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X-Acto

Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos


Segunda-feira, 02.09.13

A Europa vista daqui - Há Estocolmo e há Gamla Stan

Uma nota prévia apenas para dar conta do estranho que é escrever sobre Estocolmo quando já me encontro em pleno areal do sotavento algarvio. Fica mais difícil regressar ao ambiente em que estava há uma semana, mas conto com a ajuda do carderno de notas para que seja o mais verosímil possível.

Estocolmo foi a última paragem de uma viagem que nos levou a quatro cidades: Praga, Berlim, Copenhaga e Estocolmo. A parte boa de preparar viagens é antecipar o prazer da descoberta, a parte menos boa é que esse exercício por vezes suga-nos a surpresa. Copenhaga foi a cidade menos planeada de todas as visitadas. Não estranhamente foi a que mais supreendeu. Berlim é, para mim, um caso à parte ( e sim, será a última cidade sobre a qual escreverei). Sobre Estocolmo sabíamos algumas coisas e uma das coisas que sabíamos chamava-se Gamla Stan. Gamla Stan era o nosso 'must go' na capital sueca, por recomendação entusiástica de amigos e porque o que fomos lendo nos dizia que sim, que tinha de ser. O que não podia contar é que fosse sentir uma diferença tão grande entre esta 'Cidade Velha' de Estocolmo e o resto da cidade. 

Vamos por partes.

Chegámos a Estocolmo depois de uma viagem atribulada de comboio com paragens em várias estações e apeadeiros. Recebeu-nos uma estação central semi-deserta às 8 da noite, com quase todas as lojas fechadas (incluindo restaurantes) e com todos os postos de informação encerrados. Em teoria, tudo contrariava o proverbial serviço público irrepreensível dos nórdicos. A primeira refeição foi fast food. Uma fast food cara e de qualidade inferior às que até aí tínhamos experimentado (em cadeias globais como Burguer King e Pizza Hut). O mesmo Whooper que em Praga tinha custado menos 5 euros aqui custou quase 8 e sabia bem pior. Em contrapartida não há qualquer momento 'lost in translation'. Todos falam inglês fluente, com a naturalidade da língua materna. Não há postos de informação e percorremos a mesma gare duas vezes até entrarmos por mero acaso numa loja Seven Eleven para pedir ajuda. Na loja não só obtemos ajuda como ficamos a saber que ali se vendem os bilhetes de metro que precisamos para chegar ao nosso hotel. O metro de Estocolmo é uma obra de arte da engenharia. Estamos na plataforma 4 que é mesmo no fundo do fundinho. Descemos escadas a pique. Há lances de escadas rolantes parados. Na Suécia, os sistemas também falham e quando mais se precisa que funcionem, nomeadamente quando se carregam malas de viagem. Chega o nosso metro e vai cheio. Um grupo de vozes destaca-se pelos decíbeis primeiro (mesmo) e pela língua em que se expressam depois. Falam português, são de algum país africano, não conseguimos apurar qual e vêm ou vão para uma festa. Falam muito, riem muito, cantarolam, ocupam espaço.

Chegamo a Solna e estamos nuns arredores da capital simpáticos com um belo parque verde a emoldurar o bairro. Não encontramos o hotel, fiamo-nos no Google Maps, enganamo-nos com o Google Maps e num cruzamento fazemos sinal a um carro de polícia. Que pára prontamente, ouve-nos com atenção e a polícia (a senhora polícia, por sinal bem gira), que não sabe onde é o hotel, pergunta-nos se temos iphone. Iphone, isso. Temos e ela pesquisa no nosso mapa no iphone e indica-nos que temos de seguir o caminho inverso. Pede desculpa por ser só essa a ajuda que dá mas 'estão a entrar ao serviço'. Vislumbramos aqui, pela primeira vez, o tal serviço público sueco. Mais 500 metros de caminhada e não vislumbramos hotel. Taxis! Dirigimo-nos ao primeiro taxista e - há valores universais - não só sabe, como sai do carro para andar escassos 30 m e nos mostrar a entrada do hotel que é a mesma de um centro comercial, logo nunca daríamos por ela (e o Google mandava-nos dar uma volta a um quarteirão aparentemente inexistente).

O pequeno-almoço é servido a partir das 6 - começa-se cedo aqui. Nós descemos pelas 8 e meia, não sem antes ter adormecido e acordado com os céus de Estocolmo como tecto. Estamos no 10º piso do hotel, temos uma vista panorâmica extraordinária e nessa manhã o céu está azul como nos livros infantis. No elevador temos por companhia uma sueca de 50 e muitos anos que desce connosco ... descalça. Tudo normal. O pequeno almoço é como se quer. Uma verdadeira 'primeira' refeição no sentido mais puro de 'primeiro'. Aqui não há Nutella, um verdadeiro manjar matinal para os nossos adolescentes, que irão reclamar do facto. Mas o pão é o melhor de todas as cidades visitadas, os ovos mexidos são saborosos, há fruta variada e ... queijo! Muito queijo, bom queijo, o melhor dos queijos. Há também jantares completos como almondegas com batatas e legumes e há quem os coma.

 

Vamos para o centro, rumo a Gamla Stan, o tal bairro que não podemos perder. No metro temos mais um desafio: perceber qual o bilhete que melhor nos convém. Em Praga só andámos de eléctrico, em Berlim as opções eram 5 ou 6 e facilmente se descortinava a nossa (bilhete small group até 5 pessoas, dia inteiro), em Copenhaga a bicicleta e o autocarro 30 resolveram tudo e aqui ... bom aqui as opções não acabavam. Contei pelo menos 30 (há bilhetes por semestre escolar, por férias de semestre escolar, entre determinados horários e por aí fora) e acabou por ser melhor o velho método de perguntar ao senhor da bilheteira. Este senhor da bilheteira tem mais de 50 anos, fala um inglês correcto e investe todo o seu tempo e atenção em encontrar-nos a melhor solução. O mesmo acontecerá no dia em que vamos para o aeroporto. Consulta tabelas, faz contas, revê percursos, até nos dar a 'best offer'. Serviço público, está aqui.

 

O centro de Estocolmo naquele domingo estava particularmente animado. Há uma prova internacional de triatlo e as ruas estão devidamente sinalizadas, há voluntários em cada quarteirão e muita gente na rua para assistir, além de turistas. Gamla Stan é um piscar de olhos bem sucedido à primeira. O bairro parece saído de uma qualquer história clássica, nas paredes, no movimento, no retrato há um  amarelo das estórias antigas que pinta tudo. A única loja não sueca que encontramos é precisamente a primeira onde paramos: The English Bookshop. E é exactamente como imaginamos uma english bookshop em jeito Notting Hill mas com uma rapariga loura e simpática em vez do Hugh Grant a atender. A rua principal - Västerlånggatan - corre sinuosa pelo bairro e cumpre-se com lojas de chocolate, casas vikings, lojas de adereços para a casa, lojas de objectos temáticos sobre animais, roupa, mas são todas - todas mesmo - suecas. Não há H&M, Zara, McDonalds.  Nem Prada, Gucci ou Vuitton. Ah, e neste bairro, sobem-se ruas. Talvez o único espaço - à excepção do Castelo de Praga - onde o piso não é plano neste tour europeu. Numa das ruas de cima, fica a Catedral de Estocolmo onde assistimos durante a visita a um baptizado conduzido por uma mulher a quem as vestes clericais assentavam com elegância. Ao centro, Stortorget, a praça do Museu Nobel e também a praça do Banho de Sangue de Estocolmo, em 1520. Um ajuste de contas, uma traição, um dos muitos episódios de guerra entre suecos e dinamarqueses. Neste caso, os dinamarqueses liderados por Cristiano II cercaram a Gamla Stan, a cidade rendeu-se, o rei invasor mandou fazer um festim de dois dias e depois das pazes e da aministia aos vencidos levou à praça mais de cem apoiantes do rei da Suécia e executou-os. Em Stortorget.

Hoje é uma praça tranquila, naquele domingo apenas banhada por um sol intenso e duradouro. 

Gamla Stan é também a sede do Palácio Real, coisa pequena para 600 quartos, onde todos os dias se assiste ao render da guarda. Eu não vi, mas os nossos adolescentes garantem que os guardas tocam uns acordes de Dancing Queen dos Abba algures durante a cerimónia. Eu não vi e fiquei verdadeiramente triste por não ter assistido. Imaginar os nossos guardas de Belém a tocar o Homem do Leme dos Xutos e Pontapés à porta de Cavaco Silva é qualquer coisa. 

 

Quando saímos de Gamla Stan entramos em Estocolmo. Ou então ao contrário. Gamla Stan é Estocolmo e o resto é outra coisa. Outra coisa bonita, monumental, muito momumental, sóbria, imperial até. Esta cidade é um arquipélago, onde barcos levam turistas de canal em canal, onde aqui e ali há palácios imponentes que se erguem isolados num bocado de terra. Decerto há filmes do 007 gravados aqui. É uma paisagem de riqueza e de força sem nunca ser exibicionista. É só forte, muitas vezes impenetrável e essa percepção, de alguma forma, intimida e impede uma maior proximidade. Estocolmo não dá confiança a estranhos, não é Lisboa menina e moça, nem a Copenhaga que sorri. Nós estamos ali, naquele cenário, naquela ponte, naquele relvado, naquela fachada triunfal do Nordiska Museet, mas podíamos estar a vê-los num livro, num postal ou num filme porque não conseguimos ficar mais próximos por ali estar. E isto depois de termos sido absorvidos por Gamla Stan, tornados personagens daquela história. Ainda assim, foi num banco de jardim em Djurgårdsvägen que vimos o mais bonito por-de-sol das férias. Um por-de-sol perfeito sobre o canal com patos em fila a mudar de margem e barcos que se atravessam no horizonte. Como nos filmes.


 


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por sparks às 10:53

Domingo, 25.08.13

A Europa vista daqui - Copenhaga, a feel good city. Só faz falta um pouco de imperfeição

 

É humanamente impossível não gostar de Copenhaga. Para quem conseguir imaginar uma cidade a sorrir, Copenhaga é o retrato perfeito. A cidade sorri desde que primeiro minuto. Há um ambiente de pessoas felizes com a sua vida. O senhor da estação que nos indica que autocarro apanhar está feliz na sua vida, a empregada asiática do teatro que limpa casas de banho está feliz na sua vida e canta enquanto limpa sanitas e lavatórios, na rua existem magotes de pessoas felizes no nosso caminho - estudantes em viagem de finalistas, avós atléticos, mães de família com carrinhos de gémeos a triplicar. As mulheres são muito bonitas, as mais novas e as mais velhas. Não me lembro de uma cidade com mulheres over 70 tão bonitas. Bonitas e felizes, não sei se a ordem dos factores altera ou não o resultado, ainda que suspeite que sim.

Neste ambiente, tudo convida a ser feliz e a usarmos de nós o melhor que temos para ser feliz. Ou o que nos faz mais falta para ser feliz noutros espaços. Em Copenhaga o que me fez mais feliz foi a liberdade. Foi a primeira cidade que conheci de bicicleta e foi uau. Uau mesmo. Estou longe de ser uma habilidosa em cima de duas rodas, mas o contágio aqui é inevitável. Os dinamarqueses de Copenhaga - e por inerência todos os que por cá ficam - fazem tudo em cima de uma bicicleta. Falam ao telemóvel, passeiam de mão dada, conduzem filhos (plural, não singular) em atrelados, fazem as compras do dia ou da semana, levam equipamento de golfe a caminho do green e até lêem uma página ou duas enquanto o sinal não fica verde.

Andam rápido para caramba. Novos, velhos, magros, gordos, aperaltados ou freaks. Todos conduzem a sua vida numa bicicleta.

A confiança foi tanto que conseguimos inclusive 'largar' os adolescentes pela cidade nas suas bicicletas, escolhendo o seu roteiro, usando a sua liberdade. Tudo com menos de 24 horas de conhecimento da geometria e deu espantosamente certo. Nós também pedalámos Copenhaga fora. Do bairro latino latino, ao Nyhavn, casa da ópera, conseguindo-nos perder até Christiana, o bairro de leis próprias de que tanto fala quem vem à cidade. Aqui não se tiram fotos, não se fala ao telemóvel e passeia-se calmamente a bicicleta pela mão. No ar cheira ao que esperávamos que cheirasse sabendo que se trata de uma zona de venda livre de drogas leves. Na realidade, é só um bairro hippie que fez um freeze a esse tempo no meio de uma cidade que continuou com as suas modas, umas atrás das outras. Não é um bairro mais feliz que o resto de Copenhaga, mas é sem dúvida um bairro diferente. Ainda bem que não se podem tirar fotos nem falar ao telemóvel; se assim fosse seria um bairro deprimente numa cidade feliz que ali levaria turistas a ver os 'alternativos'. Assim pelo menos conseguimos simplesmente acreditar no que faz aquelas pessoas escolherem aquele sítio e aquelas regras (também as há, são é diferentes das outras).

Copenhaga tem os Tivoli Gardens onde segundo reza a história Walt Disney se inspirou para fazer a Disneyland. Para quem nunca esteve na Disneyland, esta visita é uma viagem ao princípio da história. Da história feliz da Disney e dos contos Disney. Quem, ao invés, já visitou o sucedâneo, tem uma impressão redutora, mas não deixa de ser uma impressão feliz.

Conseguia viver aqui? Conseguia. Há um espírito aberto, menos ganância que nas grandes capitais, cosmopolitismo q.b. e essa sensação de feel-good. Apenas senti falta de alguma imperfeição, de alguma coisa a melhorar, a fazer de novo. Copenhaga é como as mulheres da cidade - tão perfeitas que, a certo momento, banalizam a perfeição. 

Mas esta seria uma uma cidade onde viveria. Bem.

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por sparks às 22:06

Sábado, 24.08.13

A Europa vista daqui - Como um sueco engata uma alemã a caminho da Dinamarca

 

A resposta é simples: não engata. O que poderia retirar todo o interesse à pergunta, mas na realidade não. Porque a parte mais interessante deste episódio reside precisamente nessa forma asséptica, educada, correcta de estabelecer contacto, vulgo meter conversa.

Então começa assim. Estamos na gare de Hamburgo a caminho de Copenhaga e as gentes atropelam-se em todas as direcções. Há famílias atrapalhando-se com bagagens, mochilas e casacos, como nós, há executivos-tipo-moderno de ipad em riste, há executivos-tipo-tradicional de pasta preta de computador pela mão, há louras, morenas e às cores em traje de Verão, há hippies, hipsters, pós-hippies, até acho que pós-hipsters, casais, gente sozinha, muitos twenty something.

E há este twenty something em concreto que esbarrou com aquela twenty something em concreto ainda antes do embarque e- voilá - estão na mesma carruagem. Que é a nossa carruagem onde estamos dispostos cada um em seu lugar porque os vouchers internacionais entram (nesta linha pelo menos) na rubrica de lugares não marcados. Uma pequena nota para dizer que tenho viajado de combóio em quatro países, esta viagem foi a que fez mais sentido no que respeita a reservas de lugares.

 

O twenty something sueco louro de barba meio rala, cabelo cuidadosamente desgrenhado e óculos próprios do look de um qualquer 'lab' é simpático, afável, sabe coisas sobre a Dinamarca - destino da alemã. E nem começa mal a conversa, fazendo uma referência suficientemente breve mas suficientemente explícita ao facto de ter namorada e já ter feito aquela viagem com a namorada. Diz quem gosta de escrever sobre 'relações' que as mulheres se interessam por homens 'ocupados' - eu cá tenho dúvidas de natureza diversa e de experiência igualmente diversa sobre estas regras universais, mas seja. E, se assim for, o nosso sueco estava a fazer o processo by the book.

Tão by the book que eu, sentada no banco atrás do deles (um compartimento de quatro lugares em que o sueco ficava de frente para a alemã, por sua vez sentada ao lado da minha filha, estando eu exactamente atrás da minha filha) me desinteressei da conversa. Depois de uns minutos do igualmente vulgar passar-pelas-brasas, acordo com vontade de regressar ao livro de férias. E seria essa a história da viagem não tivesse sido interrompida, breves minutos depois, por uma conversa em tom monocórdico mas aplicado. Levanto os olhos e é ele, o sueco que mete conversa com a alemã. Agora fala de glutén e do problema que isso trouxe à namorada do irmão. Com detalhe, note-se. Como o tema tem elastecidade q.b. distraio-me a pensar onde é que aquela conversa o vai levar. Leva-o muitos minutos à frente e aí a situação ganha outros contornos. Quem é que consegue manter mais de 30 minutos de conversa com uma desconhecida explicando detalhadamente as limitações impostas pela intolerância ao glúten - à namorada do irmão! - e, perante a sua total indiferença (hum-hum, ham-ham eram as únicas sonorizações que se ouviam na fronteira alemã) decide avançar destemidamente para a enumeração das diferenças técnicas na forma de extrair glúten na Alemanha e na Suécia???

Rapaz, não vás por aí! Há uma vontade incontrolável de ligar um semáforo vermelho ou apitar com uma buzina. E ele continua aplicado, e ela continua desinteressada, e o combóio embala-nos a todos nas imediações naquele constrangimento tornado colectivo e a coisa ganha tais proporções que até a minha filha é, ela sim, sim extraída ao seu universo 'ipod+auscultadores-romance' para se virar para trás e dizer: 'este deve ser o pior engate ever'. Tem 15 anos. Pouca experiência, mas muita intuição nestas coisas.

O que se segue são mais duas horas à Benfica 2012-2013, naqueles minutos que separavam os 90 minutos do fim do jogo. Puro desespero. Ao glúten seguiu-se … o Google. Boa! O sueco tem um projecto com o Google. Vislumbra-se algum interesse da alemã, até faz perguntas (coisa que até aí não tinha sucedido). Go boy, Google, Facebook, Youtube, mesmo uma qualquer startup sem qualquer futuro mas com lot's of style é canja! Vantagem imediata - you're on top of the world, man! O que é que o sueco faz? Começa a detalhar o projecto que tem o Google, produz divagações chatas, aborrecidas e absolutamente inconsequentes sobre o teor do que se propõe fazer e tal como um balão perde o ar, assim vai a conversa. Há um breve pique de atenção quando se refere ao colega de projecto com ar pesaroso - por momentos, chegamos todos (sim, já há várias pessoas a acompanhar o enredo por esta altura) a pensar que há uma qualquer história trágica-heróica-romântica com que vai finalmente chamar o alvo à sua beira. Mas não. O colega é só um tipo pouco interessado e isso deixa-o a ele desmotivado.

O italiano do banco ao lado volta ao jornal, o chinês volta a ressonar, a minha filha volta a colocar música nas orelhas. E eu fico a pensar nisto tudo. A alemã decide mostrar que dormita - e sim, a esta altura nada sabemos dela - e o sueco rende-se. Dormita também.

Poucos minutos antes de chegarmos a Copenhaga tem lugar a investida final. Agora ou nunca. O rapaz sueco com mestrado e a caminho do PhD aponta baterias à beleza das viagens, ao facto de ele e a namorada viajarem bastante, nem sempre juntos porque ambos concordam na importância de ter 'experiências diferentes e conhecer outras pessoas'. Ui. Até queima. Há forma mais correcta e sensaborona de dizer o que supostamente quis dizer? A alemã aí mostra de que matéria é feita. Fala dos pais, da casa de Verão da  avó que até poderia ser a sua casa permanente, mas do facto de não pretender criar raízes antes dos 30 porque 'devemos aproveitar para viajar e andar pelo mundo enquanto somos novos e ainda podemos'. Para tese sensaborona, tese sensaborona e meio. 

Há qualquer coisa no rosto do sueco que nos diz que já percebeu a derrota. Assume um ar profissional, abre o computador, pede-lhe o endereço e diz que lhe vai enviar enviar um email para ela depois poder responder. Estamos quase em Copenhaga. Com um ar nervoso, ainda titubeia que se o combóio atrasar um pouco, talvez perca a ligação a Estocolmo, seu destino final. Ela sorri plasticamente e sossega-o que não irá acontecer. Game over.

 

Quando paramos, é finalmente possível ver os dois lado a lado. Ela não é assim tão bonita, nem tão especial, mas tem ali uma qualquer força, uma qualquer certeza. Ele, se não o tivéssemos visto a despenhar-se no abismo, era até bem mais interessante. Mas depois disto já não conseguimos fazer justiça à (boa) máxima do Woody Allen de que só as pessoas muito superficiais não julgam os outros, em primeiro lugar, pelas aparências.

 

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por sparks às 21:44


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