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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
A distância entre o que 'as pessoas normais' pensam e vivem e aquilo que é apresentado como a decisão de 'todos nós', aka decisão de quem nos representa, surpreende-me cada vez mais. Não estou inserida em nenhum gueto ou facção, não faço parte de nenhum partido político e, entre família, amigos, conhecidos e redes profissionais, conheço pessoas da dita direita e esquerda, mais pobres e menos pobres, com religião e sem religião, empregados e desempregados e por aí fora. Pessoas diferentes em circunstâncias diferentes. E nunca como agora tenho, repetidamente, sentido o mesmo sentimento de descrença no país - não em Portugal, mas neste país, nesta élite e nesta moldura cristalizada de poder.
Ontem estive em mais um desses momentos. Fui assistir de manhã a uma aula com o professor Sverker Alänge que esteve em Portugal a convite da Universidade Europeia e do professor José Manuel Fonseca (que, por sua vez, teve a gentileza de me deixar fazer parte da sessão).
Volta e meia, acontece qualquer coisa e lá estou eu outra vez com a Hungria em frente do meu nariz, salvo seja. A primeira vez que isso aconteceu, foi há mais de um ano, ao ler uma reportagem no Público, assinada pela Clara Barata. Um trabalho que me fez viajar até à Hungria de Victor Orbán, um país assustadoramente semelhante ao que veria num filme antigo sobre os anos 30 em alguma Europa. A Clara é uma mente lúcida e das pessoas mais inteligentes que conheço e não duvido um minuto nem do que ela por lá viu, nem da sua análise com a informação que reuniu. O jornalismo tem de ser cada vez mais um exercício de contexto, de compreeensão, uma profissão de facilitadores entre a infomação desgrenhada e a essência dos temas que realmente nos devem importar. A Clara é uma jornalista dessa linhagem. Não encontro aqui a primeira reportagem que li dela sobre esta Hungria, mas em contrapartida encontrei uma outra que ainda não tinha lido: Heróis, anti-semitas e nazis: a história que os húngaros não conseguem ler.
Passaram-se uns meses e fui lendo mais umas coisas. O 1º ministro húngaro continuou na sua forma muito própria de democracia musculada (acho que lhe chamam assim, apesar de algumas fracas figuras no que toca ao músculo). Em Junho deste ano, o Parlamento Europeu aprovou um relatório elaborado pelo deputado português Rui Tavares em que se considera, pela primeira vez, que a forma como se vive na Hungria não é compatível com o artº 2 do Tratado da UE que exige que respeito pelos valores fundadores da União, entre os quais o respeito pela democracia e pelo Estado de Direito. Mais de um mês depois e por mera casualidade, chego a este texto na Visão, e fico curiosa de saber que mais se tem passado.
É aí que vou dar ao blog do Rui Tavares - onde encontro este comentário de um "combraguy" que diz ser húngaro:
Eu sendo húngaro, recuso absolutamente esta interferência com o meu país de origem. Em primeiro lugar: perguntem se faz favor qualquer pessoa da rua se ele se sente sob ditadura? Depois perguntem faz favor os ex-comunistas (agora “liberais”) que alimentam a má imagem da Hungria através da Fundação Táncsics, falando sobre assuntos que não tem nada a ver com nada. Há trés anos atrás ainda foi banido o uso da cruz durante o Natal pelo governo anterior (os liberais, ex-comunistas), e foi substituído por Menorás. O governo anterior admitidamente ganhou a eleição em 2006 por batota – eles não divulgaram a situação financeira da Hungria em tempos devidos, mentindo sobre os valores, depois ganharam e depois veio aquele discurso de Öszöd, onde o ex-primeiro ministro, Gyurcsány admitiu não ter feito grande coisa como PM. Bom, naquela altura ninguém levantou a sua voz da EU, porque o tal governo foi o amigo dos Banqueiros. Agora, este novo governo do Orbán pede bom senso de todo lado, incluindo o tribunal de constituição. Em retorno, a nossa défice baixou para ~2%. Qual é mais importante?
Ahh, democracia. Mas o que é democracia? Onda todas as vozes contam? Não, esse não existe. Não, porque não há informação verdadeira. Quem pode ainda acreditar num politico, num jornal? Sabemos que o certos membros do governo português atual e anterior bem com alguns banqueiros são corruptos. Numa democracia estes vão para o prisão. Como na Hungria. Em Portugal não. Então, resolve-se faz favor a democracia aqui em Portugal em primeiro lugar.
Pronto, ontem (03/julho/2013) foi realizado uma ação disciplinar contra o Sr PM Viktor Orbán e Hungria. E também foi recusado a entrada do presidente da Bolívia, Evo Moralesno espaço aéreo de Portugal: O rumor de que levaria Edward Snowden a bordo precipitou os acontecimentos. Ontem o Sr. José Manuel Barroso levantou a sua voz contra os EUA depois de ter escutado toda da Europa. O Edward Snowden contou tudo. Porque HÁ ainda um bocadinho de democracia no coração de certas pessoas. Portugal não permitiu a entrada da avião que do presidente da Bolívia porque podia ter transportado uma fatia de democracia. Ou seja, Portugal está contra a verdade, contra a opinião pública, concorda com as escutas, recusa ajudar os que defendem a democracia.
E, independentemente da veracidade factual, este coimbraguy fala de uma coisa que nos é mais confortável evitar, a cada dia, a cada 'desconforto'. Essa coisa chamada democracia, o que é na realidade, como está a ser realmente aplicada e que evolução podemos e devemos pensar de uma forma governo que nasceu na Grécia com contornos distintos dos de hoje (era uma Grécia com escravos e onde as mulheres não eram 'naturalmente' cidadãs, só oara estabelecer o perímetro).
Há democracia quando as elites se sucedem e a renovação dessas elites não é mais do que uma injecção de carga idêntica no sistema de partidos? Há democracia quando o Governo de Estado configura um acesso legitimado pelo voto aos bens de todos usados em proveito de alguns? Ou pior, o acesso à decisão legitimada pelo voto de colocar toda uma população a pagar os prejuízos de alguns? Há democracia quando manifestamente os 'spin doctors' e não os pensadores sociais, políticos e económicos ditam o rumo das decisões do país ao ritmo da abertura dos telejornais das 8 da noite? Há democracia, por último, quando sabemos, está estudado, não é mito, que muito é mais fácil conseguir de uma multidão uma decisão irracional e potencialmente perigosa do que de um indíviduo ou vários longe da turba? São questões com qualquer coisa de odiento, eu sei. Como já me perguntaram, em círculos mais fechados, 'mas queres o quê, decidir que uns podem votar e outros não?'. Não se trata disso. Também vejo muitos pais que não qualificam para o exercício da paternidade ou da maternidade, mas a biologia não lhes é limitada e seria desumano que fosse. Os resultados do exercício dessa biologia devem ser regulados, isso sim, para que situações em que crianças, ou mães, ou pais, ficam em risco sejam prevenidas ou rapidamente solucionadas. O Estado não é 'pai' ou 'mãe' - esse sim, mais um fantasma periogoso do passado da Europa que nos assombra em vários contextos. Mas a cidadania, como a biologia, não é apenas uma possibilidade ou um status quo. É uma responsabilidade e um estado em construção. Definitivamente tem de ser repensada, com outra exigência, sem medo de abrir a caixa de Pandora e debater como podemos melhorar, fazer evoluir, este regime político, sem dúvida imperfeito mas para o qual até aqui não encontrámos melhor e que é a democracia. Porque, definitivamente, esta 'democracia' começa a ficar muito perigosa e não há artigos fundadores que nos salvem se nos abstrairmos da realidade.
Há uma frase do coimbraguy, esse tipo invisível, que é particularmente inquietante e que nos deve fazer pensar:
"Mas o que é democracia? Onda todas as vozes contam? Não, esse não existe. Não, porque não há informação verdadeira. Quem pode ainda acreditar num politico, num jornal? Sabemos que o certos membros do governo português atual e anterior bem com alguns banqueiros são corruptos. Numa democracia estes vão para o prisão. Como na Hungria. Em Portugal não."
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