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Os x e os actos e algumas coisas de cortar os pulsos
Se dissessem há uns tempos que sentiria a falta de aqui vir como se sente a falta de alguém de quem gostamos, de um sítio onde nos sentimos bem ou do de um ritual que nos devolve a nós mesmos, quase aposto que me riria. A verdade é que aqui estou, depois de mais de uma semana, com aquele contentamento infantil que é o mais genuíno vida fora.
Ainda por cima, a semana que passou foi rica. Rica de pessoas, ideias, gestos, aquele tipo de riqueza sobre a qual gosto de escrever. Talvez por isso foi mais importante viver esses momentos do que escrever sobre eles. Não é totalmente verdade. Quis escrever quase em tempo real, precisamente porque estas são as coisas a que a escrita dá uma dimensão de eternidade. Não consegui e tenho pena. Hoje vou tentar aqui deixar algum registo desses dias, sabendo antecipadamente que vou falhar - os dias e as pessoas foram melhores do que serei capaz de dizer.
Começo por isso mesmo - falhar.
Soube da Sónia Fernandes há uns meses. Porque procurava - e procuro - pessoas com quem possa trabalhar, 'com' e não 'para'. Ouvi falar da Sónia porque alguém conhecia alguém que sobre ela dizia : 'parece impossível como é que ninguém emprega esta rapariga'.
Esta rapariga tem uma história comovente, bem-humorada, contagiante. Esta rapariga merece ser 'bem empregada', mas ela sabe-se empregar tão bem - e se calhar é por isso que outros têm mais dificuldade em empregá-la.
A Sónia é a organizadora do World Failurists Congress, que vai para a 3ª edição, agora em Dezembro. No tempo do ai-que-bom-é-ter-sucesso-e-ser-empreendedor-líder-ou-socialmente-responsável, a Sónia fala com os que falham. Que somos só todos nós. E fala do falhanço sem powerpoints, sem teses pseudo-científicas de gestão ou de psicologia, sem medos. O que faz destes encontros e de tudo o que os antecede uma experiência única, divertida, imperdível e da qual, acredito, se sai com a alma mais leve.
No próximo World Failurists Congress vou falar das vezes que falhei, das vezes que falho, do que isso me trouxe, do que isso me traz. Num ano como o de 2013 é a verdadeira cereja no topo do bolo. Imaginem um investor pitch ao contrário e terão uma boa ideia do que se vai passar.
Só conversei com esta rapariga pessoalmente durante cerca de 2 horas (deviam ter só 30 minutos, o resto foi a crédito). O resto são mails, posts e conversas de terceiros. Mas há um conforto de me sentir em casa inegável e esses são momentos preciosos.
Na semana que passou foi também lançado o livro 'Terror ao Pequeno-Almoço'. Ainda não leram? Leiam.
O livro fala de pessoas que mentem, que gerem pelo medo, que procuram salvação em reports e gráficos coloridos. O livro fala de pessoas que obedecem, que vivem em ansiedade, que desaprendem qualquer dom de pensar pela sua própria cabeça. O livro fala de tudo isto e, ainda assim, fala de esperança. No início da sessão de lançamento, uma das primeiras questões foi precisamente sobre se o terror funciona. Respondeu João Vieira da Cunha, um dos autores. 'Claro que funciona e funciona sempre. É como a batota, também funciona. O que não significa que devemos gerir as pessoas pelo medo só porque funciona'. Foi este o princípio de uma conversa em que se falou das retóricas da gestão (hoje são também as retóricas da política) com os palavrões, uma vez mais, do empreendedorismo, da liderança, da inovação e blá-blá-blá a servir para falar da divisão do átomo, do cachorro quente da esquina ou de um qualquer sounbyte extremosamente ensaiado por um qualquer spin doctor. E da culpa, aquela culpa que nós portugueses somos tão bons a sentir e que nos faz aceitar sem pestanejar as mais estranhas provações.
Este é um livro escrito por três autores com percurso académico e com experiência de empresa (João Vieira da Cunha, José Manuel Fonseca e Rui Grilo) e com prefácio do jornalista e comentador Camilo Lourenço. Não são relatos anestesiados. São retratos reais.
O melhor neste livro, nestes autores, e no conjunto de pessoas que de alguma forma participou nesta publicação é que nos dão o descanso de saber que continua a existir pensamento. Que não nos tornámos todos papagaios que só reproduzimos o que nos soletram. E que bom é ouvir gente capaz de pensar pela própria cabeça e pelo próprio coração.
Ah, e fui ver o filme sobre a Wikileaks e o Julian Assange, um convite em boa hora de quem sabe que gosto destas histórias. Gostei do livro do David Leigh e do Luke Harding, gostei de várias provocações de Assange, gostei de várias discussões em que já me envolvi sobre se a tecnologia, as redes, o 'ecossistema' dispensam a função jornalística. O 'Quinto Poder' tem muito de Assange, mas tem o suficiente da grande questão de fundo sobre afinal o que é informar neste início de século XXI. O desempenho de Benedict Cumberbatch é soberbo. Alguns supostos 'efeitos especiais' são mero adereço desnecessário. Há uma ideologia de suporte à narrativa, mesmo que procure ser indelével. O filme foi o maior fracasso dos grandes sucessos anunciados à data da estreia. Ninguém quer saber de jornalistas e hackers.
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