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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos


Quinta-feira, 31.07.14

Um país à borla

 

A notícia sobre mais um recrutamento 'criativo' no mercado voltou a ser tema de conversa. Trata-se de um recrutamento para uma agência com o objectivo de trabalhar uma marca de um cliente real e, supõe-se, com uma factura real a ser cobrada. Não são estágios curriculares, mas sim, segundo os promotores,  uma oportunidade para "trabalhar no novo laboratório criativo da agência".

 

A coisa pode ser apresentada de várias formas.

1. trabalhar à borla

2. ganhar experiência

3. trabalhar à borla e ganhar experiência

4. ganhar formação à borla

5. ter 'visibilidade' no mercado de trabalho

6. facturar ao cliente com trabalho à borla

 

Como é fácil de ver, a palavra mais recorrente é mesmo borla. Nós aqui em Portugal somos o país das borlas. Basta olhar para as médias de subscrição de serviços pagos naqueles sites que oferecem uma parte 'à borla' versus outra parte 'paga'. Nós batemos qualquer estatística europeia: à borla tudo, pago, quase nada.

 

Para alguns tem tudo a ver com a pobreza endógena do país. 

Temo, em muitos casos, que tenha muito mais a ver com duas coisas que decorrem de outro tipo de pobreza. Uma é a chica-espertice. Outra é a subserviência.

 

Do ponto estritamente económico e empresarial, este ciclo é do pior que há. 

As empresas que podem pagar mais, tudo fazem para pagar nada. As empresas que estão no meio - a esmagadora maioria das empresas em Portugal - tudo fazem para simplesmente sobreviver. No manual de sobrevivência, a regra do  quase à borla é de ouro. Para poderem fazer preços quase à borla têm de ter trabalho à borla. O efeito disto escada abaixo é mais ou menos de aritmética pura: vamos tirando dinheiro de cima para baixo e quando chegamos à base de suporte de qualquer economia - o consumo privado - encontramos malta que não tem dinheiro para gastar. Logo não compra, logo as empresas maiores para manterem o seu status quo têm de espremer as outras - as que estão stuck in the middle. E assim sucessivamente. Com uma particularidade adicional: quando a malta do trabalho à borla consegue ganhar algum dinheiro, já tem doutoramente em todas as formas de viver à borla (estou a falar da malta 'normal'. não de quem passa a vida a pedir o iphone seguinte ao pai e à mãe). E assim sucessivamente.

 

Já mudávamos de vida, já.

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por sparks às 13:46

Quinta-feira, 10.04.14

Aos encontrões com a vida

Não sei muito bem como materializar em palavras algumas emoções dos últimos dias. Não sei se emoções é sequer a melhor forma de designar o que me tem passado pelos olhos, pela cabeça e muito pelo coração.

Nos últimos dias, várias histórias de pessoas que conheço e gosto vieram de encontrão ter comigo. Pessoas boas, pessoas que têm feito coisas boas, e que estão em profundo sofrimento. Neste mesmo intervalo de dias, por razões que hoje não consigo escalpelizar, eu própria me tenho dado valentes encontrões, por desilusão com terceiros, por esperas longas demais, por equações que não se resolvem e que já deviam ter um resultado certo.

É certamente uma casualidade.

Mas o que senti nestes dias foi uma espécie de mal de vida onde devia estar bem. Um mal que começa demasiadas vezes porque algumas empresas estão ou são sítios pouco recomendáveis, porque as pessoas nessas empresas ou baixam os braços ou se tornam pouco recomendáveis (e sim, acredito que há uma terceira via nisto tudo) e porque a subjugação económica em prol da renda, da escola, da conta de electricidade e do supermercado rapidamente galopa para um sentimento de perda, de dignidade esventrada, de não retorno.

 

A par com tudo isso, há ali um mundo ao lado. De pessoas que se dão bem, que se vestem bem, que estão impecavelmente cuidadas, que falam sem nunca perder controlo. Que não engordam porque fat is the new looser (sério, vocês já repararam como a magreza se tornou símbolo de sucesso? com honrosas excepções, em que 'fat' é simplesmente uma questão de estilo). Recordo-me de um comentário de um gestor, daqueles cheios de medalhas e taças, que dizia o seguinte sobre a forma física: 'se não controlas o teu corpo, como queres controlar o resto?'. A magreza é muito mais que um tema de moda, beleza, saúde - é um sinal exterior de poder.

 

Não consegui ainda processar estas coisas todas. Estou demasiado preocupada com as histórias de pessoas que gosto e que estão aos encontrões com a vida, demasiado triste por me sentir impotente e demasiado irritada para me conformar.

 

 

 

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por sparks às 01:00

Quinta-feira, 20.02.14

É a lealdade, estúpido! a estúpida da lealdade

A arte imita a vida, a vida imita a arte, and this goes on, and on, and on.

Em certos dias, estas  evidências esfregam-se nos nossos olhos, zangam-nos com o mundo, com os outros, connosco e lá ficam em suspenso para nos reconciliarem. No minuto seguinte, na hora seguinte, no depois seguinte.

Ter uma série de culto é uma espécie de mania. Já é assim há muitos anos e o facto de hoje poder ver qualquer série a qualquer hora, vários episódios seguidos até à insanidade, não mudou em nada esta mania. Gosto de ver um episódio de cada vez da série que, a cada tempo, escolho para ser a versão TV do livro de cabeceira. Gosto de saborear um episódio de cada vez e de ficar a pensar no episódio do dia seguinte. Já fui fã das séries de culto que realmente fica bem dizer que somos fãs em público e já me deliciei dia após dia com verdadeiras soap às quais os connaisseurs torciam o nariz. Nunca me incomodou. É uma mania, um vício, um ritual, o que lhe queiram chamar. E da mesma forma que ninguém deixa de ser nosso amigo porque temos uns quilos a mais, uma borbulha nojenta na testa ou um casaco de gosto duvidoso, as séries já estão nesse saco de idiossincrasias.

 

Tudo isto para chegar aqui ao ponto onde hoje queria mesmo chegar. A minha série do momento chama-se The Good Wife e vai na quinta temporada. Comecei lançadíssima na primeira, vi até meio da segunda, interrompi na terceira, retomei na quarta e estou imparável desde então. É uma série sobre pessoas que vivem acima das minhas possibilidades, advogados e políticos na sua maioria. É uma série de 'ricos' cuja acção tem como palco central um escritório de advogados cuja quota de entrada como sócio é de 600 mil dólares. Mas é também uma série sobre mães e filhos, mulheres, mães e sogras, jovens aspirantes na máquina da justiça, alguns bandidos oficiais e alguns bandidos não assumidos. E é uma série que entra muito bem no território das empresas, nomeadamente de startups, e que explora de forma natural e não exibicionista a forma natural e não exibicionista como a tecnologia entrou na vida de todos nós. Do mais básico das redes sociais aos temas de espionagem da NSA (retratados da forma mais naturalmente coloquial).

 

Gosto de todas as derivadas, da política, da justiça, das disputas de negócios, das causas improváveis sobre direitos e deveres. Gosto da paixão e da tensão que marca cada episódio. Gosto do facto de estarem dois adolescentes no meio da história. Gosto especialmente da forma como a série entra pelas empresas dentro, desde a empresa-escritório de advogados que serve de âncora à história, a tantas outras que se vão cruzando de episódio em episódio. Em The Good Wife as empresas são vistas pela lente única das pessoas que as protagonizam, que lhes dão corpo. O chefe, o estagiário, o sócio, a secretária, o financiador. E as empresas são esse puzzle complicado constituído por pessoas muito diferentes, com expectativas diferentes, passados diferentes que se encontram num mesmo momento presente. É assim ali e é assim cá fora, quando me levanto do sofá e volto à vidinha.

 

Acredito que foi por isso que os episódios dos últimos dias me provocaram uma sentimento tão real. Indignei-me - a sério, argumentei - a sério, disse 'toma' mental - a sério (e outras coisas).

Nestes dias, o tema de The Good Wife foi desapontamento, traição e deslealdade. A personagem central - a Good Wife - sai da firma em que recuperou a sua carreira profissional e de que se tornou sócia, em ambiente de conspiração com os sócios e colegas com quem trabalhou durante anos. Conspiração significa roubo de informação, aliciamento de clientes, jogo duplo. Sem se trair, sem quase se melindrar.

Os 'conspiradores' sentem-se menosprezados, usados e não reconhecidos, e por acreditarem no seu talento querem a sua própria ribalta. Tudo plausível e legítimo.E, no entanto, tudo desprezível. Porque não há grande causa que se compadeça com uma forma de agir miserável. E quando ao vingarmos o erro de alguém nivelamos abaixo desse erro, é mesmo uma causa perdida.

 

Voltando à vida real. De pessoas que trabalham umas com as outras, às vezes são chefes, às vezes são patrões, na maioria dos casos são índios e empregados. Todos nós passamos por estes status e estados de alma. Trabalhamos que nem uns cães e alguém se esqueceu de um obrigado. Fazemos melhor que outros mas temos menos habilidade política, menos trânsito social ou na suprema das injustiças menos apelidos para quem tem esse critério como referência. Já todos passámos por isso. Começa logo cedo na escola e continua vida fora. Já fomos injustiçados, preteridos, obliterados, simplesmente esquecidos. E não somos nem santos nem mártires, somos pessoas normais que ficam lixadas como as pessoas normais ficam quando as coisas não correm bem.

 

Mas há momentos, alguns momentos muito bem definidos na linha do tempo, em que somos como que sorteados por uma ordem qualquer e temos de tomar  uma posição, decidir um caminho, assumir o que somos lá no fundinho.

E nesses momentos não somos todos iguais. Uns tornam-se tão insuportáveis como os conspiradores da série, outros são igualmente insuportáveis mas podemos nunca saber (o que é pior) e outros ... outros são mesmo pessoas normais, pessoas-pessoas. Que se debatem, que têm ataques de fúria, de depressão, de ansiedade, mas que quando são colocadas na ponta da faca conseguem não se esquecer do que é isso de fazer as coisas bem.

Não se armar em fortalhaço quando se está em grupo ou em humilde quando se está a solo, é fazer as coisas bem. Discordar ou dizer coisas menos simpáticas directamente aos visados é fazer as coisas bem. Não manipular pessoas que gostam de nós e que confiam em nós é fazer as coisas bem. Não tomar como 'bom' apenas aquilo que é igual a nós é fazer as coisas bem. E há dezenas, centenas de outras variáveis que não vêm nem nos manuais de gestão, nem noutros manuais académicos, nem na catequese, nem nos códigos de ética. São straight from de heart. Aprendem-se connosco, aprendem-se em casa, aprendem-se  vivendo uns com os outros.

 

Hoje uma pessoa que trabalha comigo há dois anos assumiu novas funções. Vai ter uma equipa para gerir, objectivos para alcançar, expectativas de todos para nivelar. Na conversa de preparação para as novas funções, depois de discutidos os detalhes operacionais, disse-lhe que aquilo em que devia colocar mais esforço era em conhecer as pessoas, em perceber quem são, mais do que aquilo que fazem. Conhecer as pessoas e perceber se a lealdade está lá, se a honestidade está lá, se a humanidade está lá. Porque se não estiver, tudo o resto pode valer muito pouco.

Já tive pessoas que trabalham comigo a sofrer por estarem há mais de uma tarde sem me dizer que se vão embora porque tiveram uma proposta de trabalho. E já tive pessoas que à minha frente juram uma dedicação ímpar, e ainda as sílabas não fizeram a digestão e já são cozinhadas para um propósito inverso.

 

A vida é muito melhor quando temos as pessoas boas por perto. É tão banal isto quanto ver séries no sofá e falar de personagens como se fossem 'pessoas a sério' mas se não fossem as coisas banais, a vida era seriamente insuportável.

 

Até breve, sejam leais e protejam os vossos ficheiros com passwords : )

 

P.S. - Não disse ainda mas o episódio que deu origem a esta conversa toda é simplesmente fenomenal!

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por sparks às 01:35

Sexta-feira, 07.02.14

Já discutimos isso internamente

Da série as-coisas-que-eu-te dizia-se-não-fosse-muito-profissional

 

Cenário: Reunião de empresa (pode ser entre departamentos, desde que suficientemente formais, ou entre empresas)

'Ah, já repararam que alhos com tremoços e margarina não resulta muito bem?'

(resposta com ar de quem nunca pensou no tema metamorfoseado em ar de quem come alhos-tremoços-e-margarina todos os dias e não pensa noutra coisa há meses)

 

'Sim, claro, temos perfeita noção disso, mas se experimentarem margarina-alhos-e-tremoços o resultado pode ser surpreendente'

(aqui temos o momento clássico de vamos ver se os baralhamos ou se pelo menos ganhamos tempo)

'Mas margarina-alhos-e-tremoços é a mesma coisa que alhos com tremoços e margarina, só que em ordem invertida'

(damn it!)

 

'Pois, já discutimos isso internamente e estamos a avaliar as várias possibilidades'

 

'Já discutimos isso internamente' é a fórmula corporativa para dizer ' mete-te mas-é na tua vida que não tens nada a ver com isso' devidamente rematado com um 'achas que sou estúpido, ou quê?'

 

Os momentos de franco convívio e de saudável chapada (no sentido figurado, no sentido figurado) que se perdem à custa desta coisa de sermos corporativamente higienizados. Digo eu, que até tenho a felicidade de trabalhar, na maior parte do tempo, com as pessoas mais desbocadas do planeta. Tem sido (quase) sempre assim, se calhar é por isso que estranho.

 

Bom fim-de-semana

 

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por sparks às 20:58

Domingo, 10.11.13

Talvez uma fé exagerada nos números

Temos números, previsões, máquinas que processam dados. Temos estatísticas, audiências, projecções. E temos exércitos de garotos que militam nos bancos das universidades de economia, engenharia ou matemáticas aplicadas e que saem de lá com toda a teoria de previsão do futuro. Temos tudo isto a baixo preço, porque as máquinas são hoje infinitamente mais baratas e os jovens Houdinis das previsões são hoje infinitamente mais baratos.

 

Como temos tudo isto, as decisões que todos os dias se tomam são, mais do que nunca, racionais. Ou, como dizem os seus defensores, suportadas em evidências e em dados objectivos. Os números não mentem, as pessoas e as suas convicções, sonhos e intuições sim, são altamente enganadoras.

 

Vejo só um pequeno e irrelevante problema em tudo isto. O futuro, seja ele qual for, existam as máquinas e os exércitos de analistas que existam, continua a ser a terra do que não se sabe.

Pode o risco ser antecipado e controlado? Pode.

Pode todo todo e qualquer risco ser antecipado controlado? Não, não pode.

 

E sabem porquê? Porque nesse santuário inabalável da objectividade não entra uma variável absolutamente determinante enquanto existir espécie humana e que é a sua imprevisibilidade, a sua natureza surpreendente e a sua capacidade de mudar as regras.

É por isso que algumas empresas, outrora seguras detentoras do trono do futuro, simplesmente desapareceram do mapa.

É por isso que algumas rotinas, que pareceram para sempre imutáveis, um dia mudam.

E é por isso que algumas empresas, infelizmente mais do que seria desejável, recusam de forma obstinada qualquer projecto, experiência, iniciativa com o pretexto de que 'nunca foi feito'. A oportunidade é essa - nunca ter sido feito. Às vezes falha-se, pois é. Mas se nunca experimentarmos, nunca saberemos. Curiosamente são tantas vezes as mesmas empresas que gastam milhares de euros em powerpoints e consultorias sobre inovação. São também as mesmas empresas que descobrem, sempre atrasadas, os fenómenos de mudança e que tentam pateticamente compensar com logotipos o que não fizeram efectivamente na prática.

 

Contaram-me há pouco tempo um episódio ilustrativo.

Por causa da crise, as agências que compram espaços de publicidade nos meios de comunicação, e que na prática são verdadeiros bancos num segmento muito especializado como os media, substituiram vários dos seus quadros por jovens analistas acabados de chegar ao mercado. Jovens, alguns sem dúvida brilhantes, cujo papel é dominar com mestria fórmulas de excel e apresentar projecções e reasons why para o investimento das marcas.

A pessoa que me contou esta história, para o caso um profissional com imensa experiência no mercado de media (e que já trabalhou dos dois lados do mercado, como anunciante e como media) perguntou ao executivo de uma agência porque razão investiam um valor considerável num determinado meio de comunicação, cuja audiência, sendo interessante, é muito limitada a um segmento e em condições muito específicas (desculpem a definição vaga, mas aqui entro nos limites que me imponho de confidencialidade).

Com honestidade, o executivo da agência respondeu-lhe ' não sei, é uma recomendação que me vem no report dos analistas'.

A curiosidade instalou-se e e o próprio executivo da agência foi saber junto do analista em questão porque tinha feito aquela recomendação.

Resposta: porque no cálculo dos indicadores, mostrava que a célula a verde (ou seja, indicação positiva).

Detalhe a reter: o referido analista nunca tinha consultado como utilizador sequer o meio de comunicação em causa, não sabia fisicamente o que era.

 

Dito isto. Se a H3 tivesse analisado o seu negócio à luz dos indicadores existentes, nunca se teria tornado num negócio bem sucedido (uma cadeia - portuguesa - de hamburguers???).

Se a Apple tivesse confiado nos dados já existentes (lembram-se, império Nokia, todos estávamos completamente domesticados àqueles menus e usabilidade), nunca teria trabalhado anos a fio no iPod e num produto gamechanger chamado Iphone.

Se no negócio de internet, só o volume contasse, só teríamos sites de sexo, dietas e mexericos e futebol.

 

Talvez haja uma fé exagerada nos números. Talvez, uma palavra ela própria banida para quem acredita que pode domar toda a incerteza própria do futuro.

Os números são importantes. Mas dizem-nos pouco e às vezes nada sobre essa maravilhosa imprevisibilidade dos seres humanos.

 

Nota: E já agora vale a pena voltar a recomendar o livro Previsivelmente Irracionais, de Dan Ariely. Daqui a uns tempos, falarei aqui de outro que ando a ler.

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por sparks às 14:30

Segunda-feira, 23.09.13

80% dos problemas nas empresas não são de comunicação. São mesmo por causa de pessoas a trabalhar com pessoas

É vulgar ouvir-se que 80% dos problemas nas empresas são devido a má comunicação. Na realidade, quando se diz isso, o que se quer de facto dizer é que 80% dos problemas nas empresas devem-se às relações entre pessoas. E é por isso que gerir pessoas é, em simultâneo, das tarefas mais nobres e mais inglórias. É uma tarefa nunca acabada e por muito que se faça bem, um dia algo vai sair ao lado. E, na equação 'relações entre pessoas', quem gere é um X que com a maior das facilidades leva com o sinal negativo.

 

Por razões diversas, nos últimos dias tenho pensado neste tema quase todos os dias. Tenho perguntas dançantes a desinquietar-me. Como 'porque razão é mais fácil contagiar uma equipa pela negativa do que pela positiva'. Ou 'porque é que o tipo que procura ser parte da solução em vez do problema é facilmente apelidado de lambe-botas ou de tótó'. Ou ainda, e se calhar na génese, 'porque precisamos tanto do negativo do 'outro' - o adversário, o inimigo - para darmos sentido e coesão a um grupo'.

A antropologia e a psicologia já estudaram isto tudo, mas no nosso dia a dia de trabalho, seja numa empresa, numa escola ou num hospital, o ciclo repete-se e repete-se. Nomes míticos como Ford ou Jobs têm tiradas igualmente míticas sobre esta coisa difícil que é termos de trabalhar com outros seres humanos (... que viver com outros seres humanos). Ford, dizia por exemplo, que lhe parecia incompreensível porque razão tinha de aturar uma pessoa inteira quando só precisava das suas mãos.

 

Das várias questões e já com alguns anos de observação de campo, há três ou quatro coisas particularmente perturbadoras:

1 - Portugal oscila de forma doentia entre ' o respeitinho é muito bonito' e o 'não mandas em mim'; ambos traumas profundos e a exigir tratamento urgente

2 - É mais fácil um mau carácter impor-se numa equipa do que um bom tipo; dizer mal do que se faz, como se faz, porque se faz e para quem se faz é tido como sinónimo de 'atitude'

3 - As mesmas pessoas que não se conseguem mobilizar para mostrar que uma coisa funciona podem mobilizar-se incansavelmente para mostrar que outra coisa não funciona

4 - (esta com imensa pena) A inveja, infelizmente, continua ser ser um traço de personalidade muito português. Vem dos mesmos que não querem ter de fazer mais, responsabilizar-se por mais, sofrer por mais. (e é mesmo pena. como se resolve?????)

 

Casos práticos à laia de recortes da vida real:

 

No meu bairro tenho o talhante mais talentoso de Lisboa - Talho do Alcides. O Sr. Alcides há mais de 30 anos que se levanta todos os dias às quatro da manhã e lá vai garantir que tem a melhor carne, preparada da forma mais saborosa e surpreendente, e com um serviço a todos os títulos notável. O que vende é bom e era razão mais do que suficiente para ter a numerosa clientela que tem. Mas a verdade é que todos os que lá vão são tratados pelo nome, reconhecidas as preferências, anotadas as excentricidades. Filhas e genros compõem o resto da equipa (2ª geração que já passou pelos bancos das faculdades) e a atitude é a mesma, profisssional e pessoalmente. 

O Sr. Alcides tem um vizinho que, de 5 em 5 anos, quando ele troca de carro, lhe esboça um esgar e diz: com que então carro novo, rica vida! Quando recebe na volta um 'quer trocar?', o dito vizinho apressa-se a responder 'Deus me livre, queria lá essa vida'. Essa rica vida que se apressa a comentar.

 

Há cerca de duas semanas fiquei sem empregada doméstica depois de várias conversas de surdos. Custou-me muito prescindir da pessoa em causa, porque estas coisas custam. Mas chegámos àquele patamar em que a minha preocupação era ajustar-me à agenda dela e já não fazia qualquer sentido. Neste fim de semana contratei os serviços de uma engomadoria. Tratei de tudo pelo telefone e ficou combinado que no mesmo dia me telefonariam para vir buscar a roupa. Quando me ligaram estava nas compras de supermercado e disponibilizei-me a ajustar-me à hora a que pudessem passar. Do outro lado ouvi: nem pensar, nós é que nos ajustamos à hora que puder. Belisquei-me e percebi que o síndrome de Estocolmo tem variadíssimas aplicações.

 

Tenho vários amigos que fazem parte de um grupo em que também me incluo: profissionais de diferentes áreas que trabalham para uma instituição com alguma dimensão  (como uma universidade ou grande empresa) ao mesmo tempo que são sócios de uma empresa ou de um projecto. Uma dia escreverei em detalhe sobre esta geração de fazedores de coisas, mas hoje o ponto tem a ver com gestão das pessoas. Nas grandes empresas, e em lugar de chefia, muitas coisas acontecem apenas porque o chefe disse (o inverso também é válido). Não é a melhor razão para acontecer e, para quem gosta de trabalho criativo, é estimulante incentivar os outros a questionar, ter dúvidas, propor alternativas. Nas novas pequenas empresas (as sexy startups), o chefe é muitas vezes o dono ou um dos donos. Sofre para pagar os ordenados, os impostos e garantir trabalho. Ainda assim gasta uma parte significativa do tempo a negociar com a sua própria equipa. Que questiona, tem dúvidas e bate-se pela alternativa. A medição de forças é da natureza humana mas o ponto de equilibrio está longe de ser alcançado. Portugal forte com os fracos e fraco com os fortes. Não é um problema das élites - é de todos.

 

Sei que há muita gente maltratada por chefes e patrões. Há chefes incompetentes e patrões sem carácter. Mas enquanto acharmos que o nosso problema, enquanto país, é só deles, isto não vai correr bem. A ideologia do chefe/patrão mau, empregado bom é um porto seguro que ainda acalma - e manipula - muitas consciências. Mas como qualquer um de nós percebe a partir de tenra idade o Pai Natal não existe, o coelho da Páscoa não põe ovos e não, não é o rótulo com a nossa função que nos define. Trata-se de quem somos, como nos portamos, o que fazemos. Sorry, folks!

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por sparks às 23:51

Quarta-feira, 18.09.13

Nada ou afoga-te. Tão simples quanto isso

Há cerca de 12 anos fiz a minha primeira empresa numa época em que ser empregado por conta de outrem, sobretudo ser bem empregado por conta de outrem, ainda era o melhor que se podia desejar. Viviam-se os primeiros anos do século XXI e, antes disso, os anos 90 tinham sido inebriantes de crédito, casa própria, carro próprio, quase pleno emprego, multinacionais que investiam, marketing em explosão. Eu fiz parte da geração que entrou no mercado de trabalho nessa euforia. As coisas corriam bem, a mim e à maior parte dos que me rodeavam.

A crise das dotcom não trouxe, ao invés do que aconteceu nos Estados Unidos, uma efectiva mudança de paradigma para quem tinha empresas em Portugal. Por ‘quem tinha empresas’, entenda-se, falo de novos empresários (hoje empreendedores), novas PME (hoje startups), já que à excepção das heranças ou de negócios de Estado, nenhuma empresa nasce grande. E a mudança não foi grande, porque, apesar de uma primaveril excitação com a internet, a tecnologia e as novas possibilidades que traziam, a verdade é que em Portugal só meia dúzia de ‘piratas’ tinha, realmente, ideias e capacidade para surfar nessa onda. Os restantes eram figurantes, muitos apenas entusiasmados com o que parecia ser uma ‘onda’ cool da economia.

Assim, a nova economia começou e acabou num piscar de olhos, as empresas portuguesas voltaram a preocupar-se com a crise habitual da economia portuguesa, os discursos alinharam-se de novo pelo diapasão de sempre (não há orçamento, estamos em contenção de custos, este ano temos de controlar os investimentos) e os mesmos de sempre continuaram nos seus negócios das grandes obras, das grandes infra-estruturas, dos negócios em que o Estado é padrinho e às vezes padrasto.

O que ficou para alguns de nós, desses curtos anos entre finais de década de 90 e arranque de século XXI, foi a possibilidade. E a possibilidade é uma faísca poderosa, capaz de atear um fogo maior. As histórias que nos chegavam ‘lá de fora’, os choques eléctricos das capas da Wired, nomes novos – sim, eram novos – como Bezzos, Jobs, Branson, nomes ainda mais novos, alguns extemporâneos, chicoteavam-nos para que não nos esquecêssemos que havia a possibilidade.

Entre 2002 e 2008, muitas PMEs portuguesas, em áreas como media digital, biomedicina, ambiente, tecnologia aeroespacial, apenas para citar algumas, cresceram a pulso com os olhos postos na possibilidade. Que possibilidade? Aquela que move quem verdadeiramente é empreendedor. A de criar algo novo, de encontrar uma nova solução, de traçar um caminho próprio. E, milagrosamente, com muito trabalho, muita persistência e muita competência, algumas destas PMEs tornaram-se elas próprias a possibilidade. Ganharam o seu espaço, conquistaram direito a existir e a ser donas do seu futuro. Nada mais inusual ao Portugal monolítico, dos grandes e dos pequenos, pouco ou mesmo nada habituado a ceder espaço a esse meio que é por onde se passa obrigatoriamente no caminho de pequeno a maior.

Nestes anos, recordo, eu fui sócia da minha primeira empresa. Um tempo de aprendizagem, daquela que não se esquece, talvez idêntica à que pais e avós contavam ter feito entre reguadas para aprender a tabuada. Não sabes gerir IVA? Reguada. Estás a contar com pagamentos a horas? Reguada. Dedicas horas a fim a produzir propostas que já são verdadeiros projectos chave-na-mão (não pagos)? Reguada.

Nesse tempo, os ditos grandes clientes tinham entre as suas principais preocupações duas perguntas: onde era a sede da empresa e quantas pessoas empregávamos. Uma empresa de garagem não era ‘giro’ nem sinónimo de ‘espírito empreendedor’. Era simplesmente uma empresa pouco sexy ou que ao assumir-se assim falhava o ‘círculo da confiança’.  Um amigo e companheiro destas cruzadas contava que nas reuniões de apresentação multiplicava-se sempre (a ele e aos dois sócios) por três. Valemos por três, garantia. (e valiam mesmo, hoje é uma das empresas tecnológicas mais interessantes em Portugal).

Até que chegou 2008. Faliram bancos na América. O Portugal forte com os fracos e fraco com os fortes protegeu os seus bancos. Mas, ao lado, uma economia de PMEs dominada por empresas que nunca conseguiram fazer a travessia da ponte que liga o infinitamente pequeno ao consideravelmente maior, soçobrou. O diapasão de 2001 - (não há orçamento, estamos em contenção de custos, este ano temos de controlar os investimentos) - tornou-se substancialmente mais simples. Nada ou afoga-te. Tão simples quanto isso.

Os heróis da ‘possibilidade’, os que resistiram e alguns acabados de chegar, perceberam a mensagem. Os monopólios não te vão defender, o Estado não te vai subsidiar, a Europa não te vai salvar.

E foi neste clima agreste que empreendedores realmente empreendedores, viram a sua possibilidade. Quem tem de nascer, prepare-se para esbracejar, li há pouco tempo na escrita do padre José Tolentino Mendonça. “Enquanto se esbraceja, a vida vem em nosso socorro, a vida torna-se cúmplice, e não pára de nos surpreender”. Um ano, dois anos, três anos. O Portugal monolítico não se rendeu fácil a esta gente que resiste e que persiste. Gente que vem de origens tão diferentes quanto as universidades, os negócios tradicionais, os empregos monótonos e sem qualquer chama de desafio e, em tantos casos, o desemprego ingrato e inglório. Quando Portugal bateu no fundo, algures entre o fim de 2010 e meados de 2011, o país descobriu estes novos heróis.

De então para cá, o empreendedorismo é como o sol. Nasce todos os dias. O empresário que fez fortuna no estrangeiro e regressou milionário é empreendedor e o jovem que tirou um curso profissional e foi trabalhar como barbeiro também.

Em Portugal, os novos negócios envolvem uma média de 46 mil pessoas e 2.600 novas empresas por ano. Entre 2006 e 2011, nasceram, em Portugal, cerca de 22 mil startups e estrearam-se cerca de 27 mil novos empreendedores

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Há aceleradores de negócio, incubadoras e cursos de empreendedorismo em qualquer esquina do país. Cinismo? Pelo contrário. O que assistimos hoje em Portugal tem os ingredientes certos para se poder tornar numa verdadeira revolução cultural na economia e na sociedade portuguesa. A combinação de factores como o número de licenciados, mestrandos e doutorados, a diluição de fronteiras próximas e longínquas, a intensificação do uso das tecnologias de comunicação e a proverbial natureza dos portuguesas para mostrar o que são capazes quando têm a corda na garganta pode ser a nossa tempestade perfeita.

Desde que não nos tire o discernimento e desde que o movimento sincero de pessoas e empresas à procura de novas soluções não seja apropriado pelo ‘establishment’ apenas e tão somente como bandeira.

 “Tendemos a olhar para os empreendedores como se fossem super-heróis, vestissem fato e gravata e fossem hiper-ricos. O empreendedorismo tem além da evidente função económica, um objectivo social: resolver problemas quotidianos, dar resposta a necessidades. Qualquer pessoa pode faze-lo desde que detecte uma oportunidade e detenha competências básicas: pensamento crítico e criatividade”.

A afirmação é de Dana Stangler, da Kauffman Foundation, numa entrevista recente ao Expresso. E o que diz tem tudo a ver com não irmos em modas, não nos atermos à forma, mas sim ao conteúdo.

O conteúdo que interessa, neste momento, é criar condições para que as novas empresas, os novos projectos, cresçam. Crescer significa vender mais, fazer boas parcerias, ter boleia para internacionalização, ter reconhecimento de marca. O financiamento é, naturalmente, um tema crítico – há que levar à letra a máxima ‘put your money where you put your mouth’ – mas tudo o resto é tão ou mais importante e não custa dinheiro. Custa compromisso, custa empenho e custa visão de médio e longo prazo. No passado, a ausência destes valores custou-nos caro, como nos custa caro a ausência de uma sociedade civil e de uma comunidade empresarial forte e autónoma do Estado. É a nossa oportunidade de corrigir o rumo. O ambiente que tenho presenciado em várias incubadoras e em vários projectos de parceria faz-me acreditar que o podemos mesmo fazer. Há um país anestesiado e que século após século enraizou fundo a convicção que nada vale a pena no binómio 'nós' versus ' eles', mas há outro país decidido a não se deixar abandonar a essa sorte.

A expressão ‘companhia’ enquanto designação de empresa surgiu no século XII, em Florença: la compagnia. Do latim cum + panis que significa partir o pão em conjunto. Precisamos deste sentimento de colectivo. Ou nadamos juntos ou o mais provável é que nos afoguemos juntos.

Fazer uma empresa é arriscar. Arriscar sabendo que 70% das empresas falham. 
Fazer uma empresa é uma coisa difícil: o produto certo, o mercado certo e, sobretudo, as pessoas certas. Na realidade, é semelhante a todas as coisas importantes na vida. Encontrar a pessoa certa para nós é difícil. Criar um filho, provavelmente o acto de maior posterioridade e mais criador das nossas vidas, é difícil. Mas como todas as coisas mais importantes nas nossas vidas, a nossa melhor probabilidade é tentar, fazer bem, não desistir, e resistir até à vitória final que é sempre a próxima. E, como diz a canção, não perder a fé no bem e no certo.



Sobre as ideias

The Next Big Idea foi apresentado à SIC, ainda em 2010, como um programa de televisão para dar palco às novas ideias e aos novos projectos. Empreendedorismo ainda não era, nessa altura, uma palavra tão mágica quanto se tornou, mas na SIC houve vontade e visão para se apostar num formato inovador em que os protagonistas eram todos eles ilustres desconhecidos. Em comum, tinham o facto de terem uma ideia original e de estarem a construir um projecto com esse ponto de partida. Hoje, o The Next Big Idea já levou ao ecrã da SIC Notícias mais de 150 novas ideias. Nas universidades, já foram realizados mais de 30 eventos, com mais de 500 ideias apresentadas. O programa é parceiro de entidades como o Greenfest, ANJE, Museu Nacional de Arte Antiga, Audax e em breve de duas universidades europeias. A próxima etapa passa por dinamizar uma rede de parcerias que potencie vendas, comunicação de marca e internacionalização. E, claro, todos os dias continua a procurar e a exibir uma boa ideia.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Portal VER

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por sparks às 20:40

Sábado, 07.09.13

Oh Captain, my Captain, e os espertos?

Hoje revi O Clube dos Poetas Mortos, um filme que me marcou na idade própria para ser marcada por um filme como este. Aquela idade, algures entre o fim do liceu e os primeiros anos da dita maioridade. Vi-o de novo, há poucos anos, com o meu filho. E hoje. Os filmes, como os livros, a música, a pintura ou outra forma de arte 'falam' connosco. E falam de forma diferente, consoante a nossa vida, o nosso estado de espírito, a nossa generosidade. Hoje vi um Clube dos Poetas Mortos diferente dos outros. Hoje em vez de me emocionar com o Nuwanda, com o Neil e com o Todd, fixei-me numa personagem que sempre foi secundária, o Cameron, o puto ruivo de poupa que é o delator da cumplicidade estabelecidade entre o professor John Keating e a sua turma. Num grupo em estado de choque com a morte de um amigo - o personagem interpretado por Robert Sean Leonard, que muitos conhecem como o Wilson de Dr. House - há uma direcção de um colégio apostada em encontrar culpados. Não pode ser uma turma inteira (onde iriam buscar os rendimentos se expulsassem todos?). Tem de ser o professor. A má influência. A maçã podre.

Cameron é o gajo pragmático. O tipo que percebe logo o que está em causa. O que sabe bem o que tem de fazer para salvar a pele. Cameron é o miúdo, ainda é um míúdo, que interpela  Nuwanda, o bom rebelde (por cá seria mais esquerda caviar), e que diz a todos: 'se forem espertos, fazem como eu e salvam-se'. Se forem espertos. Há 20 anos, a mensagem deste filme era clara como água. Não queremos ser espertos. Queremos ser bons. Queremos ser autênticos. Queremos a nossa dignidade intacta. Hoje. Hoje não sei. Cameron será provavelmente alguém bem sucedido. Numa escala de sucesso estabelecida com base em evidências pragmáticas como dinheiro, status, poder. Cameron será provavelmente alguém que outros, melhores que ele, mais autênticos, mais dignos, não questionam. Alguém que outros, piores que ele, menos capazes que ele, ainda menos dignos veneram à espera da recompensa. À espera da sua vez.

E isto não nos incomoda. A nós, a geração que viu o Clube dos Poetas Mortos e que se reviu em valores que um dia nos pareceram universais. Como aquele ancestral, que dá sentido à vida dos homens e que simplesmente nos diz que o bem prevalecerá.

O que é o bem, como se faz o bem, o bem tem ou não um sentido universal, a discussão é imensa. Os melhores pensadores pensam nisso há milhares de anos. Nós vulgares homens (e mulheres) discutimos isto mesmo à mesa do café ou outra qualquer há milhares de anos.

Hoje parece-me urgente que esta discussão seja feita nas empresas, na praça pública, na nossa vida em conjunto. Que em nome do cinismo institucional do 'é assim que as coisas são' não nos esqueçamos que já tivemos 18 ou 20 anos e que quisemos bater-nos do lado dos bons. Que quem tem hoje 18 ou 20 anos não se afunde nem anestesie com ' não vale a pena'.

Um personagem secundário é sempre um personagem secundário, mesmo que lhe batam palmas. Vale nos filmes e na vida. 

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por sparks às 23:44

Sexta-feira, 30.08.13

"Parem os hambúrgueres, parem as batatas fritas, façam os salários aumentar"

 

 

"Parem os hambúrgueres, parem as batatas fritas, façam os salários aumentar" foi o mote de uma manifestação que só é original porque vivemos em tempos estranhos. Em 60 cidades, trabalhadores de cadeias de fast food pararam em protesto com os baixos salários e as condições de trabalho. Ganham em média 7,5 dólares à hora (cerca de 5,6 euros), não trabalham a tempo inteiro, estão inibidos de receber gorjetas e muitos não têm qualquer complemento, como seguro de saúde.

Num indústria que, segundo estimativas da Sageworks citada na edição online da Time, factura hoje mais 12,1% que há um ano e que baixou a percentagem da facturação usada a pagar salários de 23,5% para 22,9%. Provavelmente, alguns ciosos dos maravilhosos números que o excel nos pode devolver mediante certas fórmulas (magia, pura magia) dirão que menos 0,6% não é nada. O que é bom, porque esses não invocarão então que uma margem de lucro de 4,6% (mais do dobro de 2009, em que era de 2.15) é pouco dinheiro liberto para melhorar a vida de quem trabalha no negócio.

 

O meu ponto é apenas este: não acredito em bons negócios com pessoas a viver mal. Não significa que não existam, que não sejam em muitos mercados a norma e que neste tempo de total submissão às regras financeiras não seja tentador para alguns defenderem projectos com base na premissa dos salários baixos. Ou até do salário nulo, um conceito extravagante * mas muito em voga. Parece que algumas empresas pagam em 'visibilidade', 'oportunidade', 'experiência' as contas de casa, do colégio, do supermercado dos seus trabalhadores.

Ao dizer que não acredito neste modelo, na realidade o que estou a querer dizer é que algures, no tempo, isto vai correr multo mal para todos.

Se uma empresa não factura o suficiente para pagar salários decentes, então não tem negócio. É melhor arranjar outro. Porque um negócio para ser sustentável tem de contemplar que as pessoas que o constroem todos os dias tenham uma vida decente.

Não é nada fácil e muitos trabalhadores estão também longe de perceber o quão difícil é montar uma empresa e deitar todas as noites a cabeça na almofada a pensar como se vai vender mais, trabalhar melhor e pagar salários no fim do mês.

Mas só nas empresas em que os dois lados são na realidade um mesmo lado as coisas correm bem. Vale para as empresas, vale para os países.

Ah, 5,6 euros por mês, a uma média de 8 horas/dia, dá um salário médio por 20 dias de trabalho de 896 euros. Afinal estes americanos são pobres e mal agradecidos. Há certos e determinados países onde se trabalha por metade disso.

 

(*) Uma amiga candidatou-se recentemente a uma oferta de trabalho e recebeu de volta um telefonema para ir a uma entrevista. No telefonema, o diálogo foi este:

- Bem, antes tenho de a informar que o trabalho não é remunerado.
- Não é remunerado?
- Pois, é um problema que temos actualmente...

Extravagante. É só isso.

 

 

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por sparks às 12:54

Segunda-feira, 12.08.13

Uma história exemplar ou porque as más pessoas não são bons clientes

 

 

Não é tudo sacanice e hipocrisia. Aliás, a maioria de nós não vive assim. Imergir num mundo de pessoas que confundem o lugar que ocupam, e o poder que lhes confere, com o que são e o que os outros devem ser em sua reverência é uma terrível infelicidade. Para o próprio e para aqueles que o rodeiam.

Lembro a história de um amigo com uma empresa que começa finalmente a ser bem sucedida ao fim de quase 6 anos de sangue, suor e lágrimas. Após uma reunião numa das nossas grandes empresas, o novo responsável pelo departamento com que trabalha diz-lhe que resolveram internalizar a solução que a empresa desse meu amigo desenvolveu para um problema que a "grande empresa", sua cliente, tinha. O meu amigo acha que não percebeu. "Internalizar como?". A resposta: "tem de explicar às 'minhas pessoas' como vão fazer o que a sua empresa faz". O meu amigo é um tipo bem educado. Não lhe chamou palhaço à frente da equipa toda, não lhe deu um soco e até continuou a conversar com ele. Disse-lhe que depois falariam. Como é óbvio não vai "dar" a solução que ele próprio criou à empresa porque "vão internalizar". Se vão internalizar, pagam a solução. Pagam bem, para deixar de pagar o serviço. Na vida real, esta lógica da batata não é sempre assim. Geralmente não é assim com os mesmos ou os seus delegados. Informa-se o mais pequeno-fraco-indefeso de uma decisão que simplesmente o lixa-expolia-prejudica. No fim de tudo, se alguém levantar alguma questão diz-se "não tem tema".

O meu amigo saiu da reunião a cerrar os dentes. Ou como dizia o Nicolau Santos "a sentir uma raiva a crescer nos dedos". Não vai dar a solução, mas sabe que vai ter de negociar com um tipo sem princípios, sem ética, sem vergonha. Há vários destes. Alguns são premiados, levam palmadas nas costas e são apontados como exemplo pelos respectivos chefes. Chama-se, portuguesmente, chica-espertice (ora aí está, a palavrinha mágica). E o pior é que até as vítimas dos chicos espertos, lhes reconhecem o valor da chica espertice. Se conseguiu lixar o do lado, ganhou. Se ganhou, é melhor que o tipo que se porta bem. E infelizmente habituámo-nos a pensar que este país, este mundo não é para os tipos que se portam bem.

Esta história tem uma moral com a qual me identifico a 300%. Dizia-me o meu amigo em jeito de conclusão: vou ter uma empresa realmente de sucesso quando não precisar de maus clientes, de más pessoas. Quando puder escolher os meus clientes. Acho que não há objectivo mais nobre para quem tem uma empresa do que poder escolher os seus clientes.

Vivas tu, amigo que aqui fica incógnito, e todos os que conseguirem lá chegar.

 

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por sparks às 22:49


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