que há.

 

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por sparks às 00:40


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