Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
Devia ser possível. Tal como devia ser possível fazer dislike e não apenas like e voto contra em vez de ter de escolher outro qualquer partido que nem nos interessa assim tanto como 'voto a favor'.
A caça ao clique assume proporções gritantes.
Editores, jornalistas, vendedores de publicidade, gestores de media, profetas da next big thing, estamos todos desesperados. E o desespero assenta-nos tão mal.
Trabalho num meio de comunicação digital. Onde as notícias e as não-notícias são medidas ao segundo. Qualquer um de nós, editor, sabe quase instantaneamente o 'que vai dar' e o que 'não vai dar'. É pior acertar do que não acertar. Porque é uma espécie de cheiro a queimado - não deixa dúvidas. E está a perverter o trabalho de muitos e bons jornalistas, de muitos e bons editores.
Há meia dúzia de regras básicas e estamos todos, aparentemente, a achar normal sermos avaliados por essas regras.
O título tem de criar suspense. Porque o suspense leva ao clique. Por exemplo: saiba como se chama a nova princesa. Não interessa nada. É um fait divers de página cor-de-rosa promovido a notícia de primeira linha. Mas convém que o título seja 'saiba como se chama a nova princesa' ou algo parecido. E não algo estupidamente óbvio como a nova princesa chama-se Charlotte Elizabeth Diana.
Um conteúdo - note-se, conteúdo, não artigo - ganha outro interesse - leia-se comercial / audiência - se puder ser desmultiplicado em lista. Se a lista puder ser ilustrada em galeria de fotos, melhor ainda. E assim temos as 15 coisas que nunca deve dizer ao seu filho e as 10 coisas que deve sempre dizer ao seu filho, bem como os 20 alimentos que lhe salvam a vida e os 15 alimentos perigosos para a saúde. Tudo gráfico: uma imagem, um título, uma legenda, explicações breves, tantas vezes parcas e incompletas, mas completamente ajustadas à atenção disponível desta nova espécie que andamos a treinar, o leitor online.
E, claro, há o preço. A cotação no mercado online mede-se em RPM - Receita por cada mil cliques. Se o RPM for de 2 euros numa determinada campanha, significa que 1000 leitores valem 2 euros.
Se o RPM foi de 9 euros, valem 9 euros.
Caro leitor, você não vale nada feitas bem as contas!
Um bom artigo - leia-se com boa audiência e não gerado por mera caça ao clique - pode valer, num meio mass market, 3 mil views, 5 mil views, 10 mil views. Na melhor cotação, vale no máximo, 90 euros.
A sério?
Queremos mesmo perpetuar nestes parâmetros os erros primordiais de um tempo que não sabia o que a internet iria trazer? Ou temos alguma inteligência restante para perceber que já é tempo de mudar regras antes de termos um mundo (ainda mais) inundado de parvoíce, superficialidade e mera caça ao clique?
Update a 14 de maio
Há dois dias escrevi sobre a imbecilidade e o embuste que se vive no reino digital. Ontem recebi várias mensagens sobre o assunto. E é curioso perceber que a maior parte das pessoas não percebe que - comercialmente - vale muito pouco para os anunciantes ou para as agências que negoceiam por eles. Se 1000 cliques valem 2 euros, cada um destes cliques vale ... 0,002€. Que os conteúdos valham pouco e que a malta que os produz ande à rasca há mais de uma década, é uma coisa; que todos nós, porque todos somos leitores, valhamos muito pouco, é outra. Não sei, mas de repente pareceu-me que se calhar devíamos falar mais desta perspectiva para ver se 'isto' deixa de ser um problema dos coitados-palermas-tinham-a-mania-que-eram-bons dos jornalistas.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.