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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Sábado, 12.12.15

E tudo estaria bem, se não fosse a maldita internet

Há muito tempo que não escrevo aqui no blog, mas hoje vai ter de ser. E sei que está sol e que é altura de compras de Natal, mas ainda assim espero que alguns leiam. 


Nas últimas duas semanas voltaram as notícias de despedimentos nos jornais. Todos nós, jornalistas, sentimos um aperto no coração, pensando nas pessoas que conhecemos, com quem trabalhámos lado a lado, ou aquelas que apenas lemos ou com quem tomámos um café numa conferência de imprensa. Pessoas como nós, que escolheram como profissão informar e ajudar, através da informação, as outras pessoas a tomar melhores decisões, decisões informadas. É por isto, muito por isto, que o jornalismo é e deve ser serviço público.


Nos dias que se seguiram as estes anúncios de despedimentos, multiplicaram-se posts sobre a sucessão de erros, o facto de serem sempre os jornalistas a pagar a factura de um negócio que está em mudança há 20 anos. Um negócio cujas regras mudaram perante o imobilismo dos principais decisores, sejam eles empresários ou jornalistas em lugares de decisão. Muitos podem fazer de conta que não se lembram, mas eu tenho idade suficiente e tempo de trabalho na profissão suficiente para me lembrar de todas as razões que ouvi serem invocadas para ‘não nos preocuparmos com a internet’. Também ouvi todas as razões pelas quais devemos é ‘proteger’ o papel - que, já agora, são as mesmas pelas quais agora devemos é ‘proteger’ a televisão. Claro que à medida que os anos foram passando, as audiências, as pessoas para quem produzimos informação, foram se transferindo mais e mais para sites, redes sociais, agregadores. Mas continuou a não se passar nada. E agora, que se passa alguma coisa, é uma espécie de esquizofrenia do share e do click que nos leva vertiginosamente, e numa base diária, para o abismo.


Porque é que é, tem sido e pode assustadoramente continuar a ser, tão difícil enfrentar a mudança e pensar em soluções alternativas?
Em primeiro lugar, esta espécie de resistência empedernida não é só nossa - é património global da indústria. Claro que se sente mais numa país pequeno, com menos dinheiro e com menos pessoas a valorizar a informação. Mas o problema é global.
Mas, na essência, está o desenho de uma indústria e o status quo de um conjunto de pessoas.
A indústria de media da era do papel e da era da televisão é cara. Envolve grandes investimentos, seja no papel e na gráfica, seja em equipamentos e tecnologia. Para se sustentar precisa de bastante dinheiro - e esse dinheiro era sobretudo obtido através da publicidade.
Por sua vez, a publicidade foi vendida - ainda é, se olharmos para a forma anacrónica como se avaliam audiências de televisão - a partir de métricas extrapoladas. Por amostra, por dedução. O que na realidade permitiu durante anos uma adaptação ou manipulação, como queiram, dos preços à medida das necessidades. Como dizia um director-geral com quem trabalhei e de quem guardo boas memórias, tudo depende da pergunta que se faz primeiro. Se quanto dinheiro há disponível no mercado para este projecto ou quanto dinheiro me custa este projecto. Muita coisa se define a partir daí.


E tudo estaria bem, se não fosse a maldita internet.
A maldita internet e as suas métricas, a sua informação ao detalhe, a sua mania dos pormenores.
Tudo estaria, no caso português, ainda melhor, se não fossem esses malditos gigantes como o Youtube e o Facebook e a sua maldita capacidade de atrair pessoas, muitas pessoas, e depois vender as informações sobre os seus utilizadores a todo o mercado anunciante … a um preço muitas vezes imbatível para quem tem tantas contas para pagar como os grupos de media.


Ironias à parte, há várias considerações a tomar em linha de conta.
1. Os grupos de media foram construídos a pensar numa indústria de media diferente. Essa indústria precisava de mais pessoas, em todas as áreas. Não me é óbvio que hoje sejam precisas menos pessoas - eventualmente sim. Mas é óbvio que são precisas pessoas com competências diferentes e provavelmente são precisas áreas de trabalho diferentes nos grupos de media (quantos grupos de media têm área de data journalism em Portugal? com quantas pessoas? quantos têm uma equipa de design especializada em visualização de dados? com quantas pessoas? quantos têm equipa de pesquisa em temas que ultrapassam a espuma dos dias? com quantas pessoas?)
2. A postura de excitação com o digital é tão má quanto a postura de negação do digital. Na primeira, surgem os oportunistas de serviço que não falam sequer de informação - são as pessoas do ‘dá click’ e do isto tem de ser ‘fun’. Ainda neste grupo da excitação, temos outra tribo, a que vende o jornalismo em pastilhas digitais. É só tomar este algoritmo três vezes ao dia e teremos um negócio florescente de media. Se o futuro dos media passar por aqui, Houston we do have a problem. Na segunda, a da negação, surgem os velhos do Restelo - o do antes é que era bom, eu cá não escrevo para o online e tenho mais que fazer do que perceber como é que o meu trabalho pode chegar a mais gente, esse é um problema dos ‘outros’.

3. Desvalorizar o digital não vai salvar ninguém e, no limite, vai fazer com que todos percam. Não salvou os jornais - que sistematicamente desvalorizaram o digital e que ainda hoje, quando vendem em bloco papel e digital, insistem em que o papel deve ter mais valor. Não vai salvar as televisões - que estão a fazer exactamente o mesmo que os jornais, ou seja, a vender por tuta e meia a sua presença no digital em troca de manter o status quo desse produto premium que é a televisão. Mais uma vez, é um tema de indústria, a televisão custa mais dinheiro a fazer e deve receber justo retorno para isso - apenas o caminho não é consegui-lo através da desvalorização do digital, mas sim através de uma estratégia integrada que faça sentido.
4. O jornalismo tem de ser melhor. Essa é a falha dos jornalistas. Ontem, o Paulo Querido escreveu um texto na newsletter Hoje.li sobre este tema. E falava do jornalismo de repetição e do copy/paste ad nauseum. Tem razão, pode custar a muito boa gente, mas a maior parte das redacções está concentrada em apenas copiar e copiar e copiar. Algum copianço não faz mal? Não, e inclusive faz parte, num mundo em que se multiplicam fontes. É possível afirmar um meio de comunicação apenas com copianço? Não, não é. Tal como o cábula deixará de ter boas notas se o tipo que é bom aluno não deixar que copie por ele. E, se a indústria como um todo não se repensar - e eu acredito que isso vai acontecer - nem os bons alunos, os tipos inteligentes, ficarão. Ai sobrará o vácuo para ser partilhado, ou a cabotinagem social. E não seremos salvos pelo Facebook e pelo Youtube - a não ser que à excepção das discussões da rede de amigos de cada um de nós, não nos importemos de apenas consumir informação internacional que sobreviva.
5. Os modelos de financiamento dos media devem ser um tema de discussão pública alargada. Também esta semana, no blog Ponto 3, o João Marcelino criticou o que designou de jornalismo de interesses. Os jornais que surgiram ou que se mantém apenas e tão somente como veículo político. Se é apenas e tão somente esse o objectivo, e tem sido em vários projectos, não vislumbro grande sorte. É sempre uma questão de tempo. Mas não me choca saber que um jornal tem este ou aquele investidor, que tem este ou aquele interesse político. Há uma diferença entre tomar partido e ser manipulador - e tomar partido de forma transparente é uma premissa de vivermos em democracia.

Isto foi tudo escrito num dia em que finalmente consegui ler um artigo do João Dias Miguel, publicado na Visão de dia 22 de outubro deste ano. Chama-se “Infotráfico, quando a presa somos nós” e é dos melhores trabalhos que li nos últimos tempos, seja de fontes portuguesas ou internacionais.
É um trabalho sério, bem escrito, bem documentado, bem pensado e que, passe a redundância, deu trabalho. É um trabalho sem cópia.É também um trabalho incopiável, pelo menos para preguiçosos, porque o João Dias Miguel não deu autorização para que fosse publicado na íntegra online. Mas isso é por outras razões e se querem saber quais deviam mesmo ler este artigo, a todos os títulos excepcional. (existe um PDF publicado por uma sociedade de advogados, mas que, atendendo à vontade expressa do autor de não ter o artigo integral no online, decidi não incluir aqui. Ainda que na internet, todas as avenidas sejam curtas).
Tivéssemos nós mais disto e os media teriam menos crise e mais leitores. Como dizia um dia o João Ramos de Almeida, “achas mesmo possível que redacções com dezenas de jornalistas não consigam, no mínimo, produzir uma peça original, própria, com relevância, por dia?. Não. não acho.

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por sparks às 14:25


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