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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos


Domingo, 18.05.14

Um tipo inteligente e com ideias, um dia chateia-se, e vai-se embora

A distância entre o que 'as pessoas normais' pensam e vivem e aquilo que é apresentado como a decisão de 'todos nós', aka decisão de quem nos representa,  surpreende-me cada vez mais. Não estou inserida em nenhum gueto ou facção, não faço parte de nenhum partido político e, entre família, amigos, conhecidos e redes profissionais, conheço pessoas da dita direita e esquerda, mais pobres e menos pobres, com religião e sem religião, empregados e desempregados e por aí fora. Pessoas diferentes em circunstâncias diferentes. E nunca como agora tenho, repetidamente, sentido o mesmo sentimento de descrença no país - não em Portugal, mas neste país, nesta élite e nesta moldura cristalizada de poder. 

 

Ontem estive em mais um desses momentos. Fui assistir de manhã a uma aula com o professor Sverker Alänge que esteve em Portugal a convite da Universidade Europeia e do professor José Manuel Fonseca (que, por sua vez, teve a gentileza de me deixar fazer parte da sessão). 

Sverker Alänge veio falar de modelos de inovação na Suécia e sobretudo veio lançar a discussão sobre o que ajuda a inovação e o que a torna difícil. Durante a sessão desafiou cada um de nós a listar o que consideravamos ser obstáculos e facilitadores da inovação em Portugal. Nos obstáculos, estava lá muito do que debatemos há décadas - falta de estratégia e de visão de médio e longo prazo, aversão ao risco, falta de competências de gestão a quem gere, insuficiente (ainda insuficiente) ligação das empresas às universidades e por aí fora. Mas onde acabámos por nos deter, por várias vezes, foi na dificuldade crescente de acreditar que fazer as coisas bem compensa. Também podemos descrever este sentimento de outra forma: 'os maus' ganham e não há recompensa para os bons. Parece infantil? Não é. 
Sverker Alänge dizia e bem - a propósito do modelo de inovação do Google, empresa que tem a ideia de 'do no evil' nos seus valores de referência - que a ética se aprende em casa, quando somos crianças. Coisas como não mentir, roubar é feio, não se deve ser interesseiro, cobarde ou subserviente são temas que estão nas histórias que contamos aos nossos filhos em pequenos. Histórias que nos ajudam a estabelecer pontes para a vida real, heróis do bem e do mal que são facilitadores da interpretação do mundo. Um dia, crescemos. Um dia, os nossos filhos crescem. E, na maior parte dos casos, nada orgulha mais um pai ou uma mãe do que saber que criou boas pessoas, bons cidadãos, bons profissionais. Ninguém cria um filho a pensar 'eu quero mesmo é que tu cresças a ser um refinado filho da p***', pois não?E quem ensina os mais novos, já passou pelo mundo do trabalho e pelas mazelas que afectam os 'crescidos' - ainda assim, em maioria,  continua a passar bons valores e a querer que um filho seja, antes de tudo, boa pessoa.
Então onde é que isto tudo se estraga?
Estraga-se naquele dia em que nós, os nossos filhos e se nada for feito, os nossos netos, percebem que ser boa pessoa e ser bem-sucedido é uma conjugação impossível em vários contextos profissionais. Ou que há um tecto de sucesso se insistirmos em algumas patetices que nos ensinaram quando éramos crianças.
O que é que isto tem a ver com inovação? Tudo.
Precisamente porque um dos facilitadores de inovação de que hoje dispomos é a qualificação crescente em várias áreas. Ir para a universidade não resolve tudo nem tão pouco é a poção mágica para qualquer um, mas a verdade é que nunca como hoje tivemos tantos jovens talentosos, competentes e ávidos de fazer coisas novas. São muitos destes - mais e menos jovens - que estão a sair do país (e não, não é a lenga-lenga habitual). A razão porque saem é financeira - também - mas é cada vez mais cultural. Porque razão alguém inteligente, qualificado, capaz tem de se submeter à hierarquia de gente mais burra, menos qualificada, menos capaz? É insultuoso para uma pessoa inteligente - e decente - depender de favores de um boy que um dia será ministro, o mesmo que anos mais tarde terá um lugar importante num lugar de nomeação pública ou numa grande empresa, em pagamento da comissão de serviço ao partido que serviu. Uns saem e outros, igualmente inteligentes, criativos, capazes, desgastam-se, amargam ou desistem. Em nenhuma das duas situações, o país ganha e avança.
Este é um gigantesco obstáculo à inovação. Os melhores de nós não têm acesso ou não têm paciência (ou ambos) para atravessar a densa malha que separa 'as pessoas normais' dos seus legítimos representantes. Somos uma democracia, tudo o que tem sido feito, tudo o que continua a ser feito, é em nosso nome, com o nosso consentimento. E nós continuaremos democraticamente a consentir, como poderemos ver já na próxima semana, desde que haja pão e bolos e de vez em quando umas esmolas (como os extraordinários reembolsos de IRS em vésperas de eleições, depois de o Estado-que-todos-elegemos ter capitalizado juros em cima dos nossos descontos adicionais - estejam gratos!).
“O Passos Coelho foi eleito por 15 mil pessoas e o António José Seguro por 24 mil. Isto são os partidos sem povo.” Quem o diz é o professor Adelino Maltez, de quem tive o privilégio de ser aluna, num artigo publicado no Público. Os mesmos 15 mil e 24 mil, respectivamente, que preenchem o tal arco do poder, essa tríade maravilhosa entre partidos, Estado e empresas que decidem sobre 90% dos aspectos da nossa vida colectiva. Decidem sobre o que é inovação e o que não é, que ideias merecem a glória da sua benção e as que não, quem entra e quem fica fora do círculo do poder.
Dito tudo isto, ainda não tivemos, como humanidade, uma ideia melhor que a democracia. Apenas não é esta democracia.
Vale a pena, já agora, ler um livro recomendado pela Clara Ferreira Alves, "O Capital do século XXI", escrito por um francês, Thomas Piketty. "Segundo ele, estamos a regressar a uma idade de ouro de uma nova aristocracia, a do dinheiro. Ou seja, os herdeiros e descendentes desta gente reterão no futuro as rendas e dividendos da riqueza e do capital acumulados, sem esforço".

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por sparks às 16:21

Domingo, 28.07.13

"Mas o que é democracia? Onde todas as vozes contam?"

Volta e meia, acontece qualquer coisa e lá estou eu outra vez com a Hungria em frente do meu nariz, salvo seja. A primeira vez que isso aconteceu, foi há mais de um ano, ao ler uma reportagem no Público, assinada pela Clara Barata. Um trabalho que me fez viajar até à Hungria de Victor Orbán, um país assustadoramente semelhante ao que veria num filme antigo sobre os anos 30 em alguma Europa. A Clara é uma mente lúcida e das pessoas mais inteligentes que conheço e não duvido um minuto nem do que ela por lá viu, nem da sua análise com a informação que reuniu. O jornalismo tem de ser cada vez mais um exercício de contexto, de compreeensão, uma profissão de facilitadores entre a infomação desgrenhada e a essência dos temas que realmente nos devem importar. A Clara é uma jornalista dessa linhagem. Não encontro aqui a primeira reportagem que li dela sobre esta Hungria, mas em contrapartida encontrei uma outra que ainda não tinha lido: Heróis, anti-semitas e nazis: a história que os húngaros não conseguem ler.

 

Passaram-se uns meses e fui lendo mais umas coisas. O 1º ministro húngaro continuou na sua forma muito própria de democracia musculada (acho que lhe chamam assim, apesar de algumas fracas figuras no que toca ao músculo). Em Junho deste ano, o Parlamento Europeu aprovou um relatório elaborado pelo deputado português Rui Tavares em que se considera, pela primeira vez, que a forma como se vive na Hungria não é compatível com o artº 2 do Tratado da UE que exige que respeito pelos valores fundadores da União, entre os quais o respeito pela democracia e pelo Estado de Direito. Mais de um mês depois e por mera casualidade, chego a este texto na Visão, e fico curiosa de saber que mais se tem passado.

É aí que vou dar ao blog do Rui Tavares - onde encontro este comentário de um "combraguy" que diz ser húngaro:

 

Coimbraguy

Eu sendo húngaro, recuso absolutamente esta interferência com o meu país de origem. Em primeiro lugar: perguntem se faz favor qualquer pessoa da rua se ele se sente sob ditadura? Depois perguntem faz favor os ex-comunistas (agora “liberais”) que alimentam a má imagem da Hungria através da Fundação Táncsics, falando sobre assuntos que não tem nada a ver com nada. Há trés anos atrás ainda foi banido o uso da cruz durante o Natal pelo governo anterior (os liberais, ex-comunistas), e foi substituído por Menorás. O governo anterior admitidamente ganhou a eleição em 2006 por batota – eles não divulgaram a situação financeira da Hungria em tempos devidos, mentindo sobre os valores, depois ganharam e depois veio aquele discurso de Öszöd, onde o ex-primeiro ministro, Gyurcsány admitiu não ter feito grande coisa como PM. Bom, naquela altura ninguém levantou a sua voz da EU, porque o tal governo foi o amigo dos Banqueiros. Agora, este novo governo do Orbán pede bom senso de todo lado, incluindo o tribunal de constituição. Em retorno, a nossa défice baixou para ~2%. Qual é mais importante?
Ahh, democracia. Mas o que é democracia? Onda todas as vozes contam? Não, esse não existe. Não, porque não há informação verdadeira. Quem pode ainda acreditar num politico, num jornal? Sabemos que o certos membros do governo português atual e anterior bem com alguns banqueiros são corruptos. Numa democracia estes vão para o prisão. Como na Hungria. Em Portugal não. Então, resolve-se faz favor a democracia aqui em Portugal em primeiro lugar.

Pronto, ontem (03/julho/2013) foi realizado uma ação disciplinar contra o Sr PM Viktor Orbán e Hungria. E também foi recusado a entrada do presidente da Bolívia, Evo Moralesno espaço aéreo de Portugal: O rumor de que levaria Edward Snowden a bordo precipitou os acontecimentos. Ontem o Sr. José Manuel Barroso levantou a sua voz contra os EUA depois de ter escutado toda da Europa. O Edward Snowden contou tudo. Porque HÁ ainda um bocadinho de democracia no coração de certas pessoas. Portugal não permitiu a entrada da avião que do presidente da Bolívia porque podia ter transportado uma fatia de democracia. Ou seja, Portugal está contra a verdade, contra a opinião pública, concorda com as escutas, recusa ajudar os que defendem a democracia.

 

E, independentemente da veracidade factual, este coimbraguy fala de uma coisa que nos é mais confortável evitar, a cada dia, a cada 'desconforto'. Essa coisa chamada democracia, o que é na realidade, como está a ser realmente aplicada e que evolução podemos e devemos pensar de uma forma governo que nasceu na Grécia com contornos distintos dos de hoje (era uma Grécia com escravos e onde as mulheres não eram 'naturalmente' cidadãs, só oara estabelecer o perímetro).

Há democracia quando as elites se sucedem e a renovação dessas elites não é mais do que uma injecção de carga idêntica no sistema de partidos? Há democracia quando o Governo de Estado configura um acesso legitimado pelo voto aos bens de todos usados em proveito de alguns? Ou pior, o acesso à decisão legitimada pelo voto de colocar toda uma população a pagar os prejuízos de alguns? Há democracia quando manifestamente os 'spin doctors' e não os pensadores sociais, políticos e económicos ditam o rumo das decisões do país ao ritmo da abertura dos telejornais das 8 da noite? Há democracia, por último, quando sabemos, está estudado, não é mito, que muito é mais fácil conseguir de uma multidão uma decisão irracional e potencialmente perigosa do que de um indíviduo ou vários longe da turba? São questões com qualquer coisa de odiento, eu sei. Como já me perguntaram, em círculos mais fechados, 'mas queres o quê, decidir que uns podem votar e outros não?'. Não se trata disso. Também vejo muitos pais que não qualificam para o exercício da paternidade ou da maternidade, mas a biologia não lhes é limitada e seria desumano que fosse. Os resultados do exercício dessa biologia devem ser regulados, isso sim, para que situações em que crianças, ou mães, ou pais, ficam em risco sejam prevenidas ou rapidamente solucionadas. O Estado não é 'pai' ou 'mãe' - esse sim, mais um fantasma periogoso do passado da Europa que nos assombra em vários contextos. Mas a cidadania, como a biologia, não é apenas uma possibilidade ou um status quo. É uma responsabilidade e um estado em construção. Definitivamente tem de ser repensada, com outra exigência, sem medo de abrir a caixa de Pandora e debater como podemos melhorar, fazer evoluir, este regime político, sem dúvida imperfeito mas para o qual até aqui não encontrámos melhor e que é a democracia. Porque, definitivamente, esta 'democracia' começa a ficar muito perigosa e não há artigos fundadores que nos salvem se nos abstrairmos da realidade.


 

Há uma frase do coimbraguy, esse tipo invisível, que é particularmente inquietante e que nos deve fazer pensar:

"Mas o que é democracia? Onda todas as vozes contam? Não, esse não existe. Não, porque não há informação verdadeira. Quem pode ainda acreditar num politico, num jornal? Sabemos que o certos membros do governo português atual e anterior bem com alguns banqueiros são corruptos. Numa democracia estes vão para o prisão. Como na Hungria. Em Portugal não."

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por sparks às 10:07


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