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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Domingo, 01.02.15

A banalidade do mal. Hoje e sempre

Desde que vi o filme sobre Hannah Arendt que tenho vontade de escrever. Sobre ela, sobre o seu trabalho e sobretudo pela extraordinária contemporaneidade da sua história. O filme sendo biográfico, não é uma biografia da filósofa e jornalista.  Traz-nos uma uma Hannah Arendt, 10 anos depois de se ter tornado cidadã americana, e 20 anos depois de ter conseguido fugir do campo de concentração de Gurs. Corre o ano de 1961 e Hannah decide deslocar-se a Jerusalém para cobrir o julgamento do criminoso de guerra nazi Adolf Eichmann para a revista "The New Yorker". O trabalho daí resultante foi publicado em cinco partes e trouxe-lhe críticas e inimizades, nomeadamente (sobretudo) dos judeus que não lhe perdoaram o que interpretaram como falta de solidariedade com os seus. Esta é uma forma educada, demasiado talvez, para dizer que os judeus não lhe perdoaram a sua falta de judaísmo, entendida como uma fidelidade canina a uma visão única do Holocausto.

 

Em Jerusalém, entre os seus - aqueles que são mesmo, para cada um de nós, 'os nossos', os amigos, as pessoas de quem gostamos - Hannah Arendt não conseguiu deixar de ver e de pensar sobre o que via. E, durante o julgamento do alemão Adolf Eichmann, a judia Hannah continua a ver o homem, ou os homens. Eichmann testemunha o seu crime na qualidade de soldado que cumpriu ordens. Mandaram prender, ele prendeu. Mandaram matar, ele matou. Mandaram-no ser assim, e ele foi.

Não é um mal grandioso que se agiganta. Um monstro que imediatamente intimida por ser grotesco e terrível. Um ser na sua superior maldade.

Eichman é um tipo banal. Um tipo banal que cumpriu ordens. Um tipo tão normal como tantos outros que andam em transportes públicos, vão à padaria do bairro, talvez sejam colegas num trabalho qualquer, talvez sejam chefes ás ordens de outros chefes.

Nisto, Hannah viu a banalidade do mal, uma expressão que mudaria a forma como olhamos para o mal.

A mesma banalidade do mal que desconcertou judeus - não apenas porque, também alguns deles, foram actores dessa mesma banalidade pela omissão, mas sobretudo porque esta banalidade traz o problema do mal para a terra dos homens - deixa de ser uma coisa rara e suprema.

Volto ciclicamente a pensar neste filme a propósito da nossa vida banal de todos os dias. Voltei a pensar nesta semana em que se assinalaram os 70 anos da libertação de Auschwitz. Voltei a pensar nesta semana em que na televisão vi imagens da guerra na Ucrânia que me pareceram demasiado familiares aos filmes.

Não é o Holocausto. Não é um julgamento de um criminoso nazi. É 'só' a banalidade do mal na nossa vida de todos os dias. Que faz alguns fazerem coisas só porque alguém mandou. Que faz outros fazerem outras coisas porque se sentem infelizes, porque são incapazes ou simplesmente porque são portadores de uma qualquer deficiência moral. É com esse mal que convivemos tantas vezes no sítio onde trabalhamos ou no bairro onde vivemos. O mal de pessoas como as outras. Pessoas banais.

Por vezes tenho só pena - mas para evitarmos males maiores é melhor que façamos outra coisa qualquer.

 

 

 

 

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por sparks às 12:22


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