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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos


Segunda-feira, 27.04.15

Jovens frustrados e velhos egoístas. Ou vice-versa. Bem vindos à economia do século XXI.

 

piketty

 

Mas continuas lá?

 

Continuo, mas aquilo é terrível,. Não sei quanto tempo mais vou ter de ficar. Até ver. Tenho de fazer a tese e ainda estou no princípio. E tu, voltaste de vez?

 

Não sei. Mas por lá as coisas não estão melhores. É uma economia doente, tudo para dar certo, mas a dar errado. Vou acabar o mestrado cá e depois logo se vê.

 

Tenho de me dedicar agora à tese. As aulas são boas, temos bons professores. Mas preciso de ler e de trabalhar no meu tema.

 

E a Ana? Ainda está no banco?

 

Não, ela saiu, voltou para a terra dela. É difícil lá, não há quase nada para fazer, mas ela não aguentava mais.

 

Ela estava na área de XPTO, não era?

 

Estava e no pior departamento. Toda a gente odeia. Ela não aguentou. Tenho tantas saudades dela.

 

 

O único nome que escrevo, Ana, foi alterado. A ‘terra dela’ é na realidade uma cidade portuguesa do interior e o banco a que se referem os dois protagonistas deste diálogo tem uma identidade conhecida da generalidade das pessoas e aqui omitida.

A conversa que reproduzo aconteceu hoje nos minutos que antecederam a conferência de Thomas Piketty na Fundação Gulbenkian. Não tenho rostos para relembrar, apenas vozes, uma portuguesa e uma brasileira já quase sem sotaque, imediatamente atrás de mim.

Teve lugar num dos auditórios que se encheram depois do principal estar a abarrotar. O capitalismo é mesmo um tema sexy, qual série do momento que todos suspiram por conhecer os desenvolvimentos mais do que o desfecho.

Piketty chegou a Lisboa, como provavelmente a outras paragens, como uma espécie de mega-produtor da série líder de audiências. Um Fincher da economia.

 

E os fãs não se fizeram rogados. Como em qualquer fenómeno da moda, estavam lá os verdadeiros fãs, que não perdem um episódio, nem sequela, nem tão pouco o gossip de bastidores. E estavam os outros. Os interessados por conveniência que compareceram a um evento que facilmente irá render assunto nos próximos almoços e eventos de negócios. Ou ainda outros interessados de conveniência que viram aqui uma forma mais eficiente e eficaz – não são esses os objectivos que orientam o capital do século XXI? - de ter em pouco mais de uma hora aquilo que demoraria dias, em boa produtividade, se fossem ler as 600 páginas de O Capital do Século XXI.

Estavam novos e mais velhos. Habitantes de sempre do espaço Gulbenkian e novatos. Académicos e curiosos.

Estava a casa cheia.

 

Da conferência de cerca de hora e meia não retive nada de especial. Nada que não tivesse lido ao fim das páginas de introdução do livro. Não era uma conferência fácil – o argumento é apelativo mas a execução, como em tantas mega-produções, é difícil. 

Piketty optou por desfilar a síntese possível. Procurou, qual bom performer, agradar à audiência. A dívida pública de Portugal ou da Grécia não é sequer, historicamente, a mais elevada, disse. A França e a Alemanha também não pagaram centavo a centavo as suas dívidas no pós Guerra. Por aí.

Disse também que era melhor a olhar para o passado do que a prever o futuro. A piada fácil é dizer ‘não somos todos, caro Piketty?”. Infelizmente não tem sequer piada. Porque não é verdade. Somos péssimos a ler a História, péssimos a aprender com a História. E o tempo que passa não nos melhora e isso aflige.

 

No meu lugar, lutei durante quase 90 minutos com as circunstâncias.

A circunstância técnica que me transportou para uma realização própria dos anos 80 e que quase comprometeu o arranque da conferência (comprometeu mesmo). Primeiro havia som, mas não havia imagem. Depois havia imagem e não havia som. O exaspero chegou ao ponto de haver pessoas no auditório a levantarem-se para ir bater no vidro do ‘aquário’ da régie.

Como na economia contemporânea, ouvi Pikkety sempre em opção binária. Não podemos ter tudo. Ou vemos o slide ou vemos o orador. E cada vez que muda o plano do slide para o orador ou vice-versa temos aquele ruído característico das colunas com cabos que já conheceram melhores dias. Um schhhhhhh a marcar o compasso da nossa economia desfavorecida que mesmo na maior e mais importante fundação do país se faz sentir.

Uma terceira circunstância tornou a missão ‘Piketty na Gulbenkian’ verdadeiramente penosa. À minha frente um casal acima dos 60, talvez acima dos 70, requisitou auscultadores para acompanhar a conferência com tradução em português. Ninguém lhes pode levar a mal. Afinal, era um francês a falar inglês. Também pode ser penoso. Mas o senhor e a senhora de cabelo grisalho fizeram mais que isso. Ele colocou os auscultadores em modo rádio – o que significa que quem estava à sua volta ouvia em simultâneo o francês a conferenciar em língua inglesa e o tradutor, mais uma vez em ambiente ‘schhhhhh’ de electrónica roufenha, a debitar em português. Ela, que tinha os auscultadores bem colocados – leia-se nas orelhas – interrompia quando lhe aprouvia naquele registo que algumas pessoas têm no cinema. “E agora, o que é que aconteceu” – isto sobre o capital do século XXI. Ao que o companheiro respondia em decibel também generoso e impassível ao exaspero alheio.

No fim da sessão, uma rapariga de 20 anos que conheço de outras vidas e que também foi ouvir Piketty, debatendo-se nas mesmas dificuldades, dizia-me: ‘e os velhotes, Rute, coitados!’. Coitados não. Egoístas. Eles viram a sua conferência. Eu e outros não. A idade não é nem pode ser passaporte para a condescendência.

 

Saí de lá a pensar que o que de mais importante aconteceu não foi o que se passou em palco – previsível e a saber a pouco para quem conhece o trabalho e/ou leu o livro. O mais importante esteve na audiência. Do frisson de ‘acontecimento social’ que levou muitos dos nossos top ten de rendimento à Gulbenkian para ouvir falar da bomba-relógio que são as desigualdades, até ao espelho da economia e sociedade que este capitalismo pop-star está a gerar. Jovens frustrados, que odeiam o que fazem, que procuram um sentido para o que fazem, que tantas vezes abdicam de tudo fazer. Empresas com negócios que as pessoas odeiam – dentro e fora da empresa.

Velhos egoístas, herdeiros de um mundo que já não existe, mas determinados a usufruir dele como da aparelhagem roufenha que compraram há 30 anos. Quando eram novos e lhes prometeram que tudo seria sempre mais e melhor.

Infelizmente para todos nós, o inverso também é verdade. Também temos os jovens egoístas e os velhos frustrados.

Uns e outros, tudo isto, é produto do capital do século XXI e não é uma história bonita.

 

P.S. – Uma última nota sobre a conferência. Além das questões técnicas, também já era tempo de conferências com temas naturalmente passíveis de debate e comentário, como era o caso, terem outra interacção que não apenas o microfone para dar a palavra no fim da sessão. O twitter, por exemplo, é perfeito para ligar todos dentro e fora da sala, em torno de um tema. Não é sequer inovação, é só rotina em qualquer grande conferência e evento e apenas uma das muitas possibilidades.

 

 P.S. 2 - E já que estamos em modo conferências/capitalismo, vale muito a pena a leitura deste artigo publicado no Público de domingo, dia 26 de Abril. É de outro Tomás, este checo, e tem o apelativo título de "Não estamos aqui para viver vidas úteis, mas vidas belas".

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por sparks às 23:59

Quarta-feira, 01.04.15

Carta aberta aos anunciantes de boa vontade

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Bom para poucos ou mau para muitos. Podia ser esta a fórmula para ter sucesso nos media - uma opção binária entre duas más escolhas. O problema é que nem isto vale a um dos sectores - senão o sector - mais esquizofrénico de mercado. Seja como for, nunca se paga a conta. Nunca se comunicou tanto e nunca se consumiu tanto conteúdo. Mas, seja como for, nunca se paga a conta.

Qual criança de cinco anos, a pergunta que se repete é porquê. Porque razão é tão difícil que um conteúdo seja decretado como lucrativo. Porque razão é tão difícil financiar bons conteúdos. Porque razão temos agências de meios ricas e meios pobres. Porque razão se vendem conteúdos como se, numa indústria de conteúdos, a matéria prima fosse o menos importante, às vezes até uma espécie de empecilho - qual padeiro que se aborrecesse porque tem de usar farinha para ter pão.

 

Vamos então a alguns factos.

Há muitos produtores de conteúdo e muitas pessoas com boas ideias para conteúdos.

Há pouco dinheiro para conteúdos nos orçamentos  de comunicação dos principais anunciantes, apesar dos planos de comunicação terem cada vez mais conteúdos contemplados.

 

#que se pague tudo menos o conteúdo  

Coisas curiosas que resultam desta aparente contradição (é mesmo contradição).

Organiza-se uma conferência. Paga- se catering, pagam- se flores para decorar a mesa, imprime- se programa, muitas vezes uma brochura com os feitos do patrocinador, por vezes também uns posters ou roll-ups para decorar a sala. Se se quiser mesmo-mesmo impressionar, organiza- se tudo isto num hotel catita - paga- se o hotel- e convida-se para almoço  no final - paga-se  o almoço.

Para que toda esta equação faça sentido,  é preciso ter conteúdo  para a conferência - leia-se orador ou oradores e moderador ou moderadores. Ora, depois de se ter pago toda a conta dos acessórios, o que é que se faz o pino para não se pagar ? exacto, o principal. Faz sentido que se pague café e bolinhos, mas não faz qualquer sentido que se pague ao conferencista que, se de facto for relevante e tiver algo de relevante a dizer, foi a razão que levou as pessoas aquele local ou será a razão pela qual as pessoas se lembrarão daquela conferência. Esta é uma equação para produto nacional. Eu compro português em matéria de conferências significa, na maioria dos casos, que o conferencista nacional deve é ficar grato pela oportunidade que tem de se mostrar perante uma audiência. Aos estrangeiros tem de se pagar.

É uma chatice.

 

 

#o tempo que vale em televisão é o intervalo

Produzir um conteúdo para televisão não  é fazer um vídeo. Produzir um conteúdo para televisão é - ou deve ser - contar uma história pensada para uma audiência alargada e heterogénea e conseguir que essa mesma audiência se mantenha ligada no canal o máximo de tempo possível.

Implica uma boa ideia, trabalho de  criatividade, pesquisa, produção, filmagem, edição, pós-produção. Implica pessoas qualificadas e meios caros ( câmaras, computadores, software).

O objectivo, recorde- se, é conseguir que pessoas se interessem pelo conteúdo e não mudem de canal.

A conta é paga pelos anunciantes e diria a lógica que o argumento de venda seria o conteúdo, sobretudo na era do zapping e dos fast forward na box. O anunciante por estar integrado com o conteúdo, quer nas formas mais tradicionais, quer nas formas mais inteligentes, garantiria o seu objectivo que é o de comunicar a sua marca a um número alargado de pessoas num contexto em que garantidamente as pessoas escolheram ver aquele conteúdo.

Certo?

Nada disso. Tudo o que está escrito pode ser deitado por terra se a agência de meios do anunciante não validar que o conteúdo  é um bom investimento. Como é que se sabe se é um bom investimento antes de se promover, estrear, distribuir? Não se sabe. Como se resolve? Argumentando com todas as forças que o mais importante não é o conteúdo, mas sim o espaço publicitário que a estação de televisão 'oferece' ao anunciante. Ou seja, o que vale dinheiro não é o tempo em que dura o conteúdo e em que as pessoas estão de facto a ver televisão - o que vale dinheiro é o tempo em que, seja na novela ou no programa de informação, as pessoas sairam de frente da televisão para ir fazer xixi ou ver a sopa que deixaram ao lume ( que é o que a maioria de nós faz quando temos 12 minutos de publicidade pela frente).

“There’s a reason why I’m watching a type of show. I want to stay in that emotion state,” said Dhruv Grewal, a marketing professor at Babson College near Boston and one of the study’s authors. “It’s really important that advertisers keep in mind the context.”

Mas todas estas evidências não demovem o discurso inabalável do valor do "espaço de media" sobre o conteúdo propriamente dito. É como ensinar a teoria da evolução aos criacionistas.

É heresia.

 

#se fosse boa ideia já alguém tinha feito

A frase foi-me dita por uma gestora com responsabilidades nos media, não é uma invenção. E espelha bem o províncianismo por um lado e a falta de vontade para inovar por parte daqueles que passam muito do tempo a discursar sobre inovação e empreendedorismo.

Um formato novo, criado em Portugal, não enlatado de um franchising, tem todos os problemas possíveis: custa dinheiro, o que é um problema, não se tem qualquer referência se funciona ou não, e, ainda por cima, porque é original, compromete quem o apoia com um conceito novo.

É tramado.

 

#é preciso é activar

Fenómeno igualmente curioso é o da activação. Activação é uma boa palavra no léxico dos negociantes de media - ao contrário de produção que remete logo para uma indústria fracassada. A parte boa da indústria de media, activa, não produz. Activa, não escreve, não filma, não cria. Activar significa propor formas mais ou menos complexas de fazer barulho com o conteúdo que uns operários quaisquer produziram. Ou às vezes com conteúdo nenhum, só ruído mesmo. Ou às vezes só pagando para que um post apareça muitas vezes, nunca dizendo que muitos daqueles clicks comprados vêem de robôs, máquinas preparadas para fazer likes.

As vezes as marcas não tem dinheiro para o conteúdo, mas têm dinheiro para activar o conteúdo.

É estranho.

 

Senhores anunciantes, o que desejam comunicar? Com quem? E que responsabilidade sentem que é vossa na indústria de media? É só vender sabonetes ou têm um papel realmente relevante porque o vosso dinheiro e as vossas escolhas de investimento podem ajudar a formar opiniões, a criar sensibilidades e, sobretudo, a abrir espaço para assuntos que realmente importam(*)?

Conheço vários marketeers e gestores com responsabilidade nestas áreas. Sou amiga de alguns, mas não é por amizade que escrevo isto: a minha fé em vós é superior à vossa no excel. Basta que parem para pensar um pouco antes de decidirem em botão automático. Ou então não façam nada - a  geração Netflix fará por vós um dia destes.

Boa Páscoa.

 

*Sim, os temas que realmente importam são tão diversos e variados quanto as cabeças que o decidem. Mas, não, não são todos igualmente importantes. Uns são mais que outros e podemos falar disso noutra ocasião.

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por sparks às 08:49

Domingo, 01.02.15

A banalidade do mal. Hoje e sempre

Desde que vi o filme sobre Hannah Arendt que tenho vontade de escrever. Sobre ela, sobre o seu trabalho e sobretudo pela extraordinária contemporaneidade da sua história. O filme sendo biográfico, não é uma biografia da filósofa e jornalista.  Traz-nos uma uma Hannah Arendt, 10 anos depois de se ter tornado cidadã americana, e 20 anos depois de ter conseguido fugir do campo de concentração de Gurs. Corre o ano de 1961 e Hannah decide deslocar-se a Jerusalém para cobrir o julgamento do criminoso de guerra nazi Adolf Eichmann para a revista "The New Yorker". O trabalho daí resultante foi publicado em cinco partes e trouxe-lhe críticas e inimizades, nomeadamente (sobretudo) dos judeus que não lhe perdoaram o que interpretaram como falta de solidariedade com os seus. Esta é uma forma educada, demasiado talvez, para dizer que os judeus não lhe perdoaram a sua falta de judaísmo, entendida como uma fidelidade canina a uma visão única do Holocausto.

 

Em Jerusalém, entre os seus - aqueles que são mesmo, para cada um de nós, 'os nossos', os amigos, as pessoas de quem gostamos - Hannah Arendt não conseguiu deixar de ver e de pensar sobre o que via. E, durante o julgamento do alemão Adolf Eichmann, a judia Hannah continua a ver o homem, ou os homens. Eichmann testemunha o seu crime na qualidade de soldado que cumpriu ordens. Mandaram prender, ele prendeu. Mandaram matar, ele matou. Mandaram-no ser assim, e ele foi.

Não é um mal grandioso que se agiganta. Um monstro que imediatamente intimida por ser grotesco e terrível. Um ser na sua superior maldade.

Eichman é um tipo banal. Um tipo banal que cumpriu ordens. Um tipo tão normal como tantos outros que andam em transportes públicos, vão à padaria do bairro, talvez sejam colegas num trabalho qualquer, talvez sejam chefes ás ordens de outros chefes.

Nisto, Hannah viu a banalidade do mal, uma expressão que mudaria a forma como olhamos para o mal.

A mesma banalidade do mal que desconcertou judeus - não apenas porque, também alguns deles, foram actores dessa mesma banalidade pela omissão, mas sobretudo porque esta banalidade traz o problema do mal para a terra dos homens - deixa de ser uma coisa rara e suprema.

Volto ciclicamente a pensar neste filme a propósito da nossa vida banal de todos os dias. Voltei a pensar nesta semana em que se assinalaram os 70 anos da libertação de Auschwitz. Voltei a pensar nesta semana em que na televisão vi imagens da guerra na Ucrânia que me pareceram demasiado familiares aos filmes.

Não é o Holocausto. Não é um julgamento de um criminoso nazi. É 'só' a banalidade do mal na nossa vida de todos os dias. Que faz alguns fazerem coisas só porque alguém mandou. Que faz outros fazerem outras coisas porque se sentem infelizes, porque são incapazes ou simplesmente porque são portadores de uma qualquer deficiência moral. É com esse mal que convivemos tantas vezes no sítio onde trabalhamos ou no bairro onde vivemos. O mal de pessoas como as outras. Pessoas banais.

Por vezes tenho só pena - mas para evitarmos males maiores é melhor que façamos outra coisa qualquer.

 

 

 

 

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por sparks às 12:22

Terça-feira, 06.01.15

Chen Guangbiao tem um sonho

Chen Guangbiao

 

O sonho de Chen Guangbiao é comprar o New York Times.

Não é uma piada, avisa o próprio. Ou avisou, quando há um ano publicou um artigo de opinião em que expressava a sua intenção de comprar o New York Times

Quem é Chen Guangbiao e porque razão queria tanto comprar um dos jornais mais influentes do mundo ocidental?

Chen Guangbiao nasceu pobre, muito pobre, numa região agrícola a norte de Xangai. Duas das suas irmãs morreram de fome. Começou a trabalhar aos 9 anos. Carregava água aos baldes e vendi-a à chávena na aldeia onde vivia. Reza a lenda que foi assim que ajudou a família a sustentar-se e que pagou os seus estudos.

Chen Guangbiao estudou na Nanjing University of Chinese Medicine e daí lançou-se para o seu próprio negócio de materiais reciclados - Jiangsu Huangpu Recycling Resources Company  - avaliado em 800 milhões de dólares, que faz e Chen um dos 400 homens mais ricos da China, detentor de um negócio e de uma riqueza cuja origem se desconhece

Chen Guangbiao é um homem das redes sociais - um homem de massas com 4,35 milhões de seguidores no Weibo, o twitter chinês. 

Chen Guangbiao é um filantropo. Na China, como nos Estados Unidos. Há cerca de um ano, pela mesma altura que anunciou a intenção de comprar o New york Times, Chen tornou público que iria convidar 1000 americanos pobres para almoçar e a cada um daria 300 dólares, prometendo inclusive cantar 'We are the world' durante a refeição. A promessa cumpriu-se, pelo menos no que toca à canção. Os 250 'pobres' americanos que apareceram consolaram-se com um bife mas não deixaram de chamar 'fraude' e 'ladrão' ao milionário chinês que decidiu canalizar os 300 dólares prometidos a cada um dos 1000 putativos convidados para o New York City Rescue Mission.

Chen Guangbiao é um visionário - numa Pequim de ar poluído, ele vende latas de ar fresco e puro. Mais de 8 milhões de latas vendidas em 10 dias.

Chen Guangbiao é completamente pro-ambiente. Não podia ser  mais verde e sustentável. Tanto que renomeou os seus gémeos como Chen Environment e Chen Environmental Protection. Mas não se fica por aí: usa sempre o mesmo guardanapo, no hotel usa a mesma toalha toda a semana e às vezes em vez de se assoar a um lenço aproveita a boa e velha manga.

Chen Guangbiao é completamente a favor da liberdade de imprensa. E acredita que há muito disso na China. "O que o governo chinês detesta são rumores e boatos, dando conta de factos frívolos". Na China, por exemplo, quando alguns jornalistas noticiaram que algumas obras filantrópicas de Chen eram na realidade menos filantrópicas do que o anunciado, o governo emitiu uma directiva inibindo reportagens negativas sobre Chen Guangbiao. Porque causa da sua frivolidade, precisamente. 

Agora que já sabemos alguma coisa sobre Chen Guangbiao, é altura da pergunta mais importante: porque razão tem ele o sonho de comprar o New York Times?

"I had the idea of purchasing The New York Times when I first placed an advertisement in it in December, 2012, claiming China's sovereignty over the Diaoyu Islands. I find Americans know little about a civilized and open China that has been enjoying unprecedented development. The tradition and style of The New York Times make it very difficult to have objective coverage of China. If we could purchase it, its tone might turn around. Therefore I have been involved in discussing acquisition-related matters with like-minded investors."

A explicação, pelo próprio. A tradição e o estilo do New York Times dificultam muito uma cobertura objectiva da China. É um problema.

"Há um sentimento emergente na sociedade chinesa: se não gostamos de um determinado ponto de vista, compramo-lo". As palavras são de um académico em comentário para o Wall Street Journal. Na África do Sul, um dos principais jornais e grupo de media foi comprado pela televisão pública da China. Outros media estão na mira de investidores chineses. "Não se verão artigos sobre o Tibete, nem se chamará massacre a Tiananmen", diz Sarah Cook, analista na Freedom House.

Espero que se tenham divertido. É um tema engraçado - sobretudo porque não tem nada que ver com o que se passa em Portugal. Estes americanos e estes chineses são mesmo uns cromos.

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por sparks às 23:39

Sábado, 03.01.15

A arte da rua

Pejac - França

 

Gosto da arte que enche as ruas. Torna as cidades vivas, de hoje, de agora. O P3 fez uma galeria de imagens a partir da selecção da Street Art News das 25 obras de arte urbana de 2014. E apesar de adorar mochos, não resisto a esta imagem que aqui reproduzo. 

 

 

 

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por sparks às 22:36

Quinta-feira, 01.01.15

A melhor idade da vida

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Photo: Maya Robinson and Photos by Getty Images /http://nymag.com/thecut

 

Nas últimas semanas de 2014 fui coleccionando uns quantos estudos e artigos sobre a idade.

Num desses artigos, The Power of 29: An Ode to Being Almost 30, a autora coloca-nos perante as angústias de ter 20 anos nos dias que correm. Ou talvez angústias de sempre, a julgar pela sábia observação da escritora Alice Munro, nos seus pródigos 83 anos, para quem a entrada nos 30 é 'aquela idade em que por vezes é difícil admitir que estamos a viver a nossa própria vida'. Continua a acontecer vida fora, diga-se de passagem.

Check. Ter 20 anos é difícil. (é escusado dizer que ser adolescente é ainda e sempre muito mais difícil)

Continuemos então. 

A melhor idade são os 35. Diz um estudo da seguradora Aviva, aqui analisado pelo jornal Guardian.

Uma idade 'perfeita' sobretudo para o escalão etário seguinte (45-54), mais até que os próprios, e menos que o escalão dos vintes ou dos sessentas, respectivamente mais entusiasmados com a sua própria idade ou com os saudosos quarentas. Mas uma idade igualmente cheia de problemas e ansiedades, aliás segundo um estudo prévio (!), a idade do início da crise da meia idade.

Check. ter 30 anos é (também) difícil.

Dos 40 para a frente todos sabemos que é suposto ser difícil. Dizem-nos (ameaçam-nos) que sim desde que temos 20, ou menos. Aos 40 aparecem rugas a valer, as articulações articulam-se menos, as responsabilidades são maiores que nunca, os filhos crescem e dão-nos o tipo de preocupações que 10 anos antes, quando andávamos a preparar lancheiras e a garantir horários de dormir e sopa à refeição, achávamos absolutamente menores. Os pais ficam mais velhos, doenças injustas e acidentes imbecis acontecem (sim, acontecem antes também, mas de repente vemos um padrão em tudo). E é suposto continuar difícil vida fora, 50, 60, 70, talvez com a redenção da senilidade aos 80 ou 90.

Check. Ter 40, 50, 60, 70 anos é difícil.

Cheguei assim, há uns meses, a uma entrevista com a fabulosa Helen Mirren por ocasião do anúncio do seu nome (e rosto) como cabeça de cartaz das campanhas da L'Oréal. Felizmente Mirren não faz parte do grupo do 'vamos-lá-dizer-o-que-toda-a-gente-está-à-espera'. E toda a gente está à espera que se queixe da discriminação das mulheres, nomeadamente no mundo carnal do cinema e do espectáculo. Toda a gente está espera que diga que envelhecer é uma merda e que para as mulheres é pior do que para os homens. O que, não deixando de ser verdade, está longe de ser toda a verdade. E é por isso que há esperança quando ouvimos Mirren, nos seus 69 anos, dizer que os 20 foram óptimos, os 30 espectaculares, os 40 fabulosos, os 50 extraordinários, os 60 fantásticos e que espera que os 70 não sejam nada menos que isso.

Ou reflectir sobre as reflexões que faz na sua autobiografia sobre os fabulosos 20 anos: “It seems to me that the years between eighteen and twenty-eight are the hardest, psychologically. It’s then you realize this is make or break, you no longer have the excuse of youth, and it is time to become an adult — but you are not ready”.

E depois temos Annie Lennox, a poderosa Annie Lennox. Que fez 60 anos há uma semana, no dia de Natal.

"There's this youth culture that is really, really powerful and really, really strong, but what it does is it really discards people once they reach a certain age. I actually think that people are so powerful and interesting - women, especially - when they reach my age. We've got so much to say, but popular culture is so reductive that we just talk about whether we've got wrinkles, or whether we've put on weight or lost weight, or whether we've changed our hair style. I just find that so shallow".

Claro que Nora Ephron tem o seu ponto no ensaio I Feel Bad About My Neck: And Other Thoughts on Being a Woman.

Claro que quando vemos 40 anos de tempo a passar nos impressionamos.

Mas que enorme desperdício passarmos grande parte desse tempo a temer o tempo que passa.

Como diz João Miguel Tavares, 'cada cabelo branco grita "eu vivi" do alto das nossas cabeças'. Não é conversa fiada - é mesmo um apelo incondicional a que não desperdiçamos o nosso tempo a lamentar o outro tempo que passou.

Há uns anos, há já bastantes anos, quando entrevistei o Engº Belmiro de Azevedo pela primeira vez, resolvi, na frescura dos meus 20 e poucos anos, arriscar uma pergunta sobre a importância da idade. Deu-me uma resposta que ainda hoje repito em vários momentos: 'Sabe uma coisa, minha senhora? A idade é a coisa mais democrática do mundo. Passa igual por todos".

E ainda bem que assim é. 

Aproveitem as vossas idades e tenham um Feliz 2015!

 

 

 

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por sparks às 19:18

Quinta-feira, 23.10.14

O marketing do mau feitio

Há uns anos, um amigo com mau feitio fez-me notar a minha facilidade para me relacionar com pessoas com mau feitio. Por mau feito entenda-se pessoas que dizem o que pensam, mas que mesmo quando não usam as melhores palavras (quase nunca!) não perdem a noção do outro. Pode parecer paradoxal, mas tem sido nas pessoas com mau feitio genuíno que tenho encontrado algumas das pessoas mais humanas e mais verdadeiras. Depois há as pessoas que têm o marketing do mau feitio. É um mau feitio amplamente comunicado, chega sempre com aviso de antecedência, e tal como nas banais campanhas de marketing, tem uma assinatura: “vocês já sabem que tenho mau feitio”. 

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por sparks às 10:54

Quarta-feira, 01.10.14

Banco bom, Banco mau

Este livro nasceu aqui. E tem sido um prazer escrever por aqui. 

 

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por sparks às 01:24

Domingo, 17.08.14

'Percebi logo que se tratava de uma rising star'

Acabo de ler o perfil da Maria Luís Albuquerque na Revista do Expresso. Um percurso sequinho, desinteressante, igual ao de tantas carreiras político-partidárias. A própria parece achar o mesmo, porque tão pouco achou que devesse participar.

 

A verdade é que a jornalista fez um trabalho competente e, na ausência da visada, procurou recolher testemunhos e confidências diversas. Como é suposto numa peça deste âmbito.

 

Eis senão quando, na minha leitura distraída e meio anestesiada de verão, me deparo com uma citação de Mira Amaral, um dos escutados para efeitos do perfil da ministra das Finanças. E que, sem dúvidas, afirma sobre Maria Luís: 'Percebi logo tratar-se de uma rising star. Embora fosse discreta, bastava ver a forma como era tratada por Passos Coelho".

 

Certo. Porque Passos Coelho é um pináculo da perfeição e, logo, aqueles a quem devota a sua atenção serão, no mínimo, rising stars. Não há que hesitar - está logo tudo dito.

Certo.

 

Este efeito-pescada que antes de ser já o era tem o condão de me tirar do sério.

Boa sorte, Maria Luís.

 

Até breve,

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por sparks às 22:10

Sábado, 09.08.14

Execuções sem lei? Ou lei de Estado para alguns.

Na semana passada, na página de Opinião do Expresso Economia, foi publicado um artigo que aqui reproduzo. É assinado por dois advogados, Rogério M. Fernandes Ferreira e Nuno Monteiro Dente, intitula-se 'Execuções sem lei?' e pode ter passado despercebido a muito boa gente. A mim passou, só o li ontem. Não posso dizer que, com aquilo que sei da acção da Autoridade Tributária e do poder político que a legitima, esteja assim tão surpreendida. Mas não estou menos enojada por estar menos surpreendida. Retirar casas a famílias para proporcionar negócios espectaculares a malta endinheirada e garantindo sempre-primeiro-e mais- importante-que-tudo a defesa do banco, roça qualquer coisa de inominável. Qulquer coisa como o Estado ser, ao mesmo tempo, o cobrador de fraque dos bancos e o mediador dos especuladores imobiliários. Nada melhor que lerem e tirarem as vossas próprias conclusões. 

 

Execuções sem lei?

Rogério M. Fernandes Ferreira e Nuno Monteiro Dente

Num Estado de direito democrático - em que vivemos - o exercício de poderes de autoridade é confirmado por regras e sujeito a limites. (…)Acresce que os poderes públicos apenas podem ser exercidos para a prossecução de fins também eles públicos, sendo contrário à lei, à Constituição, o seu exercício que redunde, afinal, na satisfação de interesses particulares. Ora, na situação que a seguir descrevemos, o Estado tem exercido os seus poderes, no âmbito da execução fiscal, de forma especialmente abusiva e violadora dos direitos dos contribuintes executados, atuação esta que, atenta à sua ilicitude, pode mesmo fundar situações de responsabilização quer do Estado, quer dos seus agentes (inclusive a título pessoal). No âmbito dos especiais poderes de autoridade que a lei confere nos processos de execução fiscal, a Administração Tributária tem ordenado que se proceda à venda judicial de bens imóveis dos executados, tendo em vista a cobrança coerciva dos montantes em dívida. Até aqui, tudo normal e dentro da lei. Sucede, contudo, que muitos desses imóveis cuja venda é ordenada com o propósito de o Estado se pagar dos seus créditos fiscais - que constituem as mais das vezes a casa de família de devedores executados - se encontram hipotecados aos bancos. E, como é do conhecimento comum, o valor-base para estas vendas forçadas é determinado, não no respectivo valor de mercado, mas com base no valor patrimonial pelo qual estão inscritos nas Finanças. ora, o que muita gente já não sabe é que, por opção do legislador e com excepção das dívidas provenientes do IMI e do IMT, o crédito dos bancos garantido por hipoteca goza de privilégio sobre os créditos tributários do Estado garantidos por penhoras efectuadas posteriormente, no âmbito das execuções fiscais. Quer isto dizer, na prática, que o produtos das vendas de bens imóveis promovidas pela Autoridade Tributária com hipotecas constituídas, é por força da lei em vigor, assim distribuído: primeiro é pago o banco, com hipoteca constituída em seu favor, até ao limite da mesma; depois é pago o Estado, pelo produto remanescente da venda (havendo remanescente). Na maioria dos casos, não só não há remanescente, como esta inexistência é de imediato e previsivelmente evidente. Uma vez que o valor-base da venda forçada é determinado pelo valor patrimonial do bem e o valor da hipoteca é determinado pelo respectivo valor de mercado, á data da sua compra, estes bens são, assim, postos à venda no mercado por preços que constituem pechinchas, resultando em autênticos negócios da China para os seus compradores. Veja-se este exemplo, uma casa com o valor actual de mercado de um milhão de euros, adquirida com recurso a empréstimo e com hipoteca constituída no valor de setecentos mil euros, empréstimo em dívida desse montante e valor patrimonial (actualizado) de trezentos e cinquenta mil euros, que vá a hasta a pública pelo valor-base de duzentos e oitenta mil euros (por força dos descontos legais sobre o valor patrimonial). Sendo vendida, por hipótese, por quinhentos mil euros (valor optimista), teremos as seguintes consequências: o comprador adquire por metade do preço de mercado um bem, realizando chorudo negócio; o Estado, que promoveu a venda forçada para se pagar dos seus créditos e que pôs os meios próprios da máquina fiscal ao serviço dessa venda (incorrendo em despesa pública), nada recebe; já o contribuinte executado, mantém a dívida fiscal intacta pela totalidade, acrescida de juros, e fica despojado do seu bem, muitas vezes o seu único bem e mesmo casa de morada de família.
A injustiça da situação é gritante. Mais gritante ainda quando o Estado sabe (tem de saber) á partida, quando determina a venda e fixa o seu valor, que o resultado da venda que está a promover será este; não satisfará com ela o seu crédito fiscal (fundamento da execução) e promove, por meios próprios, um negócio de especulação imobiliária de terceiros particulares. É esta actuação que não deve prosseguir. A bem e por bem do Direito, que põe o contribuinte em primeiro lugar.

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por sparks às 23:23


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