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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos


Quarta-feira, 21.08.13

A Europa vista daqui - look Jorge Jesus em Praga

Fazer um programa de férias à medida de dois adultos com as respectivas idiossincrasias e de três adolescentes com as respectivas manias (a mania do desporto, a mania da música, a mania dos carros e por aí fora) implica uma boa dose de conciliação, criatividade e muita paciência. Até aqui, os resultados têm sido bons e a chamada agenda-imprevisto tem nos brindado com alguns momentos impossíveis de planear e por isso mesmo preciosos.

Um deles aconteceu em Praga depois de uma discussão acesa (e cuja frequência tem sido assinalável) subjacente ao tema: 'a pé ou de transportes?'. Neste caso concreto, invocando o meu direito à 5ª emenda, não vou adiantar detalhes sobre quem defende o quê, ganhou a ala 'transportes' e acabámos no eléctrico 91 em direcção ao Castelo de Praga. Ou ao que julgávamos ser o Castelo de Praga. Na realidade, estávamos exactamente na direcção oposta à do castelo e ouvimos o sinete de fim de percurso num descampado em frente a uma espécie de recinto de feira deserto onde se anunciava um evento sob o signo do Tutankamon. 

A coisa começou mal desde o início. Ao almoço as coroas checas tinham sido gastas, sobravam apenas trocos e o dinheiro em euros que ia nos bolsos desde Portugal. Sem problema, pensámos sem verbalizar, já que em todo o lado - mesmo todo o lado - até então tinham aceite sem pestanejar coroas e euros, euros com troco em coroas, coroas com troco em euros, numa agilidade digna de registo.

Mas não no 91.

O 'pica' do 91 era um personagem do Tintin. Tintin e o Ceptro de Otokar. Não falava uma vírgula de inglês. A forma como nos olhava oscilava entre o intimidatório suave e o gentil anfitrião em excesso. Sem meio termo. Acabámos por fazer um acerto de contas estranho - ainda agora não percebo bem se perdemos dinheiro ou não - entre as 135 coroas checas e a moeda de 1 euro. Quando tudo parecia finalmente resolvido, o eléctrico pára no descampado e ele lá vai gesticulando a indicar que devemos sair. Sair? Aqui? Não tem reprodução o diálogo português-checo-sons vários que teve lugar até percebermos que ficaríamos ali 25 minutos até que o mesmo eléctrico regressasse para nos levar ao castelo.

Assim foi.

No ermo, descortinámos uma caixa multibanco ao lado da bilheteira do Tutankamon. Uma caixa onde não é possível levantar menos de 1000 coroas (parece um exagero mas são 40 euros). Tentamos trocar a nota única na bilheteira (a pensar nas pouquíssimas coroas necessárias para o bilhete de volta no eléctrico) e a empregada não fala nem inglês, nem sequer a tão útil língua primitiva do gesto. Aconselha-se com uma colega e ficamos com a impressão que acha que a nota é falsa. Atira-nos com umas sílabas que nos parecem incentivar a ir uns metros à frente e lá encontramos um bar-casino perdido no meio de nada. São quatro da tarde, a música toca alto e há slot machines num corredor apertado do bar. Não há clientes além de nós, bebemos Coca-Cola em garrafas antigas, Ice tea turvo e uma água tónica local. A senhora que nos atende é simpática e também não fala um pingo de inglês. Tem um marido a rondar, de cerveja na mão, mas sem qualquer préstimo que não esse.

Lá acabamos sentados em bancos de balcão corrido, bebidas à frente, nota de 1000 coroas trocada e Samantha Fox vinda dos anos 80 a trautear 'touch me, i want to feel your body'. Por breves momentos estivemos de facto no intervalo de um tempo que já acabou mas que ainda tem as suas memórias vivas em certos sítios, com certas pessoas e em certas circunstâncias. 

À saída ensaiamos um dekiuii e a dona do casino devolve-nos aquele sorriso de gratidão que em Portugal conhecemos bem, o mesmo que tantas vezes ainda fazemos quando um turista nos diz 'obrigado'. O eléctrico entretanto regressou e o 'pica' da Moldávia cumprimenta-nos como velhos conhecidos. Não cobra bilhete com aquele ar que também fazemos em Portugal quando não achamos admissível que um parente pague a bica no café lá do nosso bairro.

Resta dizer que esta outra Praga, a Praga anos 80, tem o seu expoente máximo nas músicas que se ouvem nos cafés, em alguns programas de televisão e na extraordinária multiplicação do look Jorge Jesus, desde o taxista da avenida central ao apresentador do Totoloto local.

Não somos assim tão diferentes, portugueses e checos, está visto. E sobre futebol, Jorge Jesus e afins, como será compreensível, não me apraz dizer mais nada.

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por sparks às 00:21

Domingo, 18.08.13

A Europa vista daqui - Destruímos isto juntos. Construímos isto juntos.

 

(escrito a 17 de agosto e publicado a 19 de agosto)

Chegámos ontem à República Checa, um dos quatro países que vamos visitar numa espécie de mini-interrail. Na preparação da viagem, percebemos que em três dos quatro países não usaríamos o euro como moeda oficial. Algo que na Europa não tenho memória há certamente mais de 10 anos, também porque os países que mais tenho visitado - à excepção da Grã-Bretanha - são indefectíveis da zona euro. E, como dizia um amigo, isto seria uma espécie de viagem não ao passado mas ao futuro da Europa, nesse tempo que alguns adivinham pós-euro. Chegámos ontem à República Checa onde se fala uma língua que não entendo e se paga cerveja a 30 coroas e senti-me completamente em casa. Na Europa. A Europa que hoje tanto discutimos está longe de ser um produto do euro ou sequer da uniformização linguística com o inglês que se fala no mundo inteiro. Não se trata de uma moeda nem de uma língua. A Europa que faz de nós europeus vive de locais que nos são familiares, de traços arquitectónicos que reconhecemos, de histórias da grande História que sabemos ser também nossas. Destruímos isto juntos. Construímos isto juntos. As tantas vezes que sobrevivermos à destruição-construção diz mais da nossa condição de europeus que todos os tratados que reis ou burocratas possam celebrar. Há uma condição europeia que nos faz ter orgulho da Praça de Cidade Velha em Praga ou da música que se ouve na em Klementin. A música, essa música que se ouve em toda a Praga, o jazz, o neo-punk-neo-metálico-neo-gótico, a performance moderna da Gay Prague ou o belíssimo recital de Bach, a música é Europa. Reconhecemo-nos uns aos outros, mesmo sem falarmos a mesma língua, ou transaccionarmos na mesma moeda. Reconhecemo-nos uns aos outros mesmo sendo espantosamente diferentes ou, por vezes, demasiadamente iguais.

À noite, já sem sentir os pés, procurámos sem êxito a Praça Venceslau, a da Revolução de Veludo, também a de Jan Palach. Uma praça que é tão nossa como o Largo do Carmo. A caminho do hotel, fazemos uma derradeira paragem em frente a um hotel que tem na montra a loba de Roma que amamenta os seus filhos, Rómulo e Remo. E lá fomos dormir sabendo que esta terra mágica, assustadora e ainda assim cheia de promessas é a nossa terra de passado e de futuro.

 

P.S. - Este post foi escrito na manhã de sábado, dia 17, mas devido a dificuldades com as comunicações não foi possível publicar de imediato. A Praça Venceslau foi uma das paragens obrigatórias em Praga e provavelmente um dos locais onde terá sido feita uma das fotos mais espantosas da viagem (pelo meu enteado, a quem terei de tratar por outra palavra já que esta é demasiado postiça quando se refere a alguém que faz genuinamente parte de nós e da nossa vida). Postiça é, ao invés, uma palavra que me ocorre para descrever o que senti hoje ao ver um dos palcos da Primavera de Praga e da Revolução de Veludo. Sim, o tempo passa. Sim, o mundo muda. Mas aquela não devia de ser apenas mais uma avenida europeia. E hoje foi apenas isso, mais uma avenida europeia. Sermos europeus (ou globais?) também é isto, mas, contrariamente ao que muitos defendem, é e tem sido a diferença que faz da Europa uma história única.

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por sparks às 10:36

Domingo, 28.07.13

"Mas o que é democracia? Onde todas as vozes contam?"

Volta e meia, acontece qualquer coisa e lá estou eu outra vez com a Hungria em frente do meu nariz, salvo seja. A primeira vez que isso aconteceu, foi há mais de um ano, ao ler uma reportagem no Público, assinada pela Clara Barata. Um trabalho que me fez viajar até à Hungria de Victor Orbán, um país assustadoramente semelhante ao que veria num filme antigo sobre os anos 30 em alguma Europa. A Clara é uma mente lúcida e das pessoas mais inteligentes que conheço e não duvido um minuto nem do que ela por lá viu, nem da sua análise com a informação que reuniu. O jornalismo tem de ser cada vez mais um exercício de contexto, de compreeensão, uma profissão de facilitadores entre a infomação desgrenhada e a essência dos temas que realmente nos devem importar. A Clara é uma jornalista dessa linhagem. Não encontro aqui a primeira reportagem que li dela sobre esta Hungria, mas em contrapartida encontrei uma outra que ainda não tinha lido: Heróis, anti-semitas e nazis: a história que os húngaros não conseguem ler.

 

Passaram-se uns meses e fui lendo mais umas coisas. O 1º ministro húngaro continuou na sua forma muito própria de democracia musculada (acho que lhe chamam assim, apesar de algumas fracas figuras no que toca ao músculo). Em Junho deste ano, o Parlamento Europeu aprovou um relatório elaborado pelo deputado português Rui Tavares em que se considera, pela primeira vez, que a forma como se vive na Hungria não é compatível com o artº 2 do Tratado da UE que exige que respeito pelos valores fundadores da União, entre os quais o respeito pela democracia e pelo Estado de Direito. Mais de um mês depois e por mera casualidade, chego a este texto na Visão, e fico curiosa de saber que mais se tem passado.

É aí que vou dar ao blog do Rui Tavares - onde encontro este comentário de um "combraguy" que diz ser húngaro:

 

Coimbraguy

Eu sendo húngaro, recuso absolutamente esta interferência com o meu país de origem. Em primeiro lugar: perguntem se faz favor qualquer pessoa da rua se ele se sente sob ditadura? Depois perguntem faz favor os ex-comunistas (agora “liberais”) que alimentam a má imagem da Hungria através da Fundação Táncsics, falando sobre assuntos que não tem nada a ver com nada. Há trés anos atrás ainda foi banido o uso da cruz durante o Natal pelo governo anterior (os liberais, ex-comunistas), e foi substituído por Menorás. O governo anterior admitidamente ganhou a eleição em 2006 por batota – eles não divulgaram a situação financeira da Hungria em tempos devidos, mentindo sobre os valores, depois ganharam e depois veio aquele discurso de Öszöd, onde o ex-primeiro ministro, Gyurcsány admitiu não ter feito grande coisa como PM. Bom, naquela altura ninguém levantou a sua voz da EU, porque o tal governo foi o amigo dos Banqueiros. Agora, este novo governo do Orbán pede bom senso de todo lado, incluindo o tribunal de constituição. Em retorno, a nossa défice baixou para ~2%. Qual é mais importante?
Ahh, democracia. Mas o que é democracia? Onda todas as vozes contam? Não, esse não existe. Não, porque não há informação verdadeira. Quem pode ainda acreditar num politico, num jornal? Sabemos que o certos membros do governo português atual e anterior bem com alguns banqueiros são corruptos. Numa democracia estes vão para o prisão. Como na Hungria. Em Portugal não. Então, resolve-se faz favor a democracia aqui em Portugal em primeiro lugar.

Pronto, ontem (03/julho/2013) foi realizado uma ação disciplinar contra o Sr PM Viktor Orbán e Hungria. E também foi recusado a entrada do presidente da Bolívia, Evo Moralesno espaço aéreo de Portugal: O rumor de que levaria Edward Snowden a bordo precipitou os acontecimentos. Ontem o Sr. José Manuel Barroso levantou a sua voz contra os EUA depois de ter escutado toda da Europa. O Edward Snowden contou tudo. Porque HÁ ainda um bocadinho de democracia no coração de certas pessoas. Portugal não permitiu a entrada da avião que do presidente da Bolívia porque podia ter transportado uma fatia de democracia. Ou seja, Portugal está contra a verdade, contra a opinião pública, concorda com as escutas, recusa ajudar os que defendem a democracia.

 

E, independentemente da veracidade factual, este coimbraguy fala de uma coisa que nos é mais confortável evitar, a cada dia, a cada 'desconforto'. Essa coisa chamada democracia, o que é na realidade, como está a ser realmente aplicada e que evolução podemos e devemos pensar de uma forma governo que nasceu na Grécia com contornos distintos dos de hoje (era uma Grécia com escravos e onde as mulheres não eram 'naturalmente' cidadãs, só oara estabelecer o perímetro).

Há democracia quando as elites se sucedem e a renovação dessas elites não é mais do que uma injecção de carga idêntica no sistema de partidos? Há democracia quando o Governo de Estado configura um acesso legitimado pelo voto aos bens de todos usados em proveito de alguns? Ou pior, o acesso à decisão legitimada pelo voto de colocar toda uma população a pagar os prejuízos de alguns? Há democracia quando manifestamente os 'spin doctors' e não os pensadores sociais, políticos e económicos ditam o rumo das decisões do país ao ritmo da abertura dos telejornais das 8 da noite? Há democracia, por último, quando sabemos, está estudado, não é mito, que muito é mais fácil conseguir de uma multidão uma decisão irracional e potencialmente perigosa do que de um indíviduo ou vários longe da turba? São questões com qualquer coisa de odiento, eu sei. Como já me perguntaram, em círculos mais fechados, 'mas queres o quê, decidir que uns podem votar e outros não?'. Não se trata disso. Também vejo muitos pais que não qualificam para o exercício da paternidade ou da maternidade, mas a biologia não lhes é limitada e seria desumano que fosse. Os resultados do exercício dessa biologia devem ser regulados, isso sim, para que situações em que crianças, ou mães, ou pais, ficam em risco sejam prevenidas ou rapidamente solucionadas. O Estado não é 'pai' ou 'mãe' - esse sim, mais um fantasma periogoso do passado da Europa que nos assombra em vários contextos. Mas a cidadania, como a biologia, não é apenas uma possibilidade ou um status quo. É uma responsabilidade e um estado em construção. Definitivamente tem de ser repensada, com outra exigência, sem medo de abrir a caixa de Pandora e debater como podemos melhorar, fazer evoluir, este regime político, sem dúvida imperfeito mas para o qual até aqui não encontrámos melhor e que é a democracia. Porque, definitivamente, esta 'democracia' começa a ficar muito perigosa e não há artigos fundadores que nos salvem se nos abstrairmos da realidade.


 

Há uma frase do coimbraguy, esse tipo invisível, que é particularmente inquietante e que nos deve fazer pensar:

"Mas o que é democracia? Onda todas as vozes contam? Não, esse não existe. Não, porque não há informação verdadeira. Quem pode ainda acreditar num politico, num jornal? Sabemos que o certos membros do governo português atual e anterior bem com alguns banqueiros são corruptos. Numa democracia estes vão para o prisão. Como na Hungria. Em Portugal não."

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por sparks às 10:07


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