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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos



Domingo, 10.11.13

Talvez uma fé exagerada nos números

Temos números, previsões, máquinas que processam dados. Temos estatísticas, audiências, projecções. E temos exércitos de garotos que militam nos bancos das universidades de economia, engenharia ou matemáticas aplicadas e que saem de lá com toda a teoria de previsão do futuro. Temos tudo isto a baixo preço, porque as máquinas são hoje infinitamente mais baratas e os jovens Houdinis das previsões são hoje infinitamente mais baratos.

 

Como temos tudo isto, as decisões que todos os dias se tomam são, mais do que nunca, racionais. Ou, como dizem os seus defensores, suportadas em evidências e em dados objectivos. Os números não mentem, as pessoas e as suas convicções, sonhos e intuições sim, são altamente enganadoras.

 

Vejo só um pequeno e irrelevante problema em tudo isto. O futuro, seja ele qual for, existam as máquinas e os exércitos de analistas que existam, continua a ser a terra do que não se sabe.

Pode o risco ser antecipado e controlado? Pode.

Pode todo todo e qualquer risco ser antecipado controlado? Não, não pode.

 

E sabem porquê? Porque nesse santuário inabalável da objectividade não entra uma variável absolutamente determinante enquanto existir espécie humana e que é a sua imprevisibilidade, a sua natureza surpreendente e a sua capacidade de mudar as regras.

É por isso que algumas empresas, outrora seguras detentoras do trono do futuro, simplesmente desapareceram do mapa.

É por isso que algumas rotinas, que pareceram para sempre imutáveis, um dia mudam.

E é por isso que algumas empresas, infelizmente mais do que seria desejável, recusam de forma obstinada qualquer projecto, experiência, iniciativa com o pretexto de que 'nunca foi feito'. A oportunidade é essa - nunca ter sido feito. Às vezes falha-se, pois é. Mas se nunca experimentarmos, nunca saberemos. Curiosamente são tantas vezes as mesmas empresas que gastam milhares de euros em powerpoints e consultorias sobre inovação. São também as mesmas empresas que descobrem, sempre atrasadas, os fenómenos de mudança e que tentam pateticamente compensar com logotipos o que não fizeram efectivamente na prática.

 

Contaram-me há pouco tempo um episódio ilustrativo.

Por causa da crise, as agências que compram espaços de publicidade nos meios de comunicação, e que na prática são verdadeiros bancos num segmento muito especializado como os media, substituiram vários dos seus quadros por jovens analistas acabados de chegar ao mercado. Jovens, alguns sem dúvida brilhantes, cujo papel é dominar com mestria fórmulas de excel e apresentar projecções e reasons why para o investimento das marcas.

A pessoa que me contou esta história, para o caso um profissional com imensa experiência no mercado de media (e que já trabalhou dos dois lados do mercado, como anunciante e como media) perguntou ao executivo de uma agência porque razão investiam um valor considerável num determinado meio de comunicação, cuja audiência, sendo interessante, é muito limitada a um segmento e em condições muito específicas (desculpem a definição vaga, mas aqui entro nos limites que me imponho de confidencialidade).

Com honestidade, o executivo da agência respondeu-lhe ' não sei, é uma recomendação que me vem no report dos analistas'.

A curiosidade instalou-se e e o próprio executivo da agência foi saber junto do analista em questão porque tinha feito aquela recomendação.

Resposta: porque no cálculo dos indicadores, mostrava que a célula a verde (ou seja, indicação positiva).

Detalhe a reter: o referido analista nunca tinha consultado como utilizador sequer o meio de comunicação em causa, não sabia fisicamente o que era.

 

Dito isto. Se a H3 tivesse analisado o seu negócio à luz dos indicadores existentes, nunca se teria tornado num negócio bem sucedido (uma cadeia - portuguesa - de hamburguers???).

Se a Apple tivesse confiado nos dados já existentes (lembram-se, império Nokia, todos estávamos completamente domesticados àqueles menus e usabilidade), nunca teria trabalhado anos a fio no iPod e num produto gamechanger chamado Iphone.

Se no negócio de internet, só o volume contasse, só teríamos sites de sexo, dietas e mexericos e futebol.

 

Talvez haja uma fé exagerada nos números. Talvez, uma palavra ela própria banida para quem acredita que pode domar toda a incerteza própria do futuro.

Os números são importantes. Mas dizem-nos pouco e às vezes nada sobre essa maravilhosa imprevisibilidade dos seres humanos.

 

Nota: E já agora vale a pena voltar a recomendar o livro Previsivelmente Irracionais, de Dan Ariely. Daqui a uns tempos, falarei aqui de outro que ando a ler.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por sparks às 14:30


1 comentário

De aprendiz-dos-ceus a 10.11.2013 às 23:41

Estamos a ver a passos largos as maquinas a dominar o Homem... Já parece aqueles filmes do exterminador implacável.....
Realmente, o que é feito da intuição do homem?
Vou procurar esse livro. Já ando curioso.

Boa semana. Beijinho..... ;-)

P.S. : gostei de ler este post.... Assim como os outros teus.... Obrigado por partilhar tua sabedoria..... Só assim podemos aprender e evoluir....

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