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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
Hoje de manhã tive uma discussão feia com uma colega da qual gosto. Somos muito diferentes - em alguns casos diria diametralmente opostas - mas temos uma espantosa capacidade de nos entendermos em determinados territórios. Ela dirá de mim que tenho a mania de ser 'subtil', eu direi que ela é 'hard selling', os detractores de uma dirão que a inteligência requer (alguma) subtileza, os detractores de outra dirão que os tempos são de resultados rápidos. Todos terão alguma razão. Mas aquilo que importa nesta história é outra coisa.
Na semana passada, li sobre uma espécie, 'o profissional enraivecido'. Sempre em fúria, sempre em contra-relógio, sempre em estado de 'cobrador de fraque' face a um mundo incompetente para as suas ambições e provas dadas. Assustei-me deveras com o retrato. Este homem (ou mulher) está sempre à beira da crise cardíaca. Pior, coloca os outros à beira da crise cardíaca. Medo. Passou-me pela mente todos os profissionais enraivecidos que conheço. Passou-me pela mente as vezes em que fui uma profissional enraivecida (sim, também já fui).
O profissional enraivecido - desculpem gestores medalhados - traz pouco ou nada àqueles que lhe pagam o ordenado, àqueles que chefia. àqueles que negoceia. Faz muita espuma, como diz o meu espírito santo de orelha. Mas enxuta a espuma, resta muito pouco. Sobram décibeis a mais, uma gesticulação feroz e cansativa, uma expressão facial amarrotada ... e pouco mais. O profissional enraivecido é um cansaço.
Mas, surpresa, o profissional enraivecido é uma espécie apreciada e até documentada nos perfis de recrutamento. Porque é agressivo. Porque é determinado. Porque não contemporiza com dias maus, sentimentos à flor da pele, ideias que não são números.
Passamos dois terços do nosso dia a trabalhar. Estamos mais tempo 'na empresa' do que em casa, em família, ou simplesmente sós, connosco próprios. O 'trabalho' não pode ser um campo de batalha. O 'trabalho' tem de ser um espaço de criação, de cultivo, de resolução de problemas. Gastar o nosso tempo - e o dos outros - a esgrimir argumentos que deveriam estar no divã da psicanálise, na caixa do ansiolítico, no saco de boxe ou, se tudo tivesse corrido pelo melhor, lá atrás, na nossa infância e adolescência, é um enorme desperdício de vida.
A minha discussão de hoje de manhã acabou num amigável 'desculpa lá aquilo' ainda a tarde não tinha chegado ao fim. Um 'desculpa lá aquilo' simultâneo, mútuo, bem cimentado com um sorriso e uma careta daquelas que as miúdas fazem bem e até um aperto de mão 'à homem'. Ambas temos uma vida ali, conjunta, em que nos debatemos por objectivos comuns. E por isso ambas sabemos que, na realidade, se uma ganhar, ganham as duas. Ah, e ambas temos vida fora daquele sítio onde nos encontramos todos os dias para trabalhar num mesmo projecto. Parece-me que isso deve ajudar muito.
E agora vou ler mais umas páginas do meu livro de cabeceira. Alain de Botton e "As alegrias e tristezas do trabalho". Nem de propósito.
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