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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Sábado, 14.09.13

A televisao num pais que aprendeu a nao se impressionar demasiado consigo proprio

Update: Texto já corrigido com teclado a ' falar' português (17/09/2013)

 

Nota prévia: este texto está escrito sem acentos, porque o teclado onde estou não fala português. Logo que regresse à pátria, trato de corrigir. (14/09/2013)

 

Morten Hesseldahl tem o melhor título profissional de que tenho memória (no universo da gestão, mesmo que seja gestão de media). É 'executive director for cultural affairs'. Mas, na realidade, isto é só um apontamento engraçado. Porque o que importa mesmo é que Morten Hesseldahl , dinamarquês, escritor, ex-director de um grupo de imprensa e ex-presidente do instituto de cinema da Dinamarca, e o homem que esta a frente dos destinos da DR, um canal publico responsável por séries como The Killing, The Bridge (em co-produção com a Suécia) e, aquele que me impaciento por ver, Borgen. A DR conseguiu colocar 2 milhões de dinamarqueses (num país de 5,5 milhões de habitantes) colados ao ecrã a seguir histórias originais, faladas em dinamarquês, filmadas na Escandinávia. E o seu director de 'cultural affairs' foi assim justamente o convidado da sessão que encerrou, por hoje, as conferências no IBC.

Morten fala um inglês arranhado, parece um tipo tímido e dirigiu-se ao púlpito - depois de uma aparatosa apresentação a cargo de Raymond Snoddy, o host da sessão - com umas folhas na mão. Começou por fazer um alerta - podia parecer que se estava a desviar do mote da sessão "Making a Killing", mas não estava, assegurou. E falou de guerras travadas no século XIX que opuseram dinamarqueses e alemães e como na última dessas guerras, em 1864, a Dinamarca perdeu não só a guerra, mas a confiança em si própria como nação. Ou, segundo ele, como aprendeu " a não se impressionar demasiado consigo própria".  Não tem mesmo nada a ver com The Killing, série mote da sessão. A seguir, pediu a nossa atenção por 5 minutos, e saltou directo para um excerto de Borgen. O excerto em que a líder do Partido dos Moderados, Nyborg, e futura 1ª ministra, descarta o discurso do seu spin doctor, vulgo assessor de imprensa, e faz uma intervencao genuína e inspirada à nação.

É aqui que Morten retoma o contacto connosco, já nos tem totalmente na palma da mão, e diz na sua voz tímida que aquele excerto foi também escolhido para mostrar como se 'recupera a confiança de uma nação'.

Nos minutos seguintes, Morten falou daquilo que a DR faz com 1/8 do orçamento da BBC e infinitamente menos que qualquer produtora de Hollywood. Produzem séries que conquistam audiências, não apenas dinamarquesas, mas começando pelos dinamarqueses. Disse, no tal timbre arranhado, coisas como 'nao deixem que seja o departamento de pesquisa a desenhar programas, nunca sairá uma ideia original, apenas reprodução do que já se faz'. Disse que, para ele, o autor é o epicentro em torno do qual tudo o resto acontece - não é o produtor, nao é o realizador e muito menos o gestor: "keep the executive out the creative room". Disse - e em Portugal bem que o podíamos ouvir - que não devemos ter medo de ser locais. Antes locais do que pindéricos armados aos cucos em cenários de Manhattan (em tradução livre, foi isto). E falou sobretudo do que é a missão de um canal público de televisão, que deve abordar temas que envolvem a vida das pessoas e que as obrigue a pensar e a debater. Quoting: "we insist to deal with certain issues".

Infelizmente, é também por causa de se manter fiel aos valores de um serviço público, na sua própria justificação, que a série Borgen, essa que desespero por ver, vai terminar no fim da 3ª temporada. "Ja inspirámos a população, o nosso papel está cumprido", porque "se não conseguimos impactar as pessoas, perdemos a legitimidade como serviço público". Tão naíve que se não estivesse com aquele homem franzino bem na minha frente podia parecer cinismo encapotado ou daquela turma que faz render o papel de 'somos tão bonzinhos'. Não é o caso. Até porque Morten Hessedahl e a sua equipa têm já nos seus planos duas novas séries que continuarão a trazer matéria-prima de discussão a população que é também a audiência. Uma é sobre os criminosos da alta finança. Outra chama-se 1864, o tal ano em que a Dinamarca perdeu a guerra e a confiança.

Ouvimos este senhor durante 45 minutos e sentimo-nos pequeninos. Ou inspirados. Pequeninos e inspirados.

 

P.S. - Depois de Borgen, a Dinamarca elegeu, pela primeira vez, uma mulher para o cargo de 1º ministro.

 

 

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por sparks às 18:05



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