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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Segunda-feira, 27.07.15

Para Londres com amor

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Onde é que nos sentimos em casa? Nos últimos tempos, esta tem sido uma pergunta que me zurze. Casa é casa. A nossa. A da mãe. A da avó. A dos amigos. Mas é mais que isso. Casa é onde estão aqueles que são a nossa vida  - e isso dá-nos hoje, mais do que nunca, uma liberdade enorme, tão grande como a angústia de sabermos que o mundo se tornou mais pequeno e que é mais fácil ir embora. Nunca emigrei e nunca pensei em emigrar. Aqui e ali pensei em trabalhar um certo tempo fora de Portugal - continuo a achar que não é a mesma coisa que emigrar.

Londres é a cidade que mais gosto a seguir à minha. Foi a primeira cidade que levei os meus filhos - bebés - a conhecer. Foi a primeira capital em que me senti em casa desde o primeiro momento. Love at first sight. Tudo correu sempre bem. O frio gelado, o calor que não se aguenta dentro de portas, os pubs das 5 da tarde, os pubs das 9 da noite (não são os mesmos), as ruas cheias, os parques onde se todos se espraiam, a música, as artes, a história, os mercados, os livros, o cheiro de comida de rua antes da comida de rua ser moda. E, claro, os ingleses. E os holandeses, e os alemães, e os franceses, e os vietnamitas, espanhóis ou tugas como eu que ali se encontram no babel mais caseiro que me foi dado a provar. É assim há 25 anos (bolas, 25 anos é imenso tempo!).

Há menos de um mês regressei uma vez mais a esta casa. Londres nunca foi turismo e, desta vez, pela primeira vez, algo me fez sentir uma quase-turista. Andei a digerir esta sensação incómoda e, como geralmente me acontece, as respostas foram chegando em capítulos como que previamente escritos.

Londres está cheia. Muito cheia, quase irrespirável em certos momentos. Londres sempre esteve cheia, certo? Se calhar sou eu que estou a mudar. Londres está densa. Se calhar foi do calor, afinal estive lá na semana mais quente do ano até à data. Londres está cara, muito cara e mais tentadora que nunca. Não é justo. Uma cidade de milionários e de solitários; qualquer combinação acima de 1+1eventual é wallet damage. Se calhar apenas esta portuguesa ficou mais pobre (de certeza).

Ainda não refeita desta espécie de pequeno desgosto amoroso, estive, uma vez mais, em Oxford e em Bordéus. Não foi uma primeira vez em qualquer uma. Sempre me comoveram e sempre me deixaram a pensar no 'what if'. À semelhança do que nos acontece com algumas pessoas. Mas desta vez foi diferente. Desta vez foi aí, em cidades separadas pela história, pela língua e por centenas de quilómetros, que respirei. Não importou o calor, ou mesmo o preço de um café. Foi tão bom cruzar as ruas, foi tão bom ser fácil conversar com o inglês da loja de chocolates e com o francês do restaurante vietnamita. Foi tão bom ter caminho livre, desimpedido, não nos perdermos de vista, mesmo quando nos perdemos de vista.

Cheguei a Lisboa e tinha à minha espera uma entrevista do Pedro Gadanho, curador do MoMA de Nova Iorque até há um mês. Cidade que largou para voltar a Lisboa onde será o director de programação do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT). E foi a cidade que ele largou, mais que o MoMA, e menos ainda que a sua carreira (e como sabe bem ler pessoas que se importam com o que fazem e como vivem mais do que com as oportunidades de carreira). Deixou Nova Iorque por estar cheia, diz ele, por estar suja, por ter ruído, por a vida se perder nos minutos que esse monstro chamado vida moderna devora.  If you can make it there ... talvez não.

Dias depois reencontro uma amiga que se encontra a viver em Washington. Uma amiga in love with Washington, com o seu cherry blossom, a cidade que cheira bem, onde a vida não é lenta mas não tritura. Tão perto de Nova Iorque que conseguimos provar o seu bom veneno e estar de volta antes de nos asfixiar. 

Dias depois, o meu filho mais velho lança a discussão em casa: Londres ou Copenhaga? Erasmus à vista daqui a pouco mais de um ano e uma mãe que nunca pensou hesitar perante esta pergunta.

Ainda não tenho resposta para o que torna uma cidade a nossa casa (além da cidade que é realmente a nossa casa). Talvez seja mesmo pessoal e intransmissível - provavelmente é. Há quem diga que depende do que se vive num espaço e num tempo. Mas não é disso que falo, é outra coisa. Aquela coisa que se sente logo se chega e que inexplicavelmente nos diz 'tu és daqui'. Sem necessidade de piropo nem pós-produção. Nos dias que correm, Porto é a cidade que me faz sentir em casa - lucky me, estou a 300 quilómetros. Devolve-me esse sentimento de encaixe a cada visita que faço, aquela coisa de dizermos 'eu pertenço aqui'. Mas por estes dias podia pertencer a Bordéus ou a Oxford, muito mais que a Londres ou Paris, o que na minha natureza é, no mínimo, estranho. 

As cidades da nossa vida são como os amores - alguns para sempre, outros não. Londres é para sempre, mas como nos amores maiores, às vezes é preciso dar um tempo. Para Londres, com amor.

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por sparks às 18:42

Segunda-feira, 13.07.15

A máquina não gosta de gatos

Em política, o que parece é. E quando a Alemanha impôs que a Grécia entregasse 50 mil milhões de euros das receitas geradas por privatizações de bens gregos a uma entidade por sua vez gerida pelo seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, o que pareceu, foi aquilo que realmente aconteceu. Não foi uma humilhação. Não foi uma submissão. Foi o fim de uma ideia de Europa com a qual a minha geração cresceu. Essa Europa acabou. Ponto final.

Sobre este fim tão anunciado, podemos tecer várias considerações que à lei de tão consideradas se tornaram banais. Não, a História não produz efeitos futuros. Sim, a memória dos povos fica, no seu pior, e vai-se, no seu melhor (lembramos os ódios, esquecemos como os vencemos). 

Enquanto decorriam as derradeiras horas do encontro do Eurogrupo, um amigo escrevia, em reposta a um post que publiquei, que 'a máquina não gosta de gatos'. A máquina é a Alemanha, os gatos são uma espécie traiçoeira produzida pelos gregos. Fiquei a pensar na expressão e em tudo o que significa.

A máquina não gosta de gatos. Pois, terá razões para isso. O que retira à máquina legitimidade moral para ter alergia aos gatos é, uma vez mais, a História. Neste caso,a  História destes últimos 20 anos de União Europeia liderada pela Alemanha. 

Se descontar aquilo que a História nos lembra e que nós esquecemos, não é difícil perceber os alemães no seu papel de credor ou de putativo credor-mor. O Estado grego - não os gregos - falhou. Vez atrás de vez. Falhou reformas, falhou pagamentos, falhou com a palavra. Não é digno de confiança numa avaliação moral - e factual.

Logo, esgotada qualquer confiança, há que obter garantias que desta vez será diferente. Os 50 mil milhões sob gestão externa são essa garantia. Os 50 mil milhões sob gestão da Alemanha de Schäuble passam a ser outra coisa.

Mas continuemos na linha de raciocínio. O Estado grego está longe de ser um exemplo que possa orgulhar os gregos. Mas não está sozinho. Portugal não é a Grécia? Ah, podem crer que é. Muito mais do que os coros afinados são capazes de admitir. Menos audaz na mentira e na fraude - aquela coisa portuguesa de ter respeitinho, cuidadinho e outros 'inhos' ajudou que alguns embustes fossem bem menores - mas, na mesma, cheio de compadrios, privilégios eternizados, combinações de compinchas à volta de um mesmo tacho. O tacho da riqueza que se produz em Portugal e o tacho do dinheiro que a Europa mandou para cá anos a fio.

Ao longo destes 30 anos, não só se sucederam as pequenas fraudes diárias, como se adiaram de ano para ano as ditas reformas estruturais que tornariam a Europa económica e social mais igual entre si e que transformariam o projecto europeu num verdadeiro roteiro de progresso e desenvolvimento. A máquina deu-se bem com os gatos. Recebeu-os em sua casa, afagou os costados à maioria e, não menos importante, fez negócio e ganhou dinheiro com a gataria. Até perder. E os gatos só passaram a ser um animal destestável quando a máquina perdeu dinheiro. Aí foi decretada oficialmente a alergia do reino europeu aos gatos e o remédio para o seu extremínio ou, no mínimo, castração.

O problema da Europa nunca foi financeiro. Menos ainda num tempo em que o dinheiro se tornou uma suposição, uma presunção, mais do que uma evidência. O problema da Europa -e  muito em concreto o problema dos gregos e dos portugueses - foi sempre e antes de tudo social e cultural. Era para isso que precisávamos da Europa. Para fazer uma profunda transformação em sociedades que herdaram pobrezas e pensamento limitado de geração em geração. Sociedades com elites fracas, podres, mesquinhas. Sociedades que precisavam do sopro de quem há mais tempo vivia melhor e em liberdade - aquela liberdade que só temos quando não precisamos de dizer que sim quando é não apenas para sobreviver.

Gerida como um projecto financeiro-contabilístico-oportunístico, a grande Europa diluiu-se nas misérias nacionais. Foi cumplíce dos miseráveis. Extorquiu e pactuou com uns e com outros. 

Na Grécia, como em Portugal, o que era continuou a ser. Os Schäubles da máquina, que de forma tão exibicionista crucificaram Tsipras e a sua tribo, foram gatinhos fofinhos com toda uma corte de políticos que desfilaram no pelourinho das soberanias nacionais. Não sentiram um ímpeto moralista com os governos de Cavaco Silva. Frau Merkel adorou conviver com o governo de Sócrates. O mesmo com socialistas e sociais democratas da Grécia.Tudo estava bem enquanto a máquina facturava.

No reino dos gatos, também tudo corria bem até correr mal. Umas escaramuças aqui e ali, mas enquanto o dinheiro correu, a moralidade ficou na despensa. Esta é a nossa grande responsabilidade - de portugueses e de gregos. Os políticos que nos crucificaram, como Schäuble crucificou Tsipras, são aqueles que nós escolhemos. Porque enquanto sobraram umas migalhas aqui e ali, e o banco emprestava dinheiro barato, e havia aumentos na Função Pública, tudo estava bem. Lá íamos votar ao domingo com aquele espírito de 'voto e aproveito tomo uma bica', de vez em quando lá vinha o voto da pequena raiva porque este ou aquele gajo mexeu com o queixo destes ou daqueles, mas, feitas as contas, quisemos sempre mais do mesmo, porque já sabemos com o que contamos e somos um povo que gosta da ordem e de não fazer farinha.

Na Grécia, não foi diferente. Os mesmos, com os mesmos tiques, e um mesmo povo que enquanto houvesse pão e vinho dançava à mesma música.

Os países da Europa rica também erraram. Também tiveram políticos corruptos. Também falharam metas. Mas, et voilá, nessa Europa que hoje, dia 13 de julho, é a Europa dos outros, erraram menos em causa própria. Enquanto em Portugal e na Grécia se faziam arranjos e arranjinhos para benefício de poucos e a serem pagos pelos impostos de muitos, noutras paragens fazia-se exactamente o inverso. E é por isso que Angela Merkel reuniu tanta unanimidade entre os alemães - a máquina ataca quem está fora e protege quem está dentro. 

Era por isso que precisávamos de uma Europa. De uma Europa dos bons. De uma Europa liderada por homens e mulheres generosos, com sabedoria, orientados para algo maior do que eles.

Portugueses e gregos, e não o Estado português e o Estado grego, foram entregues à fera para que nos devorasse. Com juros, com salários e, no fim do dia, com a própria carne.

Shylock está no meio de nós. Adeus, Europa.

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por sparks às 20:30


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