Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
A RTP exibiu esta manhã uma reportagem sobre os emigrantes. Vem a jeito do 10 de junho. Vem a propósito do Dia de Portugal. A reportagem está bem feita. Na preguiça da manhã que corre devagar deixei-me ficar com o comando na mão mas sem trocar de canal. Os emigrantes estão na Suíça. A vida ali é diferente, garantem. "Não podíamos levar aqui a vida que levávamos em Portugal". Qual vida? A vida de casa-trabalho e um bónus ao fim de semana com um passeio em família. "Ao centro comercial?", pergunta a jornalista. Sim, confirmam, ao centro comercial. Fico sem saber se essa era a 'boa vida' versus a vida dura no estrangeiro. Fico sem saber se é uma vida melhor ou pior, a que agora têm. Mas sei que não tencionam voltar - "Portugal só é bom para férias e mesmo assim não pode ser muito tempo". Ganham sete vezes mais na Suíça. Os filhos gostam da Suíça.
Outros emigrantes estão em Angola. Já pensaram voltar a Portugal, mas a troika fê-los desistir da ideia. Para os próximos quatro ou cinco anos também não querem ter ideias dessas. Angola dá-lhes 'a estabilidade que Portugal lhes tirou'. Angola dá-lhes estabilidade. Vivem bem. Têm emprego. A mulher da família descobriu uma oportunidade de negócio em Angola. O homem da família até gostava de abrir um negócio dele em Portugal - mas Portugal não está para isso.
Outros emigrantes voltaram. Um dos que vejo na reportagem foi para Inglaterra e voltou. É professor primário. Portugal continua na mesma, diz. Mas ele não estava disposto ao esforço que Inglaterra lhe exigia numa escola em que se falavam 32 línguas.
A reportagem fala ainda dos portugueses felizes. Um dos investigadores chefes da Fundação Champalimaud. Ou outro chef, o Kiko Martins, que já correu mundo - porque quis, não porque precisou. São portugueses felizes porque podem escolher. Poder escolher é uma grande felicidade. Há portugueses que podem escolher, que Portugal não está a tratar bem, e que ainda assim aqui ficam. Conheço vários. Sou um desses em alguns dias mais cinzentos de humor. Mas ainda assim, sabem que podem escolher. Poder escolher é uma enorme felicidade.
Mas aquilo que me faz falta é sentir essa saudade. A saudade do cheiro, da comida de tacho, das sardinhas assadas, do clima, das varandas, até das marquises. A saudade da língua, dos palavrões, dos trocadilhos nacionais que são um segredo só nosso. A saudade de vir ao Porto e dizer que não há gente como a nossa. A saudade dos lisboetas, mesmo dos queques e cocós, e do seu orgulho na capital mais luminosa do mundo. A saudade dos espirros que anunciam a Primavera, das cerejas vendidas na rua, do dia da espiga que anuncia o bom tempo. A saudade do cheiro a praia quando o verão se aproxima, a saudade da terra molhada quando o outono entra. A saudade dos dias de chuva quando chega o Natal, de descer o Chiado sem chapéu-de-chuva em dia de chuva. Saudades do meu bairro, da praça, do senhor Sadik dos legumes e do senhor Alcides do talho. Saudade da minha praia, do nosso Alentejo, das Beiras da minha avó.
Gostava de sentir esta saudade. De a experimentar, pelo menos. De me sentir mais portuguesa porque sinto falta de tudo isto que é Portugal. De ter a certeza que sou parte disto e não apenas que nasci, cresci e vivo aqui. Nos dias que não são de Portugal tenho dúvidas frequentes, não estou segura que este país seja para todos que cá estão e menos ainda que a maioria dos que cá estão seja o meu país. Gosto de tanto e desgosto de outro tanto. Se calhar é assim em todo o lado. Os países são mais que a soma dos sabores, cheiros e manias comuns. Os países são memórias e por isso são também são sabores, cheiros e manias. Mas não só. Gostava de saber o que são saudades de Portugal, mas detestava ter saudades dos portugueses de quem gosto.Todo este Portugal está nas pessoas de quem gostamos. As pessoas de quem gosto são o meu país. Com elas até acho que fazia um país novo. Sem elas qualquer sítio é inóspito. E essa saudade ninguém merece. E não, não é a mesma coisa de quem vai ali e já volta.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.