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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
É humanamente impossível não gostar de Copenhaga. Para quem conseguir imaginar uma cidade a sorrir, Copenhaga é o retrato perfeito. A cidade sorri desde que primeiro minuto. Há um ambiente de pessoas felizes com a sua vida. O senhor da estação que nos indica que autocarro apanhar está feliz na sua vida, a empregada asiática do teatro que limpa casas de banho está feliz na sua vida e canta enquanto limpa sanitas e lavatórios, na rua existem magotes de pessoas felizes no nosso caminho - estudantes em viagem de finalistas, avós atléticos, mães de família com carrinhos de gémeos a triplicar. As mulheres são muito bonitas, as mais novas e as mais velhas. Não me lembro de uma cidade com mulheres over 70 tão bonitas. Bonitas e felizes, não sei se a ordem dos factores altera ou não o resultado, ainda que suspeite que sim.
Neste ambiente, tudo convida a ser feliz e a usarmos de nós o melhor que temos para ser feliz. Ou o que nos faz mais falta para ser feliz noutros espaços. Em Copenhaga o que me fez mais feliz foi a liberdade. Foi a primeira cidade que conheci de bicicleta e foi uau. Uau mesmo. Estou longe de ser uma habilidosa em cima de duas rodas, mas o contágio aqui é inevitável. Os dinamarqueses de Copenhaga - e por inerência todos os que por cá ficam - fazem tudo em cima de uma bicicleta. Falam ao telemóvel, passeiam de mão dada, conduzem filhos (plural, não singular) em atrelados, fazem as compras do dia ou da semana, levam equipamento de golfe a caminho do green e até lêem uma página ou duas enquanto o sinal não fica verde.
Andam rápido para caramba. Novos, velhos, magros, gordos, aperaltados ou freaks. Todos conduzem a sua vida numa bicicleta.
A confiança foi tanto que conseguimos inclusive 'largar' os adolescentes pela cidade nas suas bicicletas, escolhendo o seu roteiro, usando a sua liberdade. Tudo com menos de 24 horas de conhecimento da geometria e deu espantosamente certo. Nós também pedalámos Copenhaga fora. Do bairro latino latino, ao Nyhavn, casa da ópera, conseguindo-nos perder até Christiana, o bairro de leis próprias de que tanto fala quem vem à cidade. Aqui não se tiram fotos, não se fala ao telemóvel e passeia-se calmamente a bicicleta pela mão. No ar cheira ao que esperávamos que cheirasse sabendo que se trata de uma zona de venda livre de drogas leves. Na realidade, é só um bairro hippie que fez um freeze a esse tempo no meio de uma cidade que continuou com as suas modas, umas atrás das outras. Não é um bairro mais feliz que o resto de Copenhaga, mas é sem dúvida um bairro diferente. Ainda bem que não se podem tirar fotos nem falar ao telemóvel; se assim fosse seria um bairro deprimente numa cidade feliz que ali levaria turistas a ver os 'alternativos'. Assim pelo menos conseguimos simplesmente acreditar no que faz aquelas pessoas escolherem aquele sítio e aquelas regras (também as há, são é diferentes das outras).
Copenhaga tem os Tivoli Gardens onde segundo reza a história Walt Disney se inspirou para fazer a Disneyland. Para quem nunca esteve na Disneyland, esta visita é uma viagem ao princípio da história. Da história feliz da Disney e dos contos Disney. Quem, ao invés, já visitou o sucedâneo, tem uma impressão redutora, mas não deixa de ser uma impressão feliz.
Conseguia viver aqui? Conseguia. Há um espírito aberto, menos ganância que nas grandes capitais, cosmopolitismo q.b. e essa sensação de feel-good. Apenas senti falta de alguma imperfeição, de alguma coisa a melhorar, a fazer de novo. Copenhaga é como as mulheres da cidade - tão perfeitas que, a certo momento, banalizam a perfeição.
Mas esta seria uma uma cidade onde viveria. Bem.
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