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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
É vulgar ouvir-se que 80% dos problemas nas empresas são devido a má comunicação. Na realidade, quando se diz isso, o que se quer de facto dizer é que 80% dos problemas nas empresas devem-se às relações entre pessoas. E é por isso que gerir pessoas é, em simultâneo, das tarefas mais nobres e mais inglórias. É uma tarefa nunca acabada e por muito que se faça bem, um dia algo vai sair ao lado. E, na equação 'relações entre pessoas', quem gere é um X que com a maior das facilidades leva com o sinal negativo.
Por razões diversas, nos últimos dias tenho pensado neste tema quase todos os dias. Tenho perguntas dançantes a desinquietar-me. Como 'porque razão é mais fácil contagiar uma equipa pela negativa do que pela positiva'. Ou 'porque é que o tipo que procura ser parte da solução em vez do problema é facilmente apelidado de lambe-botas ou de tótó'. Ou ainda, e se calhar na génese, 'porque precisamos tanto do negativo do 'outro' - o adversário, o inimigo - para darmos sentido e coesão a um grupo'.
A antropologia e a psicologia já estudaram isto tudo, mas no nosso dia a dia de trabalho, seja numa empresa, numa escola ou num hospital, o ciclo repete-se e repete-se. Nomes míticos como Ford ou Jobs têm tiradas igualmente míticas sobre esta coisa difícil que é termos de trabalhar com outros seres humanos (... que viver com outros seres humanos). Ford, dizia por exemplo, que lhe parecia incompreensível porque razão tinha de aturar uma pessoa inteira quando só precisava das suas mãos.
Das várias questões e já com alguns anos de observação de campo, há três ou quatro coisas particularmente perturbadoras:
1 - Portugal oscila de forma doentia entre ' o respeitinho é muito bonito' e o 'não mandas em mim'; ambos traumas profundos e a exigir tratamento urgente
2 - É mais fácil um mau carácter impor-se numa equipa do que um bom tipo; dizer mal do que se faz, como se faz, porque se faz e para quem se faz é tido como sinónimo de 'atitude'
3 - As mesmas pessoas que não se conseguem mobilizar para mostrar que uma coisa funciona podem mobilizar-se incansavelmente para mostrar que outra coisa não funciona
4 - (esta com imensa pena) A inveja, infelizmente, continua ser ser um traço de personalidade muito português. Vem dos mesmos que não querem ter de fazer mais, responsabilizar-se por mais, sofrer por mais. (e é mesmo pena. como se resolve?????)
Casos práticos à laia de recortes da vida real:
No meu bairro tenho o talhante mais talentoso de Lisboa - Talho do Alcides. O Sr. Alcides há mais de 30 anos que se levanta todos os dias às quatro da manhã e lá vai garantir que tem a melhor carne, preparada da forma mais saborosa e surpreendente, e com um serviço a todos os títulos notável. O que vende é bom e era razão mais do que suficiente para ter a numerosa clientela que tem. Mas a verdade é que todos os que lá vão são tratados pelo nome, reconhecidas as preferências, anotadas as excentricidades. Filhas e genros compõem o resto da equipa (2ª geração que já passou pelos bancos das faculdades) e a atitude é a mesma, profisssional e pessoalmente.
O Sr. Alcides tem um vizinho que, de 5 em 5 anos, quando ele troca de carro, lhe esboça um esgar e diz: com que então carro novo, rica vida! Quando recebe na volta um 'quer trocar?', o dito vizinho apressa-se a responder 'Deus me livre, queria lá essa vida'. Essa rica vida que se apressa a comentar.
Há cerca de duas semanas fiquei sem empregada doméstica depois de várias conversas de surdos. Custou-me muito prescindir da pessoa em causa, porque estas coisas custam. Mas chegámos àquele patamar em que a minha preocupação era ajustar-me à agenda dela e já não fazia qualquer sentido. Neste fim de semana contratei os serviços de uma engomadoria. Tratei de tudo pelo telefone e ficou combinado que no mesmo dia me telefonariam para vir buscar a roupa. Quando me ligaram estava nas compras de supermercado e disponibilizei-me a ajustar-me à hora a que pudessem passar. Do outro lado ouvi: nem pensar, nós é que nos ajustamos à hora que puder. Belisquei-me e percebi que o síndrome de Estocolmo tem variadíssimas aplicações.
Tenho vários amigos que fazem parte de um grupo em que também me incluo: profissionais de diferentes áreas que trabalham para uma instituição com alguma dimensão (como uma universidade ou grande empresa) ao mesmo tempo que são sócios de uma empresa ou de um projecto. Uma dia escreverei em detalhe sobre esta geração de fazedores de coisas, mas hoje o ponto tem a ver com gestão das pessoas. Nas grandes empresas, e em lugar de chefia, muitas coisas acontecem apenas porque o chefe disse (o inverso também é válido). Não é a melhor razão para acontecer e, para quem gosta de trabalho criativo, é estimulante incentivar os outros a questionar, ter dúvidas, propor alternativas. Nas novas pequenas empresas (as sexy startups), o chefe é muitas vezes o dono ou um dos donos. Sofre para pagar os ordenados, os impostos e garantir trabalho. Ainda assim gasta uma parte significativa do tempo a negociar com a sua própria equipa. Que questiona, tem dúvidas e bate-se pela alternativa. A medição de forças é da natureza humana mas o ponto de equilibrio está longe de ser alcançado. Portugal forte com os fracos e fraco com os fortes. Não é um problema das élites - é de todos.
Sei que há muita gente maltratada por chefes e patrões. Há chefes incompetentes e patrões sem carácter. Mas enquanto acharmos que o nosso problema, enquanto país, é só deles, isto não vai correr bem. A ideologia do chefe/patrão mau, empregado bom é um porto seguro que ainda acalma - e manipula - muitas consciências. Mas como qualquer um de nós percebe a partir de tenra idade o Pai Natal não existe, o coelho da Páscoa não põe ovos e não, não é o rótulo com a nossa função que nos define. Trata-se de quem somos, como nos portamos, o que fazemos. Sorry, folks!
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