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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
Burnout. Há cerca de três semanas li um artigo da Visão sobre pessoas que fritam. Fritar, como o próprio artigo refere, é o português coloquial para esgotamento, implosão, explosão. Li o artigo e, na realidade, não o li. Passei os olhos, incomodada. E desviei os olhos, acossada por um qualquer pressentimento que ler o artigo do princípio ao fim me deixaria preocupada, irritada, deprimida. Esgotada.
Samba. Na mesma semana fui ao cinema ver "Samba", um filme francês da mesma dupla que realizou "Amigos Improváveis", Éric Toledano e Olivier Nakache. Conta a história de um, mais um, dos milhares de imigrantes que procuram na Europa a miragem de dignidade que lhes é negada pela miséria, pela guerra ou estas e outras combinações, todas de sinal negativo. Foi um Samba senegalês, um calmeirão de sorriso aberto, um bom tipo, que atravessou uma noite qualquer minha de semana e me deixou desde então sem conseguir racionalizar a nossa irracionalidade. Um Samba que se cruza no filme com uma Alice francesa, branca, trabalhadora 'qualificada' de uma qualquer multinacional que fez burnout. Os dois juntos encarregaram-se de me tirar do meu sossego. A carne dele e o espírito dela, ambos tratados como commodities sem valor especial. A força dele, a força do músculo dele, a única que os empregadores vêem. De resto, a invisibilidade. A mesma invisibilidade que assalta salas de reuniões e gabinetes cheios de civilização e de tecnologia e que um dia levam alguém a partir um telemóvel na cabeça do colega. (Alice fez burnout ao partir um telemóvel na cabeça de um colega)
Dias nisto.
E dias depois mais de 800 pessoas foram ao fundo. Literalmente.
E no dia a seguir ao maior naufrágio de sempre no Mediterrâneo, li a história de várias mulheres que tiveram de espremer as mamas para provar que não estão a falhar com as suas obrigações laborais. Em Portugal.
Hoje é Dia do Trabalhador, ainda não rebaptizado para Dia do Colaborador (nem vos sei dizer o quanto a expressão colaborador me dá urticária ... pessoas que colaboram em vez de pessoas que trabalham, define de certa forma bem o que algumas empresas esperam do ser humano). E na semana que antecedeu o Dia do Trabalhador, os protagonistas foram os senhores de um sindicato e de uma empresa que, na sua elevadíssima superioridade, são a prova material da irrelevância dos sindicatos no século XXI.Tão artificiais e datados como os posters que anunciavam companhias aéreas com os rapazes e as raparigas sorridentes e fardados a rigor. Enquanto se comportarem como se o mundo tivesse parado no pós-guerra e no boom de qualidade de vida dos anos 60, são apenas parte do problema e nada contribuem para a solução. Só têm direitos - os seus direitos. Não são melhores do que aqueles que dizem que os portugueses estão pior, mas o país está melhor.
O mundo do trabalho está em burnout.
Burnout a precisar de samba.
P.S - Não deixem de ouvir a banda sonora do filme Samba. Fiquem com este clip para abrir o apetite.
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