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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Segunda-feira, 23.09.13

80% dos problemas nas empresas não são de comunicação. São mesmo por causa de pessoas a trabalhar com pessoas

É vulgar ouvir-se que 80% dos problemas nas empresas são devido a má comunicação. Na realidade, quando se diz isso, o que se quer de facto dizer é que 80% dos problemas nas empresas devem-se às relações entre pessoas. E é por isso que gerir pessoas é, em simultâneo, das tarefas mais nobres e mais inglórias. É uma tarefa nunca acabada e por muito que se faça bem, um dia algo vai sair ao lado. E, na equação 'relações entre pessoas', quem gere é um X que com a maior das facilidades leva com o sinal negativo.

 

Por razões diversas, nos últimos dias tenho pensado neste tema quase todos os dias. Tenho perguntas dançantes a desinquietar-me. Como 'porque razão é mais fácil contagiar uma equipa pela negativa do que pela positiva'. Ou 'porque é que o tipo que procura ser parte da solução em vez do problema é facilmente apelidado de lambe-botas ou de tótó'. Ou ainda, e se calhar na génese, 'porque precisamos tanto do negativo do 'outro' - o adversário, o inimigo - para darmos sentido e coesão a um grupo'.

A antropologia e a psicologia já estudaram isto tudo, mas no nosso dia a dia de trabalho, seja numa empresa, numa escola ou num hospital, o ciclo repete-se e repete-se. Nomes míticos como Ford ou Jobs têm tiradas igualmente míticas sobre esta coisa difícil que é termos de trabalhar com outros seres humanos (... que viver com outros seres humanos). Ford, dizia por exemplo, que lhe parecia incompreensível porque razão tinha de aturar uma pessoa inteira quando só precisava das suas mãos.

 

Das várias questões e já com alguns anos de observação de campo, há três ou quatro coisas particularmente perturbadoras:

1 - Portugal oscila de forma doentia entre ' o respeitinho é muito bonito' e o 'não mandas em mim'; ambos traumas profundos e a exigir tratamento urgente

2 - É mais fácil um mau carácter impor-se numa equipa do que um bom tipo; dizer mal do que se faz, como se faz, porque se faz e para quem se faz é tido como sinónimo de 'atitude'

3 - As mesmas pessoas que não se conseguem mobilizar para mostrar que uma coisa funciona podem mobilizar-se incansavelmente para mostrar que outra coisa não funciona

4 - (esta com imensa pena) A inveja, infelizmente, continua ser ser um traço de personalidade muito português. Vem dos mesmos que não querem ter de fazer mais, responsabilizar-se por mais, sofrer por mais. (e é mesmo pena. como se resolve?????)

 

Casos práticos à laia de recortes da vida real:

 

No meu bairro tenho o talhante mais talentoso de Lisboa - Talho do Alcides. O Sr. Alcides há mais de 30 anos que se levanta todos os dias às quatro da manhã e lá vai garantir que tem a melhor carne, preparada da forma mais saborosa e surpreendente, e com um serviço a todos os títulos notável. O que vende é bom e era razão mais do que suficiente para ter a numerosa clientela que tem. Mas a verdade é que todos os que lá vão são tratados pelo nome, reconhecidas as preferências, anotadas as excentricidades. Filhas e genros compõem o resto da equipa (2ª geração que já passou pelos bancos das faculdades) e a atitude é a mesma, profisssional e pessoalmente. 

O Sr. Alcides tem um vizinho que, de 5 em 5 anos, quando ele troca de carro, lhe esboça um esgar e diz: com que então carro novo, rica vida! Quando recebe na volta um 'quer trocar?', o dito vizinho apressa-se a responder 'Deus me livre, queria lá essa vida'. Essa rica vida que se apressa a comentar.

 

Há cerca de duas semanas fiquei sem empregada doméstica depois de várias conversas de surdos. Custou-me muito prescindir da pessoa em causa, porque estas coisas custam. Mas chegámos àquele patamar em que a minha preocupação era ajustar-me à agenda dela e já não fazia qualquer sentido. Neste fim de semana contratei os serviços de uma engomadoria. Tratei de tudo pelo telefone e ficou combinado que no mesmo dia me telefonariam para vir buscar a roupa. Quando me ligaram estava nas compras de supermercado e disponibilizei-me a ajustar-me à hora a que pudessem passar. Do outro lado ouvi: nem pensar, nós é que nos ajustamos à hora que puder. Belisquei-me e percebi que o síndrome de Estocolmo tem variadíssimas aplicações.

 

Tenho vários amigos que fazem parte de um grupo em que também me incluo: profissionais de diferentes áreas que trabalham para uma instituição com alguma dimensão  (como uma universidade ou grande empresa) ao mesmo tempo que são sócios de uma empresa ou de um projecto. Uma dia escreverei em detalhe sobre esta geração de fazedores de coisas, mas hoje o ponto tem a ver com gestão das pessoas. Nas grandes empresas, e em lugar de chefia, muitas coisas acontecem apenas porque o chefe disse (o inverso também é válido). Não é a melhor razão para acontecer e, para quem gosta de trabalho criativo, é estimulante incentivar os outros a questionar, ter dúvidas, propor alternativas. Nas novas pequenas empresas (as sexy startups), o chefe é muitas vezes o dono ou um dos donos. Sofre para pagar os ordenados, os impostos e garantir trabalho. Ainda assim gasta uma parte significativa do tempo a negociar com a sua própria equipa. Que questiona, tem dúvidas e bate-se pela alternativa. A medição de forças é da natureza humana mas o ponto de equilibrio está longe de ser alcançado. Portugal forte com os fracos e fraco com os fortes. Não é um problema das élites - é de todos.

 

Sei que há muita gente maltratada por chefes e patrões. Há chefes incompetentes e patrões sem carácter. Mas enquanto acharmos que o nosso problema, enquanto país, é só deles, isto não vai correr bem. A ideologia do chefe/patrão mau, empregado bom é um porto seguro que ainda acalma - e manipula - muitas consciências. Mas como qualquer um de nós percebe a partir de tenra idade o Pai Natal não existe, o coelho da Páscoa não põe ovos e não, não é o rótulo com a nossa função que nos define. Trata-se de quem somos, como nos portamos, o que fazemos. Sorry, folks!

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por sparks às 23:51


5 comentários

De Albino a 27.09.2013 às 15:09

Gostei!No que nos concerne,povo lusitano,esta mentalidade tão enraizada só mudará com tempo e(ou) evento catastrófico que nos ponha na lama e tire a dignidade,obrigando-nos como tal,a construir algo novo,alicerçado num verdadeiro sentido colectivo.

De sparks a 27.09.2013 às 19:14

Obrigada pela visita. Se pelo menos conseguirmos discutir estes temas, já é um progresso. Mudar realmente a atitude, demora tempo e tem de ser mais 'faz, faz e menos diz, diz' : )

De Paula Pousinha a 28.09.2013 às 00:41

Eu acho que os problemas das empresas (ou das instituições) estão relacionados com os problemas de comunicação entre as pessoas que trabalham com outras pessoas. E é também verdade que os 4 pontos apontados como perturbadores, são elementos transversais à vida comum e não apenas à função profissional. O papel de líder é, na maior parte das vezes, um lugar solitário. Tenho uma preferência natural por não estar no topo da hierarquia. Os graus académicos que fora de Portugal significam apenas que determinada pessoa é especialista em determinado tema (não há cá doutores e afins) permitem-me ter a independência de opinião. E isso é o que para mim é mais importante. A falta de motivação para constituir sinergias está possivelmente relacionada com a frustração de expectativas. Nem todas as pessoas têm a ambição de ser chefes. Existem aqueles elementos fundamentais. Aqueles que na secretária ao lado achamos chatos, aborrecidos e cinzentos. Não abrem o facebook no local de trabalho, chegam sempre a horas e arrumam a secretária no fim do dia. Usam post it às cores. Sabem onde está tudo. Não questionam a ordem (ou pedido). Estes elementos não são criativos, não ousam e não quebram correntes. Mas criam corpo e estrutura. Não conheço a linguagem corporativa, mas considero que seria interessante discutir "Que perfil de equipa quero formar?" em vez de "que perfil de pessoa quero para este lugar?". Naturalmente que uma e outra coisa se relacionam, mas o que vejo acontecer é uma adequação do perfil à função e raramente do perfil à equipa. Acontece que o exercício da função é externamente afectado pela dinâmica da equipa! Pescadinha de rabo na boca :) Foi preciso mudar de país para perceber o quanto o português é rico nestas expressões metafóricas - Lá criativos, somos (o que segundo os franceses - é típico de países pobres - enfim, que seja... e com muito orgulho).

De sparks a 28.09.2013 às 22:49

Olá Paula. O tema é tão infindável quanto a natureza humana. Mas neste post, em concreto, quis mesmo falar da confusão que tantas vezes se faz entre um problema de 'comunicação' e um problema mais profundo que é a nossa identidade, as mazelas mal resolvidas ao longo de gerações e o impacto que isso tem no relacionamento diário que mantemos uns com os outros, nomeadamente ao nível profissional. Comunicar é tornar comum e, apesar de tudo, é mais simples do que tratar feridas herdadas do passado longínquo (o 'respeitinho', a inveja, a incapacidade de mobilização) e do passado recente/ presente (o 'não mandas em mim', o 'questiono tudo logo tenho personalidade' e o 'tenho direito a tudo ... porque sim'). Sobre equipas, perfis, coesão: é precisamente por isso que digo que a função não se escreve num rótulo, é muito mais, e se quisermos, muito melhor que isso. Obrigada pela visita.

De Anónimo a 09.04.2014 às 20:35

A situação mudará quando em Portugal se educarem a novas gerações pelo exemplo e não pelo 'faz o que eu digo e não faças o que eu faço'. Aí talvez venhamos a ter mais Portugueses altruístas, solidários, competentes e honestos, que na minha opinião e experiência existem em maior proporção por cá do que noutros países Europeus. Falta-nos valorizar o bom e rejeitar o mau na nossa sociedade. Um dos nossos piores hábitos é identificar as virtudes do nosso povo com defeitos e achar que lá fora é que é bom.

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