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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Domingo, 24.05.15

A vida sem pausa

24-7-2

 

A vida sem pausa é o título de um artigo escrito por Jonathan Crary, professor de Historia de Arte Moderna na Universidade de Columbia. É um texto premonitório de um livro obrigatório de ler: 24/7.

 

É um dos textos mais lúcidos que li nos últimos tempos.

Claro, transparente.

É um dos textos mais assustadores que li nos últimos tempos.

Negro, cheio de abençoadas sombras.

 

Não sou apologista de copy/paste e acredito que quem quiser - mesmo - lerá.

Por isso, aqui, faço apenas o papel de uma leitora privilegiada que deu com os olhos num texto que precisava de ser lido. Mas leiam, leiam.

 

Sobre a não interrupção, a ausência de um tempo 'fora' do mundo:

24/7 significa que no hay intervalos de calma, silencio, o descanso y retiro. Igualmente importante es que se trata de una condición de exposición y visibilidad permanentes, un mundo iluminado ininterrumpidamente en el cual nada de lo íntimo puede permanecer oculto o en el ámbito privado.

 

Sobre a bem-aventurança do sono (e do sonho):

El sueño es una interrupción intransigente del robo de nuestro tiempo por parte del capitalismo. Nuestro actual sistema económico mundial de mercados 24/7 y de producción y consumo incesantes es fundamentalmente incompatible con la pausa de inactividad del sueño humano.

 

Sobre o facto de o descanso ser demasiado caro para a economia global:

Un entorno 24/7 tiene la apariencia de un mundo social, pero en realidad es un modelo no social de conducta maquinal y una suspensión del acto de vivir que encubre el coste humano exigido para sostener su efectividad.

 

Sobre o trabalho:

24/7 es un tiempo de indiferencia, frente a la cual quedan al desnudo la fragilidad y la precariedad de la vida humana, y en el que el sueño no es necesario ni inevitable. Con respecto al trabajo, hace verosímil, incluso normal, la idea de trabajar sin pausa, sin límite.

 

Sobre o saque imparável:

Actualmente, en todo el planeta está teniendo lugar una frenética orgía ininterrumpida de saqueo y acumulación, ya sea la fracturación hidráulica, la minería del carbón, la perforación submarina, la agroindustria, el refinado tóxico de minerales o la contaminación de los océanos y los ríos.

 

Sobre a paciência e a democracia:

El sistema 24/7 también mina la paciencia y la deferencia individuales que son cruciales para cualquier forma de democracia directa: la paciencia de escuchar a los otros y de esperar a que llegue el turno para hablar.

 

Sobre filhos, família, futuro:

Para aquellos de nosotros que tengamos hijos, significa abandonar las expectativas imposibles y desesperadas de éxito profesional y económico que les imponemos, y proporcionarles en cambio visiones de un futuro habitable compartido colectivamente.

 

Se quiserem ler mais:

24/7: Late Capitalism and the Ends of Sleep by Jonathan Crary – review

 

 

 

 

 

 

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por sparks às 21:11

Sexta-feira, 22.05.15

Não é por ser meu filho

Time-spoof-cover

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(a capa da Time de 20 de Maio de 2013 e uma versão alternativa, fake se quiserem, com o ponto de vista de quem é chamado de narcisista)

 

Alguns dos que por aqui passam sabem que sou mãe. Quem me conhece bem, passe ou não por aqui, sabe que para mim esse é o papel principal da minha vida. Faça o que fizer, nada será tão importante quanto criar os meus filhos, acompanhar os meus filhos, viver vida-fora com os meus filhos.

E, como qualquer mãe ou pai, cometo erros, sou dada a avalanches emocionais, perco muitas vezes a objectividade. A frase 'não é por ser meu filho' é das mais sinceramente aldrabonas que conheço. Claro que é por serem nossos filhos, e claro que acreditamos que a nossa objectividade não é esmagada pelo amor incondicional que lhes temos. Essa sinceridade mentirosa só não a conhece quem não ama os filhos da maneira que os filhos se amam.

Como não acredito que haja 'amor a mais', isto que hoje escrevo é sobre outra coisa.

Não é sobre os nossos filhos - é sobre nós. Os pais, os que foram pais, nos últimos 20 anos.

A maternidade e a paternidade mudou. Em muitas coisas, mudou para melhor.

Noutras, tenho dúvidas.

E, sendo mãe de filhos adolescentes que em alguns anos estarão no mercado de trabalho, estou a passar uma fase especialmente bipolar. Em que olho como o mundo do trabalho irá receber os meus filhos, mas também como os meus filhos irão entrar nesse mundo do trabalho.

Esta manhã ouvi uma conversa enquanto tomava o pequeno-almoço num café. Duas mães de garotos de 10 ou 11 anos discutiam à exaustão o teor das provas de exame. Sabiam de cor as perguntas, as composições, o que era suposto sair. Indignaram-se com o esforço excessivo colocado às crianças. Aquele tema não era para uma criança de 11 anos, jurava uma delas. Não discuto o teor dos exames - já passei por aí, passo por outros agora. Tenho fama cá por casa de ser a má da fita. 'Achas sempre que os professores têm razão'. Não é verdade. Não acho. O meu filho já foi gamado à grande num exame. A minha filha já perdeu muitos pontos por dar as respostas certas pelo caminho não convencional. E, claro, 'não é por serem meus filhos', mas já me aborreci muito com isso.

Mas detesto vitimizações. 

E quando observo a entrada de algumas destas crianças-entretanto-jovens-entretanto-adultos no mundo profissional vejo demasiada vitimização.

Vitimização de jovem em empresa grande: ninguém me liga nenhuma, estou p'rá ali sozinho e sem qualquer acompanhamento.

Vitimização de jovem em pequena empresa: não me dão nenhum valor, nem qualquer oportunidade de mostrar que posso fazer a diferença.

Vitimização de jovem em startup: isto é uma desorganização, já não acredito no projecto, andam a fazer a não sei quantas coisas ao mesmo tempo.

Por aí fora.

Em casa, muitos pais indignam-se como quando eles tinham 11 anos e iam fazer exame de português.

"Não é por ser meu filho" mas aquela empresa não o merece.

As generalizações não são boas para ninguém. Há empresas que só exploram. Há empresas vesgas. Há empresas incapazes de formar qualquer pessoa, jovem ou menos jovem.

Mas, na maior parte dos casos, há empresas com a sua vida diária, o seu negócio a decorrer, e muitas prioridades a correr em várias pistas.

Que não páram porque o 'nosso' filho' entrou nos quadros. Que não o vêem como filho. Empresas para as quais é mais um - até provar que é diferente.

Esta nossa overdose de parentalidade não os ajuda em nada. Este mantra de és-tão-bom-tão-melhor-que-tudo faz com que muitos sejam incapazes de resistir à primeira contrariedade, ao primeiro não, à insuportável máxima 'do que tem de ser tem muita força'. Porque foram criados para não serem vencidos nunca, para não serem ignorados nunca, para não não-estarem em primeiro plano nunca. 

É pena. Muitos deles são de facto muito bons. A maioria beneficou de uma educação e de uma disponibilidade - emocional e material - de pais e da família como nenhuma outra geração antes teve. 

E porque lhes queremos bem, o melhor que podemos fazer é ... menos. E menos, ao fim de algum tempo, será mais.

 

next morning update:

Vale a pena ler este artigo. As coisas vistas pelos próprios. E esse facto consumado que é a adolescência prolongada. 

We millennials lack a roadmap to adulthood

 

E vale a pena ler este. Porque os miúdos que cresceram tratados como 'rockstars and princesses' não estão condenados a serem uns preguiçosos imprestáveis.

19 Months In the Me Me Me Generation

 

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por sparks às 00:15

Quinta-feira, 14.05.15

Pode devolver-me o meu clique?

Devia ser possível. Tal como devia ser possível fazer dislike e não apenas like e voto contra em vez de ter de escolher outro qualquer partido que nem nos interessa assim tanto como 'voto a favor'.

A caça ao clique assume proporções gritantes.

Editores, jornalistas, vendedores de publicidade, gestores de media, profetas da next big thing, estamos todos desesperados. E o desespero assenta-nos tão mal.

Trabalho num meio de comunicação digital. Onde as notícias e as não-notícias são medidas ao segundo. Qualquer um de nós, editor, sabe quase instantaneamente o 'que vai dar' e o que 'não vai dar'. É pior acertar do que não acertar. Porque é uma espécie de cheiro a queimado - não deixa dúvidas. E está a perverter o trabalho de muitos e bons jornalistas, de muitos e bons editores. 

Há meia dúzia de regras básicas e estamos todos, aparentemente, a achar normal sermos avaliados por essas regras.

O título tem de criar suspense. Porque o suspense leva ao clique. Por exemplo: saiba como se chama a nova princesa. Não interessa nada. É um fait divers de página cor-de-rosa promovido a notícia de primeira linha. Mas convém que o título seja 'saiba como se chama a nova princesa' ou algo parecido. E não algo estupidamente óbvio como a nova princesa chama-se Charlotte Elizabeth Diana.

Um conteúdo - note-se, conteúdo, não artigo - ganha outro interesse - leia-se comercial / audiência - se puder ser desmultiplicado em lista. Se a lista puder ser ilustrada em galeria de fotos, melhor ainda. E assim temos as 15 coisas que nunca deve dizer ao seu filho e as 10 coisas que deve sempre dizer ao seu filho, bem como os 20 alimentos que lhe salvam a vida e os 15 alimentos perigosos para a saúde. Tudo gráfico: uma imagem, um título, uma legenda, explicações breves, tantas vezes parcas e incompletas, mas completamente ajustadas à atenção disponível desta nova espécie que andamos a treinar, o leitor online.

E, claro, há o preço. A cotação no mercado online mede-se em RPM - Receita por cada mil cliques. Se o RPM for de 2 euros numa determinada campanha, significa que 1000 leitores valem 2 euros.

Se o RPM foi de 9 euros, valem 9 euros.

Caro leitor, você não vale nada feitas bem as contas!

Um bom artigo - leia-se com boa audiência e não gerado por mera caça ao clique - pode valer, num meio mass market, 3 mil views, 5 mil views, 10 mil views. Na melhor cotação, vale no máximo, 90 euros.

A sério?

Queremos mesmo perpetuar nestes parâmetros os erros primordiais de um tempo que não sabia o que a internet iria trazer? Ou temos alguma inteligência restante para perceber que já é tempo de mudar regras antes de termos um mundo (ainda mais) inundado de parvoíce, superficialidade e mera caça ao clique?

 

Update a 14 de maio

 

Há dois dias escrevi sobre a imbecilidade e o embuste que se vive no reino digital. Ontem recebi várias mensagens sobre o assunto. E é curioso perceber que a maior parte das pessoas não percebe que - comercialmente - vale muito pouco para os anunciantes ou para as agências que negoceiam por eles. Se 1000 cliques valem 2 euros, cada um destes cliques vale ... 0,002€. Que os conteúdos valham pouco e que a malta que os produz ande à rasca há mais de uma década, é uma coisa; que todos nós, porque todos somos leitores, valhamos muito pouco, é outra. Não sei, mas de repente pareceu-me que se calhar devíamos falar mais desta perspectiva para ver se 'isto' deixa de ser um problema dos coitados-palermas-tinham-a-mania-que-eram-bons dos jornalistas.

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por sparks às 00:51

Quinta-feira, 07.05.15

Uns são novos há mais tempo, outros há menos. É só essa a diferença.

image

 

Vir aos Prémios Novos é óbvio. Por causa do Alvim, por causa de todos os 'Novos' que aqui se encontram, pela carolice, pelo modo feel-good do evento.

Vir aos Prémios Novos e ouvir o Júlio Isidro a falar de televisão, de talento, dele próprio com ironia, humor e muita sabedoria é um grande bónus.

Vir aos Prémios Novos e ainda fechar a noite com a Mariana Mortágua é um twist de mestre. E a prova que isto anda tudo ligado.

 

Tudo sobre os Prémios Novos aqui: https://m.facebook.com/PremiosNovos

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por sparks às 01:05

Sexta-feira, 01.05.15

O mundo do trabalho está em burnout.

samba

 

Burnout. Há cerca de três semanas li um artigo da Visão sobre pessoas que fritam. Fritar, como o próprio artigo refere, é o português coloquial para esgotamento, implosão, explosão. Li o artigo e, na realidade, não o li. Passei os olhos, incomodada. E desviei os olhos, acossada por um qualquer pressentimento que ler o artigo do princípio ao fim me deixaria preocupada, irritada, deprimida. Esgotada.

 

Samba. Na mesma semana fui ao cinema ver "Samba", um filme francês da mesma dupla que realizou "Amigos Improváveis", Éric Toledano e Olivier Nakache. Conta a história de um, mais um, dos milhares de imigrantes que procuram na Europa a miragem de dignidade que lhes é negada pela miséria, pela guerra ou estas e outras combinações, todas de sinal negativo. Foi um Samba senegalês, um calmeirão de sorriso aberto, um bom tipo, que atravessou uma noite qualquer minha de semana e me deixou desde então sem conseguir racionalizar a nossa irracionalidade. Um Samba que se cruza no filme com uma Alice francesa, branca, trabalhadora 'qualificada' de uma qualquer multinacional que fez burnout. Os dois juntos encarregaram-se de me tirar do meu sossego. A carne dele e o espírito dela, ambos tratados como commodities sem valor especial. A força dele, a força do músculo dele, a única que os empregadores vêem. De resto, a invisibilidade. A mesma invisibilidade que assalta salas de reuniões e gabinetes cheios de civilização e de tecnologia e que um dia levam alguém a partir um telemóvel na cabeça do colega. (Alice fez burnout ao partir um telemóvel na cabeça de um colega)

 

Dias nisto.

E dias depois mais de 800 pessoas foram ao fundo. Literalmente.

E no dia a seguir ao maior naufrágio de sempre no Mediterrâneo, li a história de várias mulheres que tiveram de espremer as mamas para provar que não estão a falhar com as suas obrigações laborais. Em Portugal.

Hoje é  Dia do Trabalhador, ainda não rebaptizado para Dia do Colaborador (nem vos sei dizer o quanto a expressão colaborador me dá urticária ... pessoas que colaboram em vez de pessoas que trabalham, define de certa forma bem o que algumas empresas esperam do ser humano). E na semana que antecedeu o Dia do Trabalhador, os protagonistas foram os senhores de um sindicato e de uma empresa que, na sua elevadíssima superioridade, são a prova material da irrelevância dos sindicatos no século XXI.Tão artificiais e datados como os posters que anunciavam companhias aéreas com os rapazes e as raparigas sorridentes e fardados a rigor. Enquanto se comportarem como se o mundo tivesse parado no pós-guerra e no boom de qualidade de vida dos anos 60, são apenas parte do problema e nada contribuem para a solução. Só têm direitos - os seus direitos. Não são melhores do que aqueles que dizem que os portugueses estão pior, mas o país está melhor.

O mundo do trabalho está em burnout.

Burnout a precisar de samba.

 

P.S - Não deixem de ouvir a banda sonora do filme Samba. Fiquem com este clip para abrir o apetite.

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por sparks às 11:44


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